Pela Liderança durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões acerca do resultado de pesquisa sobre analfabetismo no Brasil, divulgado pelo PNAD.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Reflexões acerca do resultado de pesquisa sobre analfabetismo no Brasil, divulgado pelo PNAD.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/2013 - Página 68212
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DADOS, PESQUISA, AUMENTO, ANALFABETISMO, CRITICA, INSUFICIENCIA, POLITICA, ALFABETIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, COMPARAÇÃO, EDUCAÇÃO, AMERICA LATINA, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, REGIÃO NORDESTE.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, eu quero iniciar na mesma abordagem que o Senador Cristovam estava tratando ainda há pouco, aqui na tribuna, para continuar refletindo sobre o que eu considero que revela, neste final de semana, os dados da pesquisa PNAD.

            Como falei ainda há pouco, Sr. Presidente, aparteando o Senador Cristovam, a pesquisa PNAD revelada neste final de semana apresenta uma verdadeira tragédia nacional. Não há outra definição.

            Eu não vou me contentar em aceitar o eufemismo de tratar a questão como uma variação estatística, porque não é variação estatística. Eu vou usar inclusive as palavras de uma economista, a eminente Miriam Leitão, que eu acho sintetizou muito bem o que significa o conjunto destes dados aqui. Até do ponto de vista dos economistas, o conjunto dos dados da pesquisa PNAD em relação à educação demonstra uma tragédia, porque não se trata de estoque, trata-se de fluxo. Ou seja, até do ponto de vista estatístico, não se trata de crescimento do analfabetismo por conta de uma variação estatística entre os que morreram e os que estão vivos. Houve um crescimento do analfabetismo concretamente porque estão ocorrendo fracassos nas políticas de alfabetização. É uma tragédia porque nós não poderíamos mais ter retrocesso em indicadores sociais.

            A política social no Brasil, ao longo desses 50 anos de história, Senador Cristovam, foi tratada como caso de polícia - qualquer política social.

            O senhor, reitor que foi da UnB, dedicado à causa da educação como é, sabe muito bem que, do ponto de vista da política educacional, a trajetória da história nacional tem sido de total descompasso e de total negligência por parte dos governos.

            Nos últimos 20 anos, o que nós tivemos de modesto avanço em relação à educação nada mais é do que o mínimo civilizacional que se poderia esperar. É o mínimo civilizacional.

            Eu conversava com o senhor ainda há pouco. Nós estamos em um grupo vergonhoso na América Latina. Ao nos comparar com os demais países latino-americanos, veja, nós temos três grupos. Nós temos um primeiro grupo de países latino-americanos, em que estão Cuba, Venezuela e Costa Rica, que declararam seus territórios livres do analfabetismo. Nós temos um segundo grupo de países latino-americanos, em que estão a Argentina, o Chile, o Uruguai, entre outros, que conseguiram estabelecer índices de analfabetismo que figuram entre 1%, 2% ou, no máximo, 3%. Nós estamos neste terceiro grupo, que se encontra com países que estão com o analfabetismo entre taxas que vão de 8% a 14%.

            Para ver o quão trágico é esse número para nós, depois de nós, na América Latina, é o Haiti. O abismo é este. Mas, parodiando o nosso querido Caetano, com a permissão dele, para não dizer que o Haiti é lá, o Haiti também é aqui.

            A pesquisa PNAD aponta aqui, concretamente, quando nós fazemos a estratificação por Estado, que o drama maior é exatamente no Nordeste, de analfabetos. O Nordeste concentra metade dos brasileiros que não são letrados.

            Quando nós detalhamos os dados do Nordeste, de analfabetos, aí a situação é dramática. Nós encontramos Alagoas com índice de analfabetismo que vai para 21,8% - a taxa de analfabetismo em Alagoas é de 22%! No Maranhão, a taxa de analfabetismo é de 21%. No Piauí, é de 18,8%. Na Paraíba, é de 18,6%. No nosso querido Pernambuco, 16,7%. Até os números do meu querido Amapá...

            O SR. PRESIDENTE (Sérgio Souza. Bloco Maioria/PMDB - PR) - Quanto está no Paraná?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Os números do meu querido Amapá são inclusive favoráveis. Os números do Amapá são de 6,7%, e os números do Paraná, a pedido do Senador Sérgio, são amplamente favoráveis. Os números do Paraná são de 4,3%.

            Aliás, há um descompasso total. Nós temos um Sul em que os padrões correspondem àquele a que o Brasil deveria chegar em 2015 - a meta do milênio apontaria que o Brasil deveria em 2015 chegar a ter 6,8% de analfabetos.

            O problema é que agora, na PNAD, saltamos de 8,7% para 8,8%, uma variação que não é simplesmente estatística. A desigualdade nossa é também geográfica. Há no Sul Estados como Santa Catarina, que tem 3% de analfabetos, ou seja, o mesmo índice da Argentina e do Uruguai. Há o Distrito Federal, com 3,5% de analfabetos, com 3%; São Paulo, com 3,8% de analfabetos; o Paraná, com 5,3% de analfabetos. Ou seja, temos o Sul com um índice de analfabetos dentro da média da meta do milênio para o Brasil em 2015 e, na outra ponta, o Nordeste com uma concentração absurda de analfabetos. Nós temos Alagoas, Maranhão, Piauí, Paraíba, liderando esse anti-ranking, com índices comparados aos de países da África austral.

            O drama é que essa variação estatística - que, repito, não é só estatística -, de 8,6% para 8,7%, representa 300 mil a mais de analfabetos, que é o que se aponta. Essa variação não pode ser tratada só do ponto de vista estatístico. Ela primeiro tem de ser tratada como inaceitável.

            Com o abismo social que há em nosso País, nós não poderíamos aceitar, em nenhuma pesquisa PNAD de pelo menos da virada deste século para cá, algum tipo de retrocesso.

            O grande retrocesso e o grande atraso dessa pesquisa PNAD é que ela traz retrocessos. E o pior, Senador Cristovam, é que esses retrocessos são no campo da educação.

            O retrocesso é no campo da alfabetização, no campo do acesso à escola, no campo, em especial, da educação para aprofundar essa desigualdade. Nós vivemos, então, em um país que está, na Assembleia Geral das Nações Unidas, pleiteando vaga no Conselho de Segurança da ONU, que denuncia os Estados Unidos - e eu acho que deve denunciar mesmo -, mas que não consegue resolver o problema da falta de acesso à alfabetização para quase 20% da população uma região que tem índices de alfabetização iguais aos da África.

            Nós vivemos em um país que disputa com as maiores economias do mundo, que procura universalizar o acesso ao celular para quase todos os domicílios, mas que não proporciona acesso ao esgoto para quase 43% dos domicílios, número que aumentou segundo essa pesquisa do PNAD. Nós vivemos em um país disponibiliza o acesso à Internet em muitos lugares e o acesso ao celular a quase todas as casas há acesso a celular, mas que não faz o mesmo em relação ao saneamento básico. Há acesso a celular, mas não há acesso ao saneamento básico.

            Isso lembra, Senador Cristovam, uma obra sua que li há alguns anos, 18 anos, chamada Revolução nas Prioridades. É sobre essas prioridades que me parece estar faltando reflexão concreta por parte do Estado brasileiro.

            O que me indigna é a ausência de indignação. Reclamo da falta de sensibilidade a essa realidade. Não é o número em si, mas a indignação que o número tem de causar. Não posso aceitar que uma pequena ilha do Caribe, como Cuba, tenha declarado seu território livre do analfabetismo e que o nosso País, com mais de cem vezes o orçamento dessa ilha, não consiga resolver esse problema. Não posso entender como a Venezuela conseguiu resolver isso e nós não conseguimos. Não consigo entender como os nossos irmãos argentinos conseguiram reduzir o índice de analfabetismo a 2% e nós não conseguimos. Não é possível compreender que alguns Estados, como é o caso do Distrito Federal, tenham um índice de 3% e outros Estados irmãos tenham índice de 20%. Não é possível entender essa disparidade, essa desigualdade e essa ausência de uniformidade concreta na política pública.

            Aqui, no Congresso, foi aprovada, em 2009, a Emenda nº 59, que determinava que, a partir de 2016, todos os brasileiros de 4 a 17 anos deveriam estar matriculados. A PNAD de 2012 mostra que, de 4 a 5 anos - essas são outras realidades que foram diagnosticadas pela PNAD -, idades relativas à pré-escola, tínhamos 78,2% matriculados. Na Amazônia, na Região Norte, esse percentual era de apenas 63%. Ou seja, na Região Norte, 37% das crianças amazônidas ainda estavam fora da pré-escola. Em Rondônia, esse percentual é de apenas 46%, muito distante da meta a ser alcançada.

            De 15 a 17 anos, idade em que todo brasileiro deveria estar cursando o ensino médio, 15,8% dos jovens continuam fora da escola. Só para se ter uma ideia da dramaticidade dos números, no Estado de Alagoas, por exemplo, apenas 77% conseguiram essa proeza. Mais grave, esse número esconde uma enorme distorção idade/série, porque apenas metade dos jovens nessa faixa etária está no ensino médio; o restante está preso no ensino fundamental. Este é o outro dado da pesquisa PNAD.

            Não só aumentou o número de analfabetos, como, mais grave que isso, em algumas regiões do País, nós estamos mantendo crianças estagnadas, não estamos conseguindo dar qualidade no ensino para a evolução das crianças de uma série para outra.

            E há mais um dado para o qual a pesquisa chama atenção. Esse dado claro sobre o analfabetismo mostra o quanto esses números são dramáticos. Isso traz também outra reflexão que considero fundamental, que é sobre a presença privada na oferta da educação infantil. Ela era, em 2012, equivalente a 28% no ensino superior e chegou a 74%. Ora, o que democratiza o acesso de todos em um país com tanta desigualdade social e regional é a presença estatal. Por isso a necessidade de se definir o que é prioridade. Estamos vendo, em especial no ensino superior, a ampliação do ensino privado e o recuo da presença estatal.

            Todas as experiências que citei da América Latina de redução do analfabetismo ou de declaração de seus territórios livres do analfabetismo... Vou citar a experiência, Senador Cristovam, do governo de V. Exª aqui no Distrito Federal. Não tem segredo, não tem mágica. Não se faz educação sem forte presença estatal, sem tomada de decisão política, sem prioridades do Estado. Não é a iniciativa privada, não é o mercado que vai alfabetizar, porque isso não é prioridade para o mercado. Não é a iniciativa privada que vai se preocupar com isso.

            Esses que ampliam dramaticamente os números da PNAD são os mais pobres, para os quais tem que haver uma decisão política por parte do Estado brasileiro. E não estamos vendo essas decisões políticas, não as estamos presenciando.

            Essa PNAD, Sr. Presidente, mostra que o País estagnou em áreas em que estava avançando timidamente e que o País piorou em áreas onde já estava atrasado demais. O Brasil piorou mais em áreas onde a melhora era tímida. Que país é este que vai sediar a Copa do Mundo, que vai realizar os Jogos Olímpicos, que vai se apresentar para o mundo com a chaga de 8% de sua população padecendo do analfabetismo?

            A pesquisa apresenta dados que demonstram que o número de analfabetos, que o índice de analfabetismo volta a crescer, que demonstram que a desigualdade de salário entre homens e mulheres volta a crescer; que demonstram que é mais fácil encontrar um aparelho celular do que um vaso sanitário na casa das pessoas.

            Que país é esse que se propõe a realizar Copa do Mundo e as Olimpíadas? Quais são as prioridades deste País?

            Eu acho, Senador Cristovam, que essa é a reflexão que temos que fazer. Em momento de debater PAC, em momento de debater esforços concentrados aqui no Congresso, eu gostaria de apresentar uma proposta: poderíamos fazer um esforço concentrado no Congresso para votarmos projetos voltados para a educação.

            Quero apresentar uma sugestão. Coube-me a honra de relatar um projeto de V. Exª, o Projeto nº 480, de 2007. À luz dessa pesquisa, é um projeto que poderia ser parte de um pacote do Congresso para responder a isso.

            Esta é uma situação de emergência! Estamos diante de uma situação de emergência, quando os Poderes da República teriam de reagir.

            Há um projeto de V. Exª, Senador Cristovam, que eu relatei, que obriga os filhos de políticos a serem matriculados em escola pública. Pois bem, estou com o relatório desse projeto pronto. Falei, há pouco, com o Senador Vital do Rego, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, que a matéria poderia ser votada.

            Esse é um dos projetos. Penso que poderíamos fazer, aqui, no Plenário do Senado, um esforço concentrado para votarmos projetos da educação, para fazermos uma mobilização pela educação. Acredito que o tema o requer.

            Estamos retrocedendo, dando passos para trás em um tema no qual deveríamos avançar. Essa situação é gravíssima. Esses números são uma tragédia nacional!

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Um país que tem regiões em que 20% de sua população padece de analfabetismo não é um país com credenciais políticas e morais para estar em organismos internacionais pedindo assento em Conselho de Segurança ou pleiteando ser credenciado politicamente para falar como líder mundial.

            Senador Cristovam, tenho prazer em ouvi-lo.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Randolfe, talvez a palavra-chave de tudo isso seja a que o senhor usou há algum tempo: indiferença. Nós somos indiferentes a essa crise. Eu uso “nós” no sentido genérico, não para me referir ao senhor, a mim, ao Senador Sérgio ou a cada um. Uso num sentido genérico. Nós estamos nesta Casa para enfrentar esse problema e não o enfrentamos. No máximo, a gente faz discursos, como V. Exª está fazendo aqui, mas não conseguimos levar os outros a entrarem no processo de busca de caminho, de solução. Veja bem: desde 1995, nós podemos dizer que temos governos daqueles que, pelo menos, foram de esquerda - Fernando Henrique, Lula, Dilma. Isso quer dizer que todos os analfabetos que hoje têm entre 15 e 25 anos foram fabricados por esses governos. Não dá para botar mais a culpa em ninguém do passado. Eu nem falo só que deveria haver uma campanha de erradicação do analfabetismo, que era perfeitamente possível fazer em 20 anos, que é o tempo de duração desses governos. Os Constituintes estabeleceram dez anos para resolver o problema. E foi um prazo longo. Os países que hoje não têm analfabetismo fizeram campanhas de prazo muito curto e rápido. Nós não fizemos. Mas, além disso, nós fabricamos analfabetos. Nossos últimos governos são produtores de analfabetos, por conta de deixar a torneirinha aberta sem que as crianças cheguem aos 15 anos sabendo ler. Esta é a grande tragédia: a indiferença. Como é que a gente explica a taxa de analfabetismo do Maranhão? É de lá um dos maiores líderes do Brasil há 50 anos. É um membro da Academia Brasileira de Letras, talvez um dos mais cultos Presidentes da República que o Brasil já teve. Falo do Presidente Sarney. Se você for escolher os cinco Presidentes mais cultos Presidentes, ele vai estar entre eles. Talvez esteja até entre os três mais cultos. E o Maranhão ainda não fez o esforço para fazer a taxa de analfabetismo cair a 2% ou 3%. É a indiferença.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É a indiferença que vem da ideia de que o que importa é o crescimento econômico, é a renda. O que importa é mais meninos no ensino superior, porque dá mais voto. A ideia do ProUni foi iniciada quando eu era Ministro. Chamava-se Programa de Apoio ao Estudante - PAE. E foi modificado. Uma das modificações é que, para receber a bolsa, era preciso ser alfabetizador de adultos durante seis horas por semana, durante um semestre. Ou seja, se a gente tivesse feito isso, se tivéssemos colocado todos os alunos do ProUni como alfabetizadores por um curto período de seus cursos, não haveria mais essa situação. O que aconteceu? Na hora em que o PAE foi transformado em ProUni, tiraram isso. Por quê? Porque dá mais voto você dar o dinheiro sem cobrar nada em troca, porque não se quer exigir nada das pessoas que recebem.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Tínhamos de ter exigido isso! Estão recebendo uma bolsa! Eu diria mais: aqueles que não estão recebendo bolsa, mas que estudam em universidades públicas, estatais, financiadas pelo povo, inclusive os analfabetos, tinham de dedicar um pouco do seu tempo como alfabetizadores. Não se quis isso pela indiferença e por querer fazer apenas aquilo que dá voto. Colocar um jovem na universidade satisfaz mais do que tirar uma criança do analfabetismo. É incrível, mas essa é a realidade. Ninguém faz festa porque aprendeu a ler, mas faz festa quando se forma. Nós nos acostumamos a dar mais valor àquilo que aparece, do que àquilo que tem substância, que é aprender a ler, sem o que não se entra na universidade nem se faz o curso. É a indiferença. Nós estamos indiferentes. Nós estamos passando ao largo de toda a indignação que está hoje aparecendo nas ruas. É como, eu disse há pouco, se a gente visse a manifestação, mas não ouvisse a manifestação; é como se os gritos fossem dados em outra dimensão, em outra realidade diferente da nossa. Talvez, seja isso que a gente precise quebrar. No dia em que quebrarmos a indiferença diante do quadro da pobreza, do analfabetismo, da falta de saúde, eu garanto que resolveremos os problemas. Recursos o Brasil tem. O Brasil tem recursos financeiros e técnicos e dispõe de pessoas. Falta quebrar essa indiferença diante da tragédia. Nós banalizamos o mal. Como Hannah Arendt disse, os que fizeram a solução final para os judeus tratavam aquilo como banalidade. Aquilo era natural, normal, aceito. Hoje, fazemos o mesmo, mas, em vez de câmaras de gás, há pessoas no analfabetismo. Nós acabamos a tortura para os presos políticos, mas ser analfabeto é um estado de permanente tortura. A gente não sente essa dor, porque ela não dá na gente. Se analfabetismo pegasse, a gente já tinha resolvido o problema do analfabetismo. Se educássemos um filho nosso e se ele fosse à rua, passasse perto de um analfabeto e ficasse analfabeto, já teríamos resolvido isso, da mesma maneira que resolvemos o problema da poliomielite - vírus é democrático, dá em rico e dá em pobre -, da mesma maneira que existe uma campanha fenomenal para lutar contra o HIV, porque o HIV dá em rico e dá em pobre. Mas o analfabetismo só dá em pobre, fome só da em pobre, as doenças endêmicas só dão em pobre. E aí vamos deixando, deixando, deixando, pela indiferença da elite brasileira, da qual fazemos parte em relação ao povo brasileiro.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Esse é o nosso grande pecado. Até 1888, o grande pecado da elite brasileira era conviver com a escravidão; hoje é a indiferença diante da pobreza.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Vou concluir, Sr. Presidente.

            Incorporo o seu aparte, Senador Cristovam, e, utilizando a sua citação de Hannah Arendt, digo que estamos vivendo a banalização do mal em outra versão, estamos banalizando as chagas da miséria, condenando uma parcela da sociedade brasileira a viver permanentemente na miséria. A realidade é isso que os números e os dados da PNAD, lamentavelmente, apontam e indicam para nós.

            Reitero: a indiferença é que resulta na ausência da vontade. O senhor deu exemplos: em Cuba, foram dez anos para declarar o território livre do analfabetismo; na Venezuela, foram 15 anos; na Argentina, o processo foi um pouco mais demorado, mas, em 20 anos, o analfabetismo foi reduzido para índices insignificantes. Ou seja, é a vontade política de fazer e de conseguir isso em 10 anos, em 15 anos.

            A Constituição brasileira de 1988, que celebraremos nos próximos dias, completa 25 anos. Vamos celebrar! E vamos celebrar aqui o discurso de Ulysses Guimarães em 5 de outubro de 1988. Veja que, no discurso de Ulysses em 1988, ele falava: somos 30 milhões de analfabetos, 14% da população brasileira.

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Em 1998, Ulysses falava de 14% da população brasileira padecendo do analfabetismo. De 1998 a 2013, passaram-se 25 anos, e esse índice é de 8%. Nós reduzimos, em 25 anos, 6%. E ainda se verifica na PNAD o retrocesso: o aumento do número de analfabetos. É algo inaceitável, que não pode ser tratado como normal! Tratar isso como normal, como diria Hannah Arendt, que V. Exª citou, é banalizar o mal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/2013 - Página 68212