Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à facilidade de criação de partidos políticos no País.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA, REFORMA POLITICA.:
  • Críticas à facilidade de criação de partidos políticos no País.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2013 - Página 68614
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA, REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, CONGRESSO NACIONAL, DIFICULDADE, CRIAÇÃO, PARTIDO POLITICO, CRITICA, RESOLUÇÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), REFERENCIA, AUSENCIA, OBRIGATORIEDADE, FIDELIDADE PARTIDARIA, CONGRESSISTA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, RECEBIMENTO, RECURSOS, ORIGEM, FUNDO PARTIDARIO, OBJETIVO, TROCA, FILIAÇÃO PARTIDARIA, DEFESA, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, a propósito do noticiário desta semana, que enfoca a questão da criação de novos partidos, farei um discurso, a meu ver, de acordo com o pensamento da maioria desta Casa, da maioria da sociedade brasileira.

            Houve tempo em que, no Brasil, partido político, para ser criado, era um processo complicado e difícil, não tanto pelo número de assinaturas exigido, antes pelo desestímulo encontrado por seus fundadores em sua caminhada. É que não existiam apoiadores de peso que garantissem nos Estados o ingresso de Parlamentares eleitos logo após a sua criação.

            O instituto da fidelidade partidária sempre foi algo frouxo no Brasil. A permissividade era a regra geral. Acontecia que um Deputado eleito logo após a diplomação, mesmo antes da posse, já se declarava inscrito em outro partido que não aquele que o ajudou a eleger-se e que lhe emprestou a sigla para a sua campanha. O normal era que esses trânsfugas preferiam ingressar em um partido que fizesse parte da Base do Governo para ganhar prestígio político e obter as benesses oferecidas pelos detentores do poder, mesmo que no pleito eleitoral tenham lutado contra estes e tenham chegado ao Congresso com o carimbo da oposição.

            Em determinado momento, esse vale-tudo passou a ser motivo de escárnio da mídia. E com razão. A composição da Câmara dos Deputados e do Senado mudava ao sabor das conveniências dos Parlamentares e da pressão governista. O Deputado ou Senador eleito se julgava dono de seu próprio mandato, não tinha qualquer compromisso com o partido. Podia tomar qualquer posição, permanecer fiel ao partido que o elegeu, ou se filiar a outro, para, de forma pragmática, chegar perto do governo e atender aos “anseios de sua base política”.

            Diga-se de passagem que o Congresso assistia a esse ritual de traição explícita ao sistema pluripartidário de braços cruzados sem esboçar qualquer reação concreta, a não ser protestos de alguns bem-intencionados em parcos discursos na tribuna.

            Deu-se que o Tribunal Superior Eleitoral, na vã tentativa de frear a barganha que alimentava a troca de partidos no âmbito do Parlamento, resolveu legislar, na omissão de quem tinha o dever de fazê-lo.

            O TSE baixou uma resolução que, ao invés de corrigir as distorções condenadas, agravou mais ainda a situação reinante, ao dizer que não constituía caso de infidelidade partidária a ensejar perda de mandato o ingresso de Parlamentar em um novo partido, ou seja, em um partido que fosse criado depois de sua eleição.

            Mas não ficou somente nesse quase “liberou geral”. Para piorar a situação, o Supremo Tribunal Federal, em 2012, tomou uma decisão que, querendo ou não, na prática consagra e enaltece a infidelidade partidária.

            Ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 4.430 e 4.795, o Supremo assegurou aos novos partidos o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral no rádio e na televisão (que são concessões públicas), considerada a representação dos Deputados Federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda na sua criação.

            De acordo com essa decisão, portanto, se um Deputado sai do partido que o elegeu e vai para um novo, não há problema, porque não será cassado, não perderá o seu mandato e, ainda como prêmio, levará consigo o tempo de rádio e de televisão e, com sua presença no novo partido, irá garantir o recebimento do Fundo Partidário.

            Em bom e claro português isso quer dizer, Sr. Presidente, o seguinte: quanto mais infiéis conquistar um novo partido maior será o montante de recursos do Fundo Partidário a receber e maior será seu tempo na TV e no rádio. É como se esses Deputados que mudaram de partido tivessem sido eleitos pela nova sigla, o que de fato não aconteceu, ludibriando, portanto, a vontade do eleitor e enfraquecendo o próprio sistema partidário.

            Não é por acaso que, segundo matéria do jornal O Globo, edição de ontem (pág. 3), que “Novas legendas montam balcão na Câmara para atrair filiados”, na tentativa de fazer filiações em massa de Deputados, com uma barraquinha no Salão Verde da Câmara.

            Há constatação de que o dinheiro público está sendo utilizado sem freios e sem limitações para o surgimento de partidos que, com raras e honrosas exceções, não têm qualquer representatividade tampouco uma ação programática ou ideológica definida para o povo que paga impostos e reclama serviços básicos de qualidade, como educação, saúde e segurança. Tudo isso causa repulsa contra a classe política que devia saber o quanto este País ainda é tão carente, e que um dos fatores que levam a essa situação está no desperdício e na corrupção.

            A fábrica criadora de partidos do Brasil produziu, por enquanto, 32 partidos, entre grandes, médios, pequenos e inexpressivos.

            Reportagem da Folha (edição de 28/09/2013) mostrou que o Pros e o Solidariedade - que foram os últimos partidos com registros aprovados pelo TSE -, com a mudança de Deputados para suas fileiras, vão receber, por ano, um total de R$36 milhões do Fundo Partidário (R$14 milhões para o Pros e R$22 milhões para o Solidariedade). A reportagem denuncia que o rateio do Fundo Partidário está sendo negociado com Parlamentares eleitos em 2010, e em vias de cooptação, na proporção que varia de R$3,00 a R$3,80 por voto recebido, como barganha para mudança de partido.

            Esperamos, Sr. Presidente, que o Ministério Público Federal entre em ação para apurar essa prática, que atenta contra o sistema democrático.

            Às escâncaras, negocia-se a passagem de Deputados para novos partidos colocando como moeda de troca o Fundo Partidário. Pode-se dizer que se trata de um modo escandaloso de atrair adesões partidárias com uso de dinheiro público cuja aplicação, inclusive, é fiscalizada pela própria Justiça Eleitoral.

            Outro fato que contribuiu, Sr. Presidente, sem dúvida alguma, para a proliferação de partidos foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2006, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1351, que anulou a cláusula de barreira ou de desempenho (sistema semelhante ao da Alemanha). Por essa cláusula, antes prevista na lei eleitoral do Brasil, o partido que não alcançasse 5% dos votos do País e 2% em pelo menos nove Estados não teria acesso ao Fundo Partidário.

            Como não há, na lei eleitoral, exigência...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - ... sobre o tamanho do partido para poder atuar no Congresso, as alianças estão livres para eleger Deputados que integram partidos que, isoladamente, não teriam força eleitoral suficiente para representar o povo na Câmara dos Deputados.

            A proibição de coligações ou alianças seria outra saída para criar obstáculos à multiplicação de partidos, tendo como efeito imediato a redução dos custos de campanha. Mas essa decisão está entre as propostas da reforma política que está na Câmara dos Deputados, que resolveu engavetar.

            Reforma política é um tabu que o Congresso evita debater. A desculpa é porque o assunto é polêmico, não há consenso, não há interesse. Na verdade, Sr. Presidente, não há consenso simplesmente porque...

(Interrupção do som.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - ... os Parlamentares que estão no Congresso foram eleitos, atuam ou mudam de partido dentro das regras lenientes que lhes facilitam o seu retorno, podendo fazer depois de eleitos o que já fazem hoje, sob os olhares complacentes de quem poderia coibir ou evitar essa verdadeira balbúrdia que se imiscuiu no sistema partidário brasileiro.

            Como disse o novo Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Eugênio de Aragão, em entrevista à revista Veja desta semana, a reforma política e a eleitoral se arrastam no Congresso porque “ninguém corta o galho onde está sentado”.

            A crise é séria, é institucional porque resvala principalmente sobre a credibilidade de uma instituição que se recusa a fazer leis que possam aperfeiçoar o nosso sistema político...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - ... e eleitoral, antes pelo contrário, omitindo-se ou agindo na contramão dos anseios de uma maioria que anseia por uma democracia de verdade.

            Esta é a hora de se pregar a realização de uma reforma política. Quem sabe através de uma constituinte exclusiva tão combatida, que chame o povo para decidir e que possa assegurar ao povo brasileiro a eleição de representantes comprometidos com uma nova forma de atuação política, pela valorização do voto popular, dos partidos e das instituições que ajudaram a construir a nossa Nação, com a representatividade, a legitimidade e a credibilidade tão reclamadas pelas manifestações populares que sacudiram o Brasil.

            Creio, Sr. Presidente, que não se deve aceitar liberdade para criar partido em nome de um...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - ... pluripartidarismo defeituoso e ultrapassado que estimula o gasto público desenfreado e a corrupção desmedida. O princípio da moralidade - que ampara a ética, a moral e os bons costumes -, esculpido em nossa Carta Magna, dá fundamento necessário para que possamos coibir tais descaminhos existentes na lei eleitoral.

            A legislação eleitoral brasileira com a sua permissividade é uma porta aberta para partidos ou grupos aventureiros que veem, na atividade política, um meio de negócio disfarçado, uma forma de se locupletar de dinheiro do contribuinte sem a preocupação de estar cometendo ilegalidade.

            Se não houver barreiras à voraz ambição e aos planos sinistros de alguns grupos políticos, que trabalham em cima dos vícios, das facilidades e das distorções de nossas leis, dentro de alguns poucos anos, Sr. Presidente, poderemos alcançar no TSE...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - ... a incrível marca de cem partidos políticos registrados, participando das eleições, atropelando e desmoralizando o nosso sistema partidário, fato que nos colocará, mais uma vez, em destaque no mundo inteiro como um país que usa mal o dinheiro público, para financiar uma democracia que a cada dia se torna mais imperfeita.

            Não é exagero afirmar, Sr. Presidente, que essa enxurrada de partidos - já estou encerrando - pode tornar quase impossível a conquista do equilíbrio de forças para a governabilidade e que tal ambiente vai gerando, infelizmente, pela fragilidade de nossas instituições, um caldo de cultura para investidas ditatoriais de plantão e para a quebra da normalidade democrática.

            E não foi à toa, Sr. Presidente, que, durante as manifestações, os partidos políticos foram praticamente proibidos pelos manifestantes de aparecerem durante aquele movimento que sacudiu o Brasil.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2013 - Página 68614