Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas aos EUA pelo uso de tecnologia de ponta com finalidades não democráticas; e outros assuntos.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. SENADO.:
  • Críticas aos EUA pelo uso de tecnologia de ponta com finalidades não democráticas; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2013 - Página 76188
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. SENADO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, UTILIZAÇÃO, FERRAMENTA, INTERNET, ESPIONAGEM.
  • ELOGIO, TRABALHO, SENADO, ENFASE, DISCUSSÃO, PACTO FEDERATIVO.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, prezados jovens, quando apareceu a notícia, não se conseguia entender aonde ela iria chegar: a Presidente Dilma tomou conhecimento, pelos órgãos governamentais, de que até o telefone celular dela estava sendo vigiado pelos serviços de informações do governo dos Estados Unidos; deu que a Petrobras, inclusive às vésperas da decisão mais importante que ela tomaria desde a sua criação, estava sendo investigada pelo serviço secreto americano. Isso causou um impacto.

            A Presidente, agindo muito bem, suspendeu uma viagem que faria como convidada aos Estados Unidos agora no mês de outubro. Mas eis que àquilo que era uma interrogação, por que os Estados Unidos estão investigando o Brasil, por que o serviço secreto americano está investigando até o celular particular da Presidente, de repente, somaram-se as notícias: o mesmo está acontecendo com o governo do México; o mesmo está acontecendo com o governo da França; o mesmo está acontecendo com o governo da Alemanha.

            E, nesses dois últimos dias, numa reunião da Comunidade Europeia, com todos os líderes -- presidente ou primeiro-ministro -- das nações, por unanimidade, foi tomada uma decisão, de que, nessa questão, não bastava apenas fazer um protesto ou coisa parecida. A Comunidade Europeia e o mundo tinham de tomar providências de ordem técnica para se contrapor ao que os Estados Unidos estavam fazendo e ver como responderiam a isso.

            Um ambiente de quase incredulidade dos presidentes europeus, a surpresa generalizada, algo que não imaginavam em hipótese alguma. E o americano enchendo a boca ao dizer que fazia um serviço contra o terrorismo; que ele, americano, era uma espécie de defensor designado por Deus para defender o mundo contra os terroristas, estivessem eles onde estivessem, e se verificou que não era bem assim.

            Com esse avanço impressionante da tecnologia, o mundo realmente se transformou em uma aldeia global, em que, na ilha mais perdida do fim do mundo, o cidadão com internet, com seus aparelhos, está interligado com o mundo, e os americanos se aproveitam de tudo isso.

            Uma superpotência, um superpoder militar, um superpoder econômico, os americanos estão, no momento, realmente muito combalidos na credibilidade da sociedade.

            Anteriormente, era o terrorismo, como se, lá no Iraque, no Irã, no mundo árabe, não se viu que a luta foi por impor, como impõe, o comando no preço do petróleo; que eles dirigem, colocam e retiram um governo conforme os seus interesses.

            Na verdade, esse terrorismo existe. Mas daí o americano se aproveitar para fazer o que está fazendo, sinceramente!

            Eu vim a esta tribuna tempos atrás saudar com profunda emoção a vitória do Sr. Obama. A sua campanha para presidente foi realmente notável.

            Avançou no tempo e no espaço, contrapondo-se ao governo do Sr. Bush, que tinha reprovação praticamente mundial, principalmente com as intervenções no mundo árabe, quando se ficou sabendo que intervieram, mataram o Presidente, destruíram o país porque ele estaria fabricando armas químicas. E depois foi provado: o Embaixador brasileiro, que estava em um cargo da ONU que cobria exatamente a fiscalização e a inspeção de existência de armas químicas, tinha se proposto a fazer a intervenção, e tinha dito que não existiam armas químicas. O americano, em um ato de humilhação, fez reunir-se o conselho da entidade, em um regime de féria, pagou passagem para todos os membros irem lá e demitirem o brasileiro. E fizeram a intervenção. E provado está que não havia armas químicas por parte do governo.

            Mas agora, neste momento e nesta hora, a questão ganha um contexto totalmente diferente. Não é o mundo árabe. Não se fala mais no perigo do comunismo. Em Cuba, inclusive, anteontem, o Presidente cubano deu novas determinações, abrindo as portas para o entendimento com os países capitalistas do mundo inteiro. A Rússia com a China se uniram e evitaram que o americano… O Presidente americano já tinha decidido que interviria na Síria e bombardearia a China, independentemente da ONU, contra a decisão da ONU, independentemente do Conselho de Segurança da ONU! Isso o Sr. Obama determinou, afirmou. Sim, parece mentira. Mas o presidente da Rússia e o governo chinês acalmaram o Obama e fizeram um entendimento com a Síria, aceito pela ONU. O Obama recuou, e o assunto foi superado.

            Então, não há mais problema no mundo hoje: o comunismo, o perigo do comunismo aqui ou acolá.

            E qual o motivo de o presidente americano fazer investigação, espionagem do governo alemão? Como disse a primeira-ministra recém-reconduzida: “Somos amigos há tantas décadas!”. É verdade que já foram inimigos dos Estados Unidos, há não tanto tempo, mas, justiça seja feita, há muito tempo, o governo da Alemanha é o grande responsável pela integração do Mercado Comum Europeu, com o Marco, com a posição dela, ao contrário da Inglaterra, que é a vaquinha de presépio, que só diz amém aos Estados Unidos. Por isso, a credibilidade da Inglaterra, no mundo europeu e no mundo em geral, é praticamente zero. A França, não. A Alemanha, não. São países que têm independência e querem um diálogo aberto na humanidade.

            Ontem, a decisão do Mercado Comum Europeu foi muito importante. Os presidentes e primeiros-ministros, por unanimidade, decidiram que a Europa tem que tomar uma decisão técnica, tem que se contrapor, tem que estudar o que o americano está fazendo, a forma com que ele está espionando, e tem que responder. Já não é tratamento de amigo; é tratamento para alguém que está ali para fiscalizar, para usurpar, para tentar conhecer as coisas. Como na Petrobras: na véspera de um leilão da maior importância, eles estão lá fiscalizando a Petrobras, e todos os dados estão lá na mesa do governo americano.

            Essa é uma decisão que eu nunca tinha visto ser tomada. Nunca a Comunidade Europeia tomou uma decisão dessa natureza contra a Rússia, por exemplo, embora fosse adversária.

            Por unanimidade, vão unir as forças e vão somar tecnologia para responder a essa decisão americana de espionagem em um número interminável de países.

            Vão discutir esse ponto da espionagem; vão discutir outra questão também da maior importância: os americanos estão utilizando, de maneira exagerada, miniaviões não tripulados, com objetivo determinado. Tecnologia fantástica esta: não morre ninguém! Aliás, o mundo inteiro assistiu quando o Obama e todo seu alto comando nos Estados Unidos estavam sentados à frente de uma televisão, e a televisão mostrava o momento em que um teleguiado desses foi lá e matou o presidente muçulmano que eles queriam matar -- e mataram. Assistiram. E isso tem aumentado. Esses teleguiados que o americano envia ao Paquistão, para lá e para cá, têm matado militares, civis, crianças -- um número interminável. Um instrumento, um avião, sem ninguém, sem um piloto, sem coisa nenhuma, teleguiado, lá dos Estados Unidos, vai e bombardeia o Pedro Simon aqui na tribuna. Vão morrer alguns em roda, mas não importa; importa que aquele que era para matar eles matam.

            Mas que democracia é essa pela qual lutam os Estados Unidos, fazendo uma coisa dessa?

            A união dos países europeus decidiu ontem que vai debater e vai analisar o aumento impressionante do uso desses aviões teleguiados e as mortes que têm causado pelo mundo afora; e que essas mortes, ao lado de alguém espião, alguém procurado, há crianças e jovens, que não têm nada que ver com isso, mas que moram ali perto e morrem junto.

            A imprensa mundial salienta que nem o Bush, que foi, talvez, nos últimos tempos, o Presidente mais detestado em nível de mundo, nem o Bush atravessou uma onda tão negativa como o Sr. Obama está atravessando agora.

            Ele tem coisas positivas. Eu repito: a campanha do Obama foi talvez a mais espetacular que um presidente tenha feito nos Estados Unidos. Negro, Senador de primeiro mandato, desconhecido de todo americano, uma eleição em que era para ganhar a primeira dama do governo americano, a Srª Clinton, todo mundo reconhecendo que ela ia ganhar, e o Obama entrou para fazer presença. Isso é muito comum nos Estados Unidos. Nas eleições primárias dos Estados, as pessoas que têm mais projeção no Partido Democrata ou no Partido Republicano se candidatam; um ganha, os outros não ganham, mas estes se projetam para continuar, passam a ser nomes nacionais, passam a ser lideranças no país inteiro, e, adiante, vão ser governadores de um Estado importante e se transformam em candidato em outra eleição.

            Mas o Obama foi tão bem, a campanha dele foi tão excepcional; ele usou a internet, essas redes sociais… Os jovens americanos, que tinham o maior percentual de não comparecimento… E vejo aqui, e não consigo acreditar, companheiros nossos com projeto de lei terminando com o voto obrigatório, numa hora absurda, e os Estados Unidos atingindo os maiores índices de negação, de as pessoas não irem votar. E o Obama venceu. Milhares, milhões de jovens foram votar. Ele conseguiu derrotar a Srª Clinton, apesar de o comando do Partido Democrata estar todo ao lado dela.

            São interessantes as convenções dos partidos lá nos Estados Unidos. Há uma luta enorme entre os delegados dos Estados, candidato A, candidato B. Mas, além dos candidatos convencionais eleitos pelos estados, há um grupo de membros natos da Convenção, são os chamados notáveis, são as pessoas mais importantes, ex-presidentes, líderes, etc. Há um número dos chamados notáveis que já tem voto na Convenção para escolher o presidente. E esse grupo decide. Tem força praticamente de decidir. Durante todo o tempo, esse grupo estava do lado da Srª Hillary Clinton. Mas a opinião pública foi tão favorável a Obama que esse grupo disse para a Srª Clinton que ela tinha que se retirar, porque ela não ia ganhar.

            Esse Obama que teve vitórias importantes… O problema da saúde, parece mentira, mas os Estados Unidos não tinham um plano de saúde. O cidadão até não precisava ser pobre, mas classe média ou pobre, se perdia o emprego ou ficava velho, não tinha plano de saúde, e azar, não tinha nenhuma cobertura, nenhuma cobertura! Lá se criou uma espécie de perspectiva segundo a qual todo cidadão vai ter direito a isso. E foi o Obama. Obama quis criar um imposto importante: diminuir o imposto dos pobres, da classe média e aumentar o imposto dos mais ricos -- coisas positivas.

            Mas, quanto ao resto, igual ou até pior do que o Presidente Bush, do Partido Republicano. Essa é a grande verdade.

            E é por isso que hoje, na Europa e no mundo, o Sr. Obama é manchete e não teve coragem de responder à Presidente Dilma -- que abriu, em nome do Brasil, a Conferência das Nações Unidas, como abre, todos os anos, o Presidente brasileiro; ela foi firme, foi dura e foi enérgica, combatendo a espionagem americana.

            O Presidente Clinton, que falou em segundo lugar, não estava presente ao pronunciamento da Presidente nossa, estava numa sala ao lado. Terminou de falar a Presidente do Brasil, ele entrou e falou. Não disse uma palavra, não tocou no assunto, não tomou conhecimento. Pensava ele talvez que ali eram Brasil e Estados Unidos, e que, se o americano não desse bola, não aconteceria nada. Mas aí apareceu a França, e apareceu a Alemanha, e apareceram países do Oriente, e apareceram países do mundo inteiro! E a questão é essa com relação ao que está acontecendo.

            Por isso eu acho, Sr. Presidente, que, também aqui no Brasil, alguma coisa precisa ser feita. E alguma coisa, tenho certeza, haverá de ser feita. Às vezes eu fico impressionado, porque a tecnologia avança com tanta rapidez, e o resto do mundo, de modo especial o Brasil, fica esperando a tecnologia. A tecnologia aparece, e, depois que é distribuída, a gente vai lá e compra no atacado uma coisa que já é de todo mundo. Mas a hora é de criatividade. É absolutamente necessária a criatividade.

            Por isso a imprensa está considerando que a reunião dos países europeus… Nós sabemos, é claro, que os europeus conseguiram criar uma espécie de confederação de repúblicas que formam uma entidade, que é a União Europeia.

            O Parlamento da União Europeia hoje é praticamente mais importante do que a Câmara dos Comuns, na Inglaterra, do que a Assembleia francesa. Eles falam, votam, discutem, mas as grandes decisões, os grandes debates, as grandes teses, as grandes dúvidas são resolvidas na Assembleia Geral da União Europeia. Por isso o momento foi importante -- nunca havia acontecido. Era a dedicação. O respeito que se tinha pelos Estados Unidos e a União Europeia era tão grande. Aquele terror do comunismo do lado de lá, de que iriam comer criancinhas. E o capitalismo salvador de tudo era tão intenso. O Tratado do Atlântico Norte, no qual os Estados Unidos se uniam a todos os países para fazer frente a qualquer ato ou ação da Rússia e dos seus satélites. Tudo isso passou. Parece mentira: tudo isso passou.

            O que está hoje levando interrogações no mundo se chama Estados Unidos.

            A China tem problema com Taiwan. A China livre, as ilhas. Quando Chiang Kai-shek perdeu o governo, foi derrotado na China, ele foi para a ilha de Taiwan e criou a China Nacionalista, que até hoje os chineses consideram como uma unidade rebelde, mas que pertence à China. Mas a convivência é normal. Ali, inclusive estão debatendo agora, estão discutindo, estão quase que abrindo as relações comerciais.

            O Raúl Castro, a mim até me surpreende, porque pensei que era apenas o irmão e mais nada do que isso. Ele está mostrando que tem capacidade, que tem competência, está abrindo as portas ao entendimento internacional. As empresas estão sendo criadas, as pessoas podem comprar, ter os seus imóveis, ter as suas casas, ter o seu dinheiro, podem viajar para o exterior. Ele está criando todas as condições para que os Estados Unidos terminem com essa maldição de, há mais de 50 anos, fechar as portas, e estão ali na expectativa de ver a morte de Cuba. O mundo inteiro, a ONU, todas as entidades já disseram “chega, levantem esse embargo e vamos fazer um entendimento”.

            O Raúl Castro demonstra que está nessa caminhada -- justiça seja feita --, o americano é que não. Não há um país que esteja apoiando, nenhum país da América Latina, nem da América Central que esteja estimulando: “não, devem continuar o embargo”. Aquela história de que Cuba estava expandindo o comunismo para o resto do mundo é piada, acabou até lá em Cuba, é um passado, e lá se vão, repito, 50 anos, e não há jeito. Não há jeito porque ali, na Flórida, os cubanos que fugiram na hora da revolução estão lá, e são muitos, e têm dinheiro, e, na hora das eleições, influenciam, e não admitem. Está mudando agora, Cristovam, porque os mais velhos já estão morrendo, e os filhos daqueles que não viveram aquela situação, que não têm aquele ódio, estão loucos de vontade de abrir as relações e de se unirem. Essa é a vontade que, inclusive, é demonstrada pelas pesquisas que têm sido feitas. Claro que alguns dos mais velhos, até por motivo de interesses os mais variados, têm interesse de que isso continue.

            É por isso que acho muito positivo o que o companheiro Renan está fazendo aqui, no Congresso: as chamadas reuniões temáticas. Acompanhei a de ontem e gostei demais. Não me lembro, há muito tempo, de um Ministro da Fazenda chegar aqui sentar às dez e meia e sair às seis horas da tarde.

E o Sr. Mantega ficou. Mérito e respeito a ele nesse sentido.

            Acho, companheiro Cristovam e todos que estão pensando no Senado do futuro, que são aspectos altamente positivos. Nós não podíamos ficar naquela crítica aos nossos problemas internos, que tínhamos e ainda temos alguns, e impedir que o Senado avançasse, que o Congresso avançasse e tomasse as posições necessárias e importantes nesse sentido.

            O pacto federativo é uma vergonha. Nós tivemos uma Assembleia Nacional Constituinte e não tivemos coragem de tomar posição a respeito dessa matéria. Não tivemos. Foi a Assembleia Nacional Constituinte mais livre, a mais soberana, a mais democrática, a mais longa, a mais discutida… No mundo inteiro se analisou se o Congresso Nacional… Meu Deus! Eram milhares de pessoas. Todas as salas estavam lotadas de gente, do povo, de todos os segmentos que vinham debater, que vinham discutir. Os Ministros do Supremo entravam no plenário da Câmara para debater, assim como os generais do Exército, os advogados da OAB, os líderes sindicais, os jovens da UNE… Todos participaram do debate, da discussão. Infelizmente, as coisas não terminaram como deveriam e poderiam ter terminado.

            A morte do Tancredo. Não que o Sarney seja culpado, eu não concordo com isso. Acho que o Sarney cumpriu as determinações da Aliança Democrática. Convocou a Constituinte logo, o que eu acho que o Tancredo talvez tivesse deixado para mais tarde, para o segundo ou para o terceiro ano. Ele criou os partidos comunistas imediatamente. Acho que o Tancredo teria deixado isso para mais tarde. O problema do Sarney é que ele não tinha comando, não tinha as forças. Os partidos estavam ali amplamente majoritários na Constituinte, primeiro o PMDB e depois os outros, e o Sarney estava ali sem o comando sobre essa gente.

            E aí houve um erro dos dois lados. Eu me lembro de que o Sarney topou cinco anos com o Parlamentarismo. Ele disse -- perguntem a ele hoje -- que o Ulysses também concordou. Parece mentira, mas o nosso querido Covas não concordou. Ele queria quatro anos com o Parlamentarismo. A imprensa até hoje faz injustiça ao Sarney dizendo que ele abocanhou um ano, que toda a briga foi para ele ganhar mais um ano, de quatro para cinco. Isto é mentira! A discussão dele foi para perder um ano, não dois. Ele concordava em diminuir de seis para cinco, não queria aumentar de cinco para seis. Ele concordava que o Parlamentarismo já estivesse instalado no último ano de seu mandato, que já tivesse sido escolhido um primeiro-ministro. Perdeu uma situação dramática nesse sentido.

            A nossa Constituição Cidadã é muito boa, mas já está 25% mais grossa do que saiu da Constituinte. A nossa Constituição hoje é 25% mais grossa, por causa dos artigos, do que era quando da sua promulgação. Ela é 25% mais grossa por causa de artigos novos, inseridos depois da Constituinte, que não tivemos peito nem coragem, naquelas questões fundamentais, pela divisão, pelo racha da Constituinte, de votar.

            Ali se descobriu o chamado “buraco negro”. Quando se chegava a ele, quando não dava para votar, não era votado. A solução do Dr. Ulysses foi aquela. Não se sabia como é que Deputado que mudasse de partido perderia o mandato. O que se faria? Colocaram lá: Deputado que muda de partido perde o mandato, de acordo com lei complementar que será votada. E até hoje não foi votada.

            Na reforma agrária, fizeram uma discussão horrível! Colocaram no papel como ia ser, mas não deu. Então, como é que saiu o negócio da reforma agrária? O Brasil fará reforma agrária ampla, et cetera e tal, de acordo com lei complementar que será votada. E até hoje não foi votada. E assim há cerca de 70 artigos que não tivemos coragem de regulamentar. Esta é a verdade.

            Por isso que, quando eu vejo o Senado com essas novas medidas… Essas reuniões temáticas podem até parecer meio estranhas, mas reparem numa coisa interessante.

            Eu, que discuto, que brigo e que critico com dureza o fato de a gente praticamente não se reunir nas sextas e nas segundas-feiras -- o Congresso trabalha praticamente nas terças e quartas --, eu me emocionei ontem. Emocionei-me porque a reunião começou às 10 da manhã e terminou às e da tarde, uma reunião intermediária. Às três e meia começou a reunião ordinária, deliberativa. Mas das dez às três horas, estava aqui o Ministro da Fazenda, estavam aqui Governadores de vários Estados e estavam aqui membros do Parlamento discutindo o pacto federativo.

            Eu, que sou um crítico duro, às vezes, com decisões do Congresso, saúdo isto, Sr. Presidente. Acho que foi uma decisão realmente importante e que se debateu o que deveria ter sido debatido. O negócio era continuar.

            Disse o Ministro, no Senado, que o pacto federativo, que o entendimento da distribuição dos impostos entre os Estados tem de ser um entendimento entre todos. Como é que vai haver esse entendimento entre todos se o Governo não estiver intervindo no meio? Como será se o Governo não coordenar?

            São Paulo vai querer que os impostos sejam cobrados por ele. Ele faz o carro, despacha e o consumidor lá do Piauí paga o imposto para ele. E o Piauí vai dizer: “São Paulo já faz o carro, já tem emprego, já tem a fábrica, já tem impostos de toda natureza e o Piauí só recebe o carro pronto? Pelo menos que o ICM da venda do carro fique no Estado.” Mas esse é um debate que nós temos de fazer. E esse não é um debate da Câmara, porque a Câmara representa o povo brasileiro. Esse é um debate do Senado, porque nós representamos os Estados da Federação, e o pacto deve ser feito entre esses Estados.

            Pois não, Senador.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador, sua fala permite diversas considerações. Eu vou ficar em apenas três aspectos. O senhor começou falando sobre o problema dos Estados Unidos ouvindo os dirigentes do mundo. Realmente, isso é uma agressão, mas uma agressão que devia ser cometida há muito tempo e que agora foi descoberta. Não tem como se legalizar espionagem. Espionagem, por definição, é ilegal. Se fosse legal, seria informação comunicada. Não é. Parece que o Presidente francês entendeu isso levantando que a grande defesa deles é ter instrumentos que impeçam essa escuta. Eu tenho impressão de que, da maneira como evoluem a ciência e a tecnologia, daqui para frente, Senador Paim, a gente vai ter que pesquisar como fazer o mesmo. Não vai ter como parar a bisbilhotice. Acabou, não tem como fiscalizar mais. Agora mesmo, um grupo de artistas brasileiros ficou contra a elaboração de biografias que contem coisas privadas que eles não querem dizer. Essas coisas privadas estão nas revistas de fofoca todos os dias, não estão nos livros de biografia. Elas estão espalhadas. Não existe mais sigilo, segredo. Agora, existe quem investiu em ciência e tecnologia para proteger sua privacidade e quem investiu para saber o que os outros estão fazendo. É claro que as grandes empresas de petróleo tentam espionar as outras. Eu não sei como a Petrobras não procura saber o que as outras empresas estão pensando, projetando, elaborando. Quando se pega uma informação e se copia um projeto patenteado, aí a lei permite que se puna. Fora isso, vai ser muito difícil fiscalizar o simples acesso a informações. É um esperneio. Nós deveríamos despertar para o atraso da nossa ciência e da nossa tecnologia. O Brasil é um dos únicos países do mundo que diminuíram, este ano, a percentagem do PIB que vai para ciência e tecnologia. É um dos únicos. Todos os outros estão aumentando. Aqui, a gente diminui. E, além de diminuirmos investimento direto em ciência e tecnologia, não fazemos o dever de casa na educação de base, que é a base, como o próprio nome diz, da ciência e da tecnologia. E ficamos fazendo esse esperneio na política externa, quando deveríamos pensar mais na nossa política externa em longo prazo. O Brasil vem pagando um preço enorme para conseguir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. A Arábia Saudita recusou ser do Conselho, porque não agrega grande coisa e porque fazer parte desse grupo de privilegiados que têm assento permanente, enquanto os outros têm mandato de dois anos, gera um ônus muito grande. Eu vou dar um exemplo. Há poucos anos, o Brasil tinha condições de ter como Diretor-Geral da Unesco o Prof. Márcio Barbosa, que já estava ali como vice há oito anos como vice, que já tinha conseguido todos os votos necessários, mas que precisava que o Brasil dissesse que não era contrário, porque ele é brasileiro. Disseram que eram contrários e indicaram um egípcio que foi preso com Mubarak por corrupção e que foi acusado de antissemitismo porque, quando candidato a Diretor-Geral da Unesco, com o voto e o apoio do Brasil, tinha dito que, por ele, todos os livros de judeus que houvesse no Egito seriam queimados quando era ministro da cultura. O Brasil apoiou esse cidadão, esse senhor e tirou a possibilidade de um brasileiro ser Diretor-Geral da Unesco. Por quê? Porque queria o voto do Egito, e de outros países árabes, para ganhar a cadeira permanente. Há pouco nós perdoamos a dívida de ditadores africanos. Razão: ganhar o voto deles para uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, que não agrega mais nada. Todos sabem que não agrega, até porque não tem o poder de veto, é apenas um voto permanente. Então, estamos sem uma política externa clara, sem uma linha do que vai ser o Brasil no cenário mundial. Aí vamos falar com franqueza: o Lula tinha. Lula e Celso Amorim tinham rumo. Vejam aquele acordo que eles fizeram com a Turquia para controlar o risco de o Irã ter bomba atômica. Eles conseguiram um acordo e o Obama foi contrário. O Obama agora está correndo atrás do prejuízo e está começando a ceder a um acordo que é pior do que aquele. Por aquele, o Irã iria permitir que o enriquecimento fosse feito em outro país, um país neutro. Agora os americanos estão chegando à ideia de que é possível fazer o enriquecimento dentro do Irã, desde que a uma taxa que não permita desenvolver a bomba atômica, que seja só para as pesquisas científicas e médicas. Aquele acordo teria sido o ideal. Foi uma conquista ousadíssima do Lula e do Celso Amorim, junto com o Primeiro-Ministro Erdogan, da Turquia. Então, a sua fala nos permite fazer essas considerações. Agora, quero tocar no aspecto da Constituição. Creio, Senador, que a Constituição foi a mais democrática, a mais debatida…

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Perdão. Não fique V. Exª com a impressão de que não gostei da Constituição.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Hein?

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Não fique V. Exª com a impressão, pela minha fala, de que não gostei da Constituição. Gostei demais.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Ao contrário. Ao contrário, eu é que vou fazer algumas ressalvas.

Senador, V. Exª também foi constituinte. Eu não era Parlamentar, mas tive um papel como reitor da Universidade de Brasília em debates permanentes, em cursos especiais, em mobilizações, dando apoio aos órgãos de classe. Mas nós cometemos um erro: nós discutimos os artigos antes de discutir o País. A nossa Constituição não tem uma filosofia: qual é o Brasil que queremos para daqui a 50 anos? Qual a Constituição para servir a este País? Como ela foi tão democrática, terminamos fazendo dela uma colcha de retalhos, juntando todos os interesses dos diversos grupos brasileiros, e perdemos a noção da totalidade. Acho que é uma Constituição muito democrática, sem dúvida alguma. Ela não podia ser mais democrática, mas ela ficou um pouco corporativa, com a tentativa de juntar todos os interesses de grupos, não os interesses do todo da Nação brasileira. Agora, nessa briga do Pacto Federativo, estamos repetindo a mesma coisa: estamos discutindo como distribuir o dinheiro entre os Estados, em vez de discutir como os Estados, juntos, vão fazer um Brasil melhor. De repente, é preciso distribuir os recursos para fazer um Brasil melhor, mas, com um País tão desigual como o nosso, depende de como vamos distribuí-los. Se vamos distribuir os impostos conforme a riqueza específica de cada Estado, os pobres continuarão sem dinheiro, e os ricos ficarão com todo o dinheiro. Não estamos discutindo qual é a federalização e para que queremos a federalização, salvo um jogo de aritmética de quanto é que cada Estado recebe, até porque quem está comandando esse processo são os governadores, que têm o horizonte de tempo limitado ao seu mandato. É difícil querer que um governador se transforme em pai da Pátria, pensando no Brasil. Ele está pensando só na reeleição. E qualquer um de nós ali seria assim.

           O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Mas, seja qual for o governador, seja qual for o período, São Paulo manda, e nada sai que não seja ótimo para São Paulo.

           O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Mas o problema é que São Paulo faz isso sem ter uma visão de nação muito grande. Os Estados Unidos foram criados a partir de 13 Estados diferentes, de verdadeiras nações diferentes que se uniram. Nós, não! Desde que as capitanias hereditárias foram superadas pelos governadores-gerais, somos um País que tem Estados, e não Estados que têm um país. Perdemos a chance na Constituição de analisar a unidade nacional com suas especificidades estaduais, é claro, com seus direitos estaduais, municipais e até familiares. Cada família é uma unidade. Mas e o todo brasileiro? Creio que a Constituição não conseguiu dedicar um tempo para isso. Talvez, uma das falhas seja o fato de que os constituintes eram também Parlamentares e já estavam pensando na reeleição. Isso não é crítica, mas uma constatação: qualquer homem eletivo está pensando na eleição. É nosso papel. Quem faz uma Constituição deveria fazê-la com o compromisso de não ser candidato depois e de, então, pensar o País daqui a 20 anos, daqui a 30 anos, livre das pressões do imediato. Por que a nossa Constituição é tão grande? Porque quis agradar a todo mundo. A maior parte das reformas constitucionais, a maior parte das emendas que fazemos visa a atender algum grupo. Eu coloco que todos devem ser interesses lícitos, mas não totalizantes, específicos. E aí se amarra o País em uma espécie de colcha de retalhos. Isso está faltando. Ontem, no debate, eu disse aqui que pelo menos uma coisa deveríamos entender que tem de ser uma só, a educação de nossas crianças. O Pacto Federativo, como estão propondo, vai retirar de um Estado, mas vai dar para outro, de um para o outro, mas os Estados vão continuar desiguais. Então, as escolas continuam desiguais. Um pacto federativo em que uma criança tem uma escola diferente da outra, dependendo da cidade onde vive, é um pacto federativo indecente, porque é um pacto federativo que pensa as unidades da Federação, e não a Federação na sua totalidade. Creio que deveríamos fazer uma reflexão nos debates que o Senador Renan está organizando sobre isto: o que é o Brasil? É as somas dos Estados? Ou são os Estados as partes do Brasil? A partir daí, ficaria mais fácil a gente discutir o Pacto Federativo do ponto de vista conceitual, de longo prazo. Agora, como convencer o Governador que tem de pagar as contas no final do mês que ele tem de pensar no Brasil daqui a 20 anos? É difícil. Talvez, essa seja uma das razões pelas quais a revisão constitucional deveria ser feita exclusivamente por pessoas eleitas apenas para fazer essa reforma, nem que isso fosse feito só para a parte relacionada ao funcionamento da nossa política.

(Soa a campainha.)

           O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É isso, Senador Pedro Simon. Suas falas sempre nos provocam a pensar, talvez de uma maneira que não satisfaça, mas, pelo menos, este é o momento de extravasarmos as inquietações que temos.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Eu lhe agradeço muito o aparte.

            O Senador Cristovam, entre mil qualidades, tem mais essa. Ele complementou muito bem o que eu disse e argumentou muito positivamente. O Senador Cristovam é daqueles deste Congresso que não se acomodam e que lutam, às vezes, até por questões que parecem utopias. Como ele diz, essas utopias, se ele sonhar sozinho, não vão adiante. Mas, se todos nós sonharmos juntos, poderemos chegar lá. Eu sou um soldado na fileira da equipe do Cristovam que busca isso.

            Senador Cristovam, eu lhe agradeço o aparte, que fica integrado ao meu discurso.

            Agradeço a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2013 - Página 76188