Pronunciamento de Paulo Paim em 25/10/2013
Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Expectativa com a aprovação de PEC que determina a expropriação de propriedades agrícolas nas quais for constatada a existência de trabalho escravo; e outro assunto.
- Autor
- Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Paulo Renato Paim
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
DIREITOS HUMANOS.:
- Expectativa com a aprovação de PEC que determina a expropriação de propriedades agrícolas nas quais for constatada a existência de trabalho escravo; e outro assunto.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/10/2013 - Página 76163
- Assunto
- Outros > CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
-
- EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETO, DETERMINAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE AGRICOLA, UTILIZAÇÃO, MÃO DE OBRA, TRABALHO ESCRAVO.
- ANUNCIO, REUNIÃO, LOCAL, CONSELHO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS), ORGANIZAÇÃO, MARIA DO ROSARIO, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIA, DIREITOS HUMANOS, ASSUNTO, EXUMAÇÃO, EX PRESIDENTE, JOÃO GOULART.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mozarildo Cavalcanti, que preside ainda esta sessão, Senador Ruben Figueiró, o meu pronunciamento vai na linha da coerência de que falamos quando V. Exª estava na tribuna e, claro, inspirado pelo seu pronunciamento.
Vou falar sobre a importância da PEC do trabalho escravo. Está em fase final de tramitação nesta Casa a Proposta de Emenda à Constituição nº 57A, de 1999. Nós defendíamos essa PEC lá em 1999. Em 2013, continuamos a defender a mesma proposta.
Essa matéria foi apresentada originalmente aqui no Senado por um grupo de Parlamentares liderados pelo ex-Senador Ademir Andrade.
Eu era Deputado na época e já endossava essa posição. O ex-Senador foi embora, e a PEC continua indo da Câmara ao Senado, do Senado à Câmara, e enfim, agora, está pronta para ser votada de forma definitiva e regulamentada, mediante um grande entendimento entre Câmara, Senado e a sociedade civil.
A PEC 57A talvez constitua hoje uma das mais importantes e simbólicas proposições sob exame do nosso Parlamento, uma vez que ela se apresenta como passo verdadeiramente crítico para que a gente possa avançar em nosso País contra uma das mais vergonhosas situações sociais mantidas ainda hoje -- e nós falamos de modernidade --, que é a escravidão.
Vejam os senhores, em pleno ano em que festejamos os 25 anos da Assembleia Nacional Constituinte, vamos votar ainda uma proposta que combate a escravização de trabalhadores. Avançaremos numa fórmula que mantém inalterada, neste ato, a redução do trabalhador à condição análoga de trabalho escravo.
Vamos, com essa PEC, de uma vez por todas, avançar para combater essa situação. Mas, resumindo, o que a PEC propõe não é grande inovação no campo do Direito Constitucional. Lembro de novo o texto da Carta Magna que nós ajudamos a elaborar em 1988, que já propõe, embora aplicada a outro delito, a expropriação do imóvel em que se flagrar o plantio de espécies vegetais com vista à produção de drogas.
Ora, se você pode desapropriar… Nós escrevemos isso, nós os autores da Constituição, nós Constituintes, colocamos lá, em 1987/1988, promulgado em 1988, que a terra onde for verificado que se plantam, se semeiam, se colhem drogas, será desapropriada.
O que faz o Senador Ademir Andrade? Ele simplesmente estende esse princípio do Direito Constitucional. Ele diz o quê? A terra onde for efetivamente comprovado o trabalho de homens e mulheres sob regime de escravidão será desapropriada; quem cometer esse crime hediondo perderá a terra. E é justo, é mais do que justo!
Olha, a droga é tão maléfica à nossa gente, ao nosso povo, enfim, à humanidade como é o trabalho escravo. Como é que você vai manter sob regime de escravidão homens e mulheres na produção, no caso, no campo? E, corretamente, a Câmara dos Deputados estendeu isso também para as cidades. Ninguém pode manter alguém sob o regime da escravidão.
Enfim, Sr. Presidente, nesse caso, as propriedades são redirecionadas para projetos de reforma agrária, não cabendo qualquer indenização ao seu proprietário, no que se refere à questão das drogas, o que já está no Texto Constitucional, e que agora é estendido também para o trabalho escravo. De forma semelhante ao princípio constitucional, a PEC atual, em sua versão, pretende associar tal mecanismo punitivo, repito, aos casos de exploração de trabalho escravo.
Desde o momento de sua apresentação, a proposição granjeou um bom nível de apoio entre os Senadores, independentemente do aspecto ideológico de qualquer Parlamentar.
Prova disso é, por exemplo, a posição adotada pelo Relator quando da sua aprovação na CCJ.
De fato, assim se expressou, na ocasião, Romeu Tuma -- e aqui faço uma homenagem a ele, nosso colega já falecido, inesquecível. Dialogamos muito aqui no Parlamento, Senador Mozarildo, com o grande Romeu Tuma, que teve sempre uma postura avançada, nunca recuou em pontos que ele entendia eram de interesse do nosso povo, da nossa gente.
O que disse, então, Romeu Tuma -- faço aqui uma homenagem a ele, já falecido --, no seu relatório. Escreveu ele na época:
A existência de trabalhadores subjugados, deteriorados física e moralmente, que colocam sua força de trabalho em troca de migalhas, sem qualquer dos direitos sociais que se encontram consagrados na Constituição Federal de 1988 e na CLT [nós falamos tanto da Constituição Federal aqui e vamos falar na terça-feira] e nos diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, é situação que envergonha a nossa Pátria.
É uma situação que envergonha a nossa Pátria. E aqui eu lembro o título de um livro que escrevi em que eu digo: Pátria somos todos. Nesta expressão “Pátria somos todos” não pode haver em sua Pátria homens e mulheres sob o regime de escravidão.
Diz ele depois: “Situação que envergonha a nossa Pátria neste século de tantas conquistas tecnológicas e científicas”.
Mais tarde, Sr. Presidente, já aprovado no Senado, foi a vez de a Câmara dos Deputados produzir importante aperfeiçoamento à proposta inicial.
Com efeito, aquela Casa acabou por aprovar, a partir de um amplo acordo que envolveu não somente sua Presidência, mas também as lideranças partidárias de todos os partidos, a submissão, para efeitos de expropriação, não somente das propriedades rurais -- como eu dizia antes --, mas também na área urbana. Quem tiver trabalhador sob regime de escravidão no campo, na cidade vai perder a propriedade.
Trata-se, é evidente, de uma extensão necessária do escopo inicial concebido, uma vez que a modalidade de escravidão laboral que mais cresce, nos dias de hoje, por incrível que pareça, é a urbana, principalmente pela utilização de trabalhadores estrangeiros -- é só ver o que aconteceu recentemente com os bolivianos aí em São Paulo --, a maioria deles em situação de ilegalidade, na produção industrial clandestina de vestuário e de artigos diversos de uso pessoal.
Quando começou o debate da PEC -- é isso que aqui nós estamos descrevendo --, nós olhávamos mais para a situação do campo. Mas depois fomos perceber que, alem da escravidão no campo, na cidade, o trabalho escravo já é maior que na área rural. E por isso os Deputados, corretamente… Eu que às vezes aqui critico os Deputados por não votarem, por exemplo, o fator, a política dos aposentados… Enfim, tenho que render aqui as minhas homenagens aos Deputados pelo avanço nesse sentido. Dessa forma, Sr. Presidente, não foi de todo uma perda a longa tramitação que teve a matéria nas duas Casas, sendo certo que, nesse período, foram produzidos, como eu disse aqui, aperfeiçoamentos relevantes à proposição original.
Isso posto, contudo, não há como negar que já é mais que hora de aprovarmos a matéria nesta Casa do Congresso Nacional, matéria cujas disposições substantivas considero indispensáveis -- eu que falo tanto em relações humanas, em direitos humanos, em políticas humanitárias, não só eu, como também V. Exªs, por exemplo, que estão aqui no plenário desta Casa -- ao esforço nacional de combate ao trabalho escravo e às práticas a ele análogas, esforço esse, aliás, reconhecido internacionalmente. O Brasil é tido com exemplo a partir dessa PEC. Lá no exterior, já se fala muito nos encontros de que participamos com delegados da OIT que vieram ao Brasil; eu pouco vou ao exterior, eu não tenho tempo nem de viajar ao Brasil, calculem ficar viajando pelo mundo; não por falta de convite, quero admitir aqui, mas todos reconhecem que essa PEC é um exemplo a ser seguido em outros países.
Sr. Presidente Ruben Figueiró, quanto a isso, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, não custa lembrar que a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconheceu, em 2005, que a experiência brasileira de combate ao trabalho escravo é “digna de destaque" -- a partir da PEC, ou seja, recomendam a aprovação da PEC --, não apenas pela qualidade das políticas públicas voltadas ao tratamento do tema, mas também em função dos "resultados positivos" alcançados e que vão avançar a partir da PEC ora em debate.
Mais significativo ainda foi o fato de que a nova apreciação positiva da OIT, dada a público em 2009, ressalta precisamente a propositura, que eu aqui estou discorrendo, que é a PEC 57-A, tem que ser aprovada e regulamentada porque houve um acordo nesse sentido.
Veja, Sr. Presidente Senador Ruben Figueiró, como se pronuncia a OIT:
Um segundo plano de ação [trata-se aqui do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo], adotado em setembro de 2008, inclui novas medidas importantes, como uma proposta de alteração constitucional [quer dizer, lá em Genebra, na OIT, eles estão discutindo essa PEC que nós aqui estamos arredondando agora para ser implementada] que autoriza a expropriação e a redistribuição da propriedade dos empregadores que usufruem do trabalho forçado, e outras alterações legais, no intuito de promover a proteção dos trabalhadores.
É uma clara demonstração de que o consenso doméstico que, ao longo desse tempo, veio se formando no Brasil em torno da PEC 57-A é hoje uma realidade que agrega apoio, entusiasmo e convergência para muito além de nossas fronteiras.
Mas, apesar de tudo isso, ainda temos muito caminho a percorrer, se quisermos de fato colocar as estatísticas do trabalho escravo em um patamar mais aceitável e civilizado. Para mim, esse patamar nem existe. Trabalho escravo tem que ser varrido do Planeta, seja onde for, como aqui diz muito bem, sem fronteira.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego permitem demonstrar, por exemplo, que a ação governamental de combate a esse crime vem se intensificando ao longo do tempo e, mais ainda, que o número relativo de casos encontrados vem, aos poucos, cedendo -- felizmente, e graças a Deus; que a luz do universo foque esses focos de trabalho escravo para que a gente combata --, ante o avanço da fiscalização.
Ficam aqui os meus cumprimentos, de forma muito carinhosa e respeitosa, aos fiscais do Ministério do Trabalho, pelo trabalho que vêm realizando nessa área. Esse avanço da fiscalização é possível de se verificar pela constatação de que a quantidade de operações promovidas pelos fiscais do trabalho foi, no geral, crescente, entre 1995 e 2007, período no qual as blitze subiram de 11 para 116 por ano. Tínhamos 11 blitze nesse sentido, por ano; hoje, temos em torno de 120. Esse número, contudo, se estabiliza na faixa média de 150 operações, de 2008 em diante. Avançamos.
Em contraponto, a quantidade de trabalhadores resgatados, que chegou à casa dos 6 mil, em 2007, estabilizou-se em torno de 2.600 casos nos últimos três anos.
Esse, claro, é um sinal de melhora. Entretanto, é uma vitória parcial porque o quadro total não permite identificar com clareza a melhora da situação, mas apenas que -- na medida em que o resultado das fiscalizações pode, em algum nível, representar a realidade concreta -- estaríamos atingindo certa estabilidade nesse quadro. Mas trata-se, de toda forma, de uma estabilidade em patamar ainda inaceitável, muito elevado. Aqui não tem que haver estabilidade, tem que ser zerado. Eu chamo é de tolerância zero. Trabalho escravo é tolerância zero.
Outro fator preocupante é a concentração do número de casos em determinados Estados da Federação. Inicialmente, temos que 1/3 dos Estados respondem por 85% dos trabalhadores resgatados.
O maior percentual é representado -- e não digo isso com orgulho, digo com tristeza -- pelo Estado do Pará, que responde por mais de 20% de toda a estatística nacional.
Olha, meus amigos do Pará, como seria bom se o Governo do Estado, os fiscais, a sociedade do Pará tirassem o Pará dessa situação, que ocupa o primeiro lugar negativo. É o Estado que acumula -- e com uma diferença grande dos outros Estados --, quem mais infelizmente comete o crime de manter trabalhadores sob o regime de escravidão.
Eu já fui ao Pará, tenho um carinho enorme pelo povo do Pará. A forma como me trataram quando estive lá jamais vou esquecer. Mas como eu gostaria que o nosso querido Pará não mais constasse como o número um em matéria de trabalho escravo! Governador, Deputados, Senadores, Comissão de Direitos Humanos, Ministério do Trabalho, Delegacia do Trabalho, Secretaria do Trabalho, enfim, é preciso que todos se unam, área privada, imprensa, mídia, que é um poder, para que a gente não permita mais. Oxalá que eu venha o ano que vem à tribuna para dizer que o Pará está em primeiro lugar em matéria de erradicação do trabalho escravo.0
Logo em seguida, vem, pela ordem… Aqui é uma questão de justiça. Citei o Pará, mas vejam bem: pela ordem, o segundo Estado que mais tem trabalhadores e trabalhadoras sob o regime de escravidão não é Rondônia, não é Sergipe; é Minas Gerais! Minas Gerais, que fica entre os chamados Estados mais politizados, maiores em extensão territorial, em população também. Minas Gerais é o segundo Estado do Brasil em matéria de manter os trabalhadores sob o regime de escravidão. O mesmo apelo que eu fiz ao Pará eu faço agora a Minas Gerais.
Terceiro lugar, Tocantins. Querido Tocantins, que nós emancipamos aqui; nós, Constituintes, é que transformamos Tocantins num Estado. Nosso querido Tocantins, de que eu tenho título de cidadão, nós todos Constituintes recebemos o título de cidadão, vamos olhar com carinho essa questão!
E depois vem o nosso querido Paraná também.
Pela ordem, fica então: Pará, Minas, Tocantins, Paraná e São Paulo.
São Paulo, muitos dizem que foi considerado -- considerado, porque não foi de fato -- a capital do progresso do País, da evolução. E como é que São Paulo fica entre os cinco Estados que mais têm trabalhadores sob o regime de escravidão?
É preciso um mutirão nacional. Esse quadro não pode continuar.
Enfim, pela ordem, com frequências situadas, como eu dizia aqui, na faixa dos 15% a 9%. O Pará, 20%, a próxima faixa é de 15% e, depois, 9%.
Se Minas, Paraná e São Paulo têm como hipótese explicativa do seu desempenho o contingente populacional relativamente elevado, também têm, temos de constatar, é fato, é real, melhor estrutura financeira e de fiscalização. Quem mais tem pessoas trabalhando, quem tem mais indústria mais está arrecadando. Consequentemente, não há motivo para dar explicação, porque há um número maior de pessoas em atividade. Pessoas em atividade, tudo bem! Sob o regime de escravidão, ah não! Isso é como o voto secreto, não tem explicação que me convença, como não tem, repito, para a história do fator previdenciário, pois é uma lei criminosa tão grave quanto essa, para mim. Tal não se dá com o Estado, por exemplo, de Tocantins. Na verdade, não se dá também com os demais relacionados nesse terço superior, os Estados de Goiás, Amazonas, Piauí e Mato Grosso. Então, não adianta dizer se tem mais gente ou menos gente, se, geograficamente, a extensão é maior ou não. O fato existe, é real e temos de enfrentá-lo com a dureza da lei, desapropriando a propriedade de quem comete esse, para que ele perca o direito à propriedade.
Mas, retornando à PEC nº 57-A, registro que consegui entrever, nas estatísticas do Ministério, o melhor de todos os argumentos para sustentar a necessidade de uma rápida tramitação e de uma unânime aprovação da emenda. ou seja, a urgência que defendo em aumentar a eficácia dos instrumentos de combate que hoje estão à disposição do Governo.
Eu gosto muito da seguinte frase: o combate é bom, mas o bom combate é melhor ainda. Esse é um bom combate. Estou feliz na tribuna porque estou fazendo o bom combate. Como falei no aparte a V. Exª, Senador Ruben Figueiró, eu estou fazendo o bom combate, na linha da justiça, da liberdade, da igualdade de direitos e da não exploração. Esse é um bom combate, é o bom combate que gostamos de travar.
Enfim, imaginem, Senadoras e Senadores, senhoras e senhores que estão nos assistindo pela TV Senado, pela Rádio Senado ou pela Agência Senado, que, ao longo de todo o ano de 2012, todo o esforço fiscalizatório do Ministério do Trabalho -- quantificado em mais de 140 operações realizadas, em mais de 250 empresas e organizações inspecionadas, em 2.750 trabalhadores resgatados e outros 1.548 que tiveram seus contratos de trabalho regularizados no decurso das inspeções -- repito, imaginem que todo esse imenso esforço estatal redundou em menos de R$10 milhões em multa.
Ora, se você resgata 2.750 trabalhadores sob o regime e só arrecada R$10 milhões em multa, não dão. Só a PEC do Trabalho Escravo mesmo para fazer com que o prejuízo financeiro aumente a consciência e diminua a irresponsabilidade desses empregadores que não têm qualquer responsabilidade social ou humanitária.
Eu sempre digo, Senador Ruben Figueiró, que é muito bom a gente se colocar no lugar do outro. Eu queria que um grande empresário desses que mantêm o trabalhador sob regime de escravidão se colocasse no lugar do trabalhador, para ele ver onde o calo aperta ou onde a tosse pega. Que ele fique por um mês sob o regime de escravidão ou que coloque um filho seu lá, sob aquele mesmo regime de escravidão, sem nenhum direito. Ah, vai doer! Vai doer nele como dói na alma, no coração, na mente, no corpo do trabalhador e dos seus filhos que estão sob aquele regime.
Enfim, a favor da PEC, não há melhor argumento do que a inexplicável assimetria e a inaceitável desproporção que há, hoje, entre o imenso malefício que traz a escravização laboral e as irrisórias consequências que têm de suportar seus responsáveis imediatos. Como eu dizia antes, não são presos, não pagam, pagam uma multinha e fica tudo por isso mesmo. Aí, não dá! Aí, é um incentivo ao roubo, à corrupção. Fala-se tanto em corrupção, mas essa é a pior corrupção do mundo, porque vidas estão sendo raptadas e mantidas sob regime de escravidão para se ganhar dinheiro. Ora, essa é a pior corrupção do mundo! Por isso, a PEC tem de ser aprovada.
É claro que vários desses casos serão objeto de denúncia penal e, possivelmente, um dia, alguns deles irão para a cadeia, e vai ser bom, porque eles vão sentir o que é a cadeia, porque na cadeia não deixa de haver, sim, quase um regime de escravidão. Vão ter de responder pelo que fizeram! Então, vão para a cadeia para sentir o crime que cometeram.
Enfim, Sr. Presidente, isso tudo que falamos aqui não é capaz, isoladamente, de compatibilizar a mácula que a escravidão laboral traz à santidade cívico-social das relações de trabalho e a correspondente punição que, por isso, recebem os que agridem e ofendem a nossa Constituição e a legislação.
Sr. Presidente, entendo, enfim, que é chegada a hora de aprovarmos a PEC nº 57-A e adicionarmos o mecanismo da expropriação ao rol dos instrumentos que tem a Administração Pública para prevenir e reprimir a prática vergonhosa e covarde do trabalho escravo. Só um covarde para manter pessoas sob o regime de escravidão.
Não pode mais o Brasil suportar essa vergonha que, embora combatida, ainda mancha o nome de nossa sociedade em face das outras nações do mundo que já foram capazes de transpor essa triste página da sua história.
Registro, por fim, a brilhante solução proposta pelos Senadores da CCJ, entre eles -- aqui, como digo, a questão não é partidária -- o próprio Senador Aloysio Nunes Ferreira, Relator da matéria naquela importante Comissão, que proferiu um relatório no sentido de remeter a regulamentação da PEC imediatamente à Comissão Mista que regulamenta as normas constitucionais, reduzindo, dessa maneira, os temores, justos, daqueles que temem que a PEC venha a colocar em risco o direito à propriedade previsto na Constituição, mediante uma falsa denúncia. Ninguém quer falsa denúncia. Tem que comprovar mesmo que houve o trabalho escravo.
Por isso, entendemos essa intenção da nobre CCJ, pela qual tenho enorme respeito, porque foi lá que foram aprovadas as cotas, foi lá que foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, que diziam que seria inconstitucional, foi lá que aprovamos, agora, por unanimidade, eu diria, o fim do voto secreto. É uma importante Comissão. Por isso, eu aqui dou o destaque, até mesmo com a preocupação que lá foi levantada. Ninguém quer injustiça. O proprietário, no campo ou na cidade, que está ouvindo este pronunciamento pode estar certo de que ninguém quer injustiça.
Se você não tem trabalhador sob regime de escravidão, nada lhe irá acontecer. Agora, se tiver, bota as barbas de molho! Ah, bota! Vá cortando a barba, porque, provavelmente, se você for preso, vai perder a barba e o cabelo também, porque eles fazem o corte e vão tirando. É carequinha mesmo.
A regulamentação está sendo feita com essa Comissão Mista com muito cuidado. Estão participando empresários, trabalhadores, líderes sindicais, e há de sair uma redação que não permita nenhuma injustiça, seja para o trabalhador, seja para o empreendedor. Ninguém quer isso. Por isso eu cumprimentava V. Exª pelo pronunciamento, Senador Ruben Figueiró, na linha da Justiça.
Sr. Presidente, com a regulamentação, com certeza, os temores, repito, daqueles que temem que a PEC venha colocar em risco o direito à propriedade previsto na Constituição não acontecerão.
Isto dito, encerro este meu pronunciamento, rogando a todos, a todos, a todos, rapidez. Que haja melhor boa vontade em prol da rápida aprovação definitiva da PEC e da sua regulamentação, porque esse foi o acordo, e eu estava lá e concordei, inclusive. Aprova-se a PEC e, junto, aprova-se a regulamentação.
Como puderam todos perceber, trata-se de uma causa que beneficia não somente o trabalhador, mas, sobretudo e principalmente, o sentido de dignidade que a cidadania brasileira deve conferir a todos aqueles que a possuam, indiferentemente da classe social a que pertençam, indiferentemente do lado que ocupem em relação aos celebrantes do contrato de trabalho.
Políticas humanitárias, repito, direitos humanos em primeiro lugar.
Termino, Sr. Presidente, agora só fazendo um registro muito curtinho. O meu discurso principal é esse. Agora é só um registro.
Só quero registrar que acontecerá, na tarde de sexta-feira, a partir das 14 horas, no salão do Conselho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, na capital gaúcha, Porto Alegre, uma importante reunião convocada pela Ministra Chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Srª Maria do Rosário, com presidentes de partidos políticos, Senadores e Deputados estaduais e federais. Na pauta, a exumação do corpo do Presidente da República João Belchior Marques Goulart.
Infelizmente, por questão de agenda já acertada em Brasília e em Goiás, não estarei lá nesse fim de semana. É importante frisar que, por solicitação da família do Presidente Jango, em respeito à sua memória, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, juntamente com a Comissão Nacional da Verdade e a Polícia Federal, realizará um processo de exumação do corpo do Presidente Jango no próximo mês de novembro.
Jango foi o 24º Presidente do Brasil, de 1961 a 1964. Além disso, foi Vice-Presidente de 1956 a 1961. Ele faleceu no exílio, em Mercedes, Argentina, no dia 6 de dezembro de 1976.
Quando faço uma homenagem a Jango, faço uma homenagem também a Brizola. Conheci Leonel Brizola, conversei com ele, inúmeras vezes me encontrei com ele. Inclusive, quando fui Vice-Presidente do Senado, ele me visitou aqui por duas vezes. Getúlio, Jango e Brizola formaram um trio que marcou muito, muito o mundo do trabalho. E todos sabem que me dedico muito ao mundo do trabalho, à política de direitos humanos e ao combate a todo tipo de preconceito.
Sr. Presidente, muito obrigado a V. Exª pela tolerância e peço que V. Exª considere na íntegra os dois pronunciamentos.
SEGUEM, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) -
Pronunciamento sobre a PEC do Trabalho escravo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está em fase final de tramitação, nesta Casa, a Proposta de Emenda à Constituição nº 57-A, de 1999, matéria apresentada originalmente aqui mesmo, no Senado Federal, por um grupo de parlamentares que foi, na ocasião, encabeçado pelo ex-Senador Ademir Andrade.
A PEC 57-A talvez constitua, hoje, uma das mais simbólicas proposições sob o exame do Parlamento, uma vez que ela se apresenta como passo verdadeiramente crítico para que extirpemos, em nosso País, uma das mais vergonhosas patologias sociais da modernidade: a escravização de trabalhadores ou, numa fórmula que mantém inalterada a malignidade desse ato, a redução do trabalhador a condição análoga à de escravo.
O que a PEC propõe não é grande inovação no campo do direito constitucional. Isso, porque o texto da Carta de 1988 já propõe -- embora aplicada a outro delito -- a expropriação do imóvel em que se flagrar o plantio de espécies vegetais com vistas à produção de drogas.
As propriedades são redirecionadas, nesse caso, para uso em projeto de reforma agrária, não cabendo qualquer indenização ao seu proprietário.
De forma semelhante, a PEC, em sua versão original, pretendia associar tal mecanismo punitivo aos casos de exploração de trabalho escravo.
Desde o momento de sua apresentação a proposição granjeou um bom nível de apoio entre os Senadores, independentemente do espectro ideológico do parlamentar em questão.
Prova disso é, por exemplo, a posição adotada pelo Relator quando de sua aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
De fato, assim se expressou, na ocasião, o então Senador Romeu Tuma:
“A existência de trabalhadores subjugados, deteriorados física e moralmente, que colocam sua força de trabalho em troca de migalhas, sem qualquer dos direitos sociais que se encontram consagrados na Constituição Federal de 1988 e nos diversos tratados internacionais. de que o Brasil é signatário, é situação que envergonha a nossa Pátria, neste século de tantas conquistas tecnológicas e científicas”.
Mais tarde, Sr. Presidente, já aprovada no Senado, foi a vez da Câmara dos Deputados produzir importante aperfeiçoamento à proposta inicial.
Com efeito, aquela Casa acabou por aprovar -- a partir de um amplo acordo que envolveu não somente sua Presidência, mas também as lideranças partidárias -- a submissão para efeitos expropriatórios não somente das propriedades rurais, mas também dos imóveis urbanos.
Trata-se, é evidente!, de uma extensão necessária do escopo inicial concebido, uma vez que a modalidade de escravidão laboral que mais cresce, nos dias de hoje, é a urbana, principalmente pela utilização de trabalhadores estrangeiros, a maioria dos quais em situação de ilegalidade, na produção industrial clandestina de vestuário e de artigos diversos de uso pessoal.
Dessa forma, não foi de todo uma perda a longa tramitação que teve a matéria nas duas Casas do Legislativo Federal, sendo certo que, nesse período, foram produzidos aperfeiçoamentos relevantes à proposição.
Isso posto, contudo, não há como negar que já é mais que hora de aprovarmos a matéria no Congresso, matéria cujas disposições substantivas considero indispensáveis ao esforço nacional de combate ao trabalho escravo e às práticas a ele análogas -- esforço esse, aliás, reconhecido internacionalmente como exemplar.
Quanto a isso, Senhoras e Senhores Senadores, não custa lembrar que a própria Organização Internacional do Trabalho reconheceu, em 2005, que a experiência brasileira de combate ao trabalho escravo é digna de destaque”, não apenas pela qualidade das políticas públicas voltadas ao tratamento do tema, mas também em função dos “resultados positivos” alcançados com sua implementação.
Mais significativo, ainda, foi o fato de que nova apreciação positiva da OIT, dada a público em 2009, ressalta precisamente o propositura da PEC 57-A.
Veja como se pronuncia a Organização, Senhor Presidente:
“um Segundo Plano de Ação [trata-se, aqui, do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo], adotado em setembro de 2008, inclui novas medidas importantes, como uma proposta de alteração constitucional que autoriza a expropriação e a redistribuição da propriedade dos empregadores que usufruem do trabalho forçado, e outras alterações legais, no intuito de promover a proteção dos trabalhadores”.
É uma clara demonstração de que o consenso doméstico que, ao longo desse tempo, veio se formando em torno da PEC 57-A é, hoje, uma realidade que agrega apoio, entusiasmo e convergência para muito além de nossas fronteiras.
Mas, apesar de tudo isso, ainda temos muito caminho a percorrer, se quisermos de fato colocar as estatísticas do trabalho escravo em um patamar mais aceitável e civilizado.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego permitem demonstrar, por exemplo, que a ação governamental de combate a esse crime vem se intensificando ao longo do tempo e, mais ainda, que o número relativo de casos encontrados vem aos poucos cedendo ante o avanço da fiscalização.
Isso é possível de verificar com a constatação de que a quantidade de operações promovidas pelos fiscais do Trabalho foi, no geral, crescente entre 1995 e 2007, período ao longo do qual as blitzes subiram de 11 para 116 por ano. Esse número, contudo, se estabiliza na faixa média de 150 operações, de 2008 em diante.
Em contraponto, a quantidade de trabalhadores resgatados, que chegou à casa dos 6 mil, em 2007, estabilizou-se em torno dos 2.600 casos, nos últimos 3 anos.
Esse sinal de melhora, entretanto, é uma vitória parcial, porque o quadro total não permite identificar com clareza a melhora da situação, mas apenas que -- na medida em que o resultado das fiscalizações pode, em algum nível, representar a realidade concreta -- estaríamos atingindo certa estabilidade nesse quadro.
Mas trata-se, de toda forma, de uma estabilidade em patamar ainda inaceitavelmente elevado!
Outro fator preocupante é a concentração do número de casos em determinados Estados da Federação. Inicialmente, temos que um terço dos Estados responde por 85% dos trabalhadores resgatados.
O maior percentual é representado pelo Estado do Pará, que responde por mais de 20% de toda a estatística nacional.
Logo em seguida vêm, pela ordem, Minas Gerais, Tocantins, Paraná e São Paulo, com frequências situadas na faixa dos 15 aos 9%, respectivamente.
Se Minas, Paraná e São Paulo têm como hipótese explicativa de seu desempenho o contingente populacional relativamente elevado e, também, uma melhor estrutura de fiscalização, tal não se dá com o Estado do Tocantins.
E, na verdade, não se dá também com os demais relacionados nesse terço superior, os Estados de Goiás, Amazonas, Piauí e Mato Grosso.
Mas, retomando o tema da PEC 57-A, registro que consegui entrever, nas estatísticas do Ministério, o melhor de todos os argumentos para sustentar a necessidade de uma rápida tramitação e de uma unânime aprovação da Emenda, ou seja, a urgência que defendo em aumentar a eficácia dos instrumentos de combate que hoje estão à disposição do Governo.
Imaginem, Senhoras e Senhores Senadores, que, ao longo de todo o ano de 2012, todo o esforço fiscalizatório do Ministério do Trabalho -- quantificado em mais de 140 operações realizadas, em mais de 250 empresas e organizações inspecionadas, em 2.750 trabalhadores resgatados e em outros 1.548 que tiveram seus contratos de trabalho regularizados no decurso das inspeções --, repito, que todo esse imenso esforço estatal redundou em menos de 10 milhões de reais em multas.
Ora, a favor da PEC não há melhor argumento do que a inexplicável assimetria e a inaceitável desproporção que há, hoje, entre o imenso malefício que traz a escravização laboral e as irrisórias consequências que têm de suportar os seus responsáveis imediatos.
Claro, vários desses casos serão objeto de denúncia penal, e, possivelmente, alguns deles virão a se constituir em condenação, mas isso não é capaz, isoladamente, de compatibilizar a mácula que a escravidão laboral traz à santidade cívico-social das relações de trabalho e a correspondente punição que, por isso, recebem os que a agridem e ofendem.
Por isso, Sr. Presidente, entendo que é chegada a hora de aprovarmos a PEC 57-A e adicionarmos o mecanismo da expropriação ao rol dos instrumentos que tem a Administração Pública para prevenir e reprimir a prática do trabalho escravo.
Não pode mais o Brasil suportar essa vergonha que, embora combatida, ainda mancha o nome de nossa sociedade em face das outras Nações do mundo que já foram capazes de transpor essa triste página da sua história laboral.
Registro, por fim, a brilhante solução proposta pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira, Relator da matéria no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no sentido de remeter a regulamentação da PEC imediatamente à Comissão Mista que regulamenta as normas constitucionais, reduzindo, dessa maneira, os temores daqueles que temem venha a PEC a colocar em risco o direito à propriedade previsto na Constituição.
Isso dito, encerro meu pronunciamento rogando a todos os meus Pares, Senadoras e Senadores, o melhor de sua boa-vontade em prol da rápida aprovação da PEC 57-A, de 2009.
Como puderam todos perceber, trata-se de uma causa que beneficia não somente o trabalhador, mas, sobretudo e principalmente, o sentido de dignidade que a cidadania brasileira deve…
conferir a todos aqueles que a possuam, indiferentemente da classe social a que pertençam, indiferentemente do lado que ocupem em relação aos celebrantes do contrato de trabalho.
Era o que tinha a dizer.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) -
Registro sobre convite recebido da ministra Maria do Rosário Nunes. Assunto: exumação do corpo do presidente João Goulart.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acontecerá na tarde desta sexta-feira, a partir das 14h, no Salão do Conselho da Universidade Federal do RS (UFRGS), na capital gaúcha, Porto Alegre, uma importante reunião convocada pela ministra Chefe da Secretaria de Direitos Humanos, srª Maria do Rosário Alves, com presidentes de partidos políticos, senadores, deputados estaduais e federais.
Na pauta a exumação do corpo do presidente da República, João Belchior Marques Goulart.
Infelizmente, por questão de agenda, já que tenho outros compromissos ainda nesta sexta-feira aqui em Brasília, não pude confirmar a minha presença em tão importante reunião.
Importante frisar que por solicitação da família do presidente Jango e em respeito a sua memória, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, juntamente com a Comissão Nacional da Verdade e a Polícia Federal, realizarão o processo de exumação do corpo do presidente Jango no próximo mês de novembro.
Jango foi o 24º (vigésimo quarto) presidente do Brasil, de 1961 a 1964. Além disso, também foi vice-presidente, de 1956 a 1961. Ele faleceu no exílio, em Mercedes, na Argentina, no dia 6 de dezembro de 1976.
Era o que tinha a dizer.