Discurso durante a 187ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à forma como foram conduzidas as privatizações de empresas estatais no Brasil e críticas ao leilão do pré-sal.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CORRUPÇÃO, PRIVATIZAÇÃO.:
  • Posicionamento contrário à forma como foram conduzidas as privatizações de empresas estatais no Brasil e críticas ao leilão do pré-sal.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2013 - Página 75808
Assunto
Outros > CORRUPÇÃO, PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATIVIDADE, DESESTATIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA, BRASIL, CORRUPÇÃO, TENTATIVA, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ATUAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONGRESSO NACIONAL, INSUFICIENCIA, FISCALIZAÇÃO, DESAPROVAÇÃO, LEILÃO, CAMPO, PETROLEO, PRE-SAL.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu querido amigo Presidente Paim, em 1983, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar possíveis e evidentes desvios de conduta e de recursos no bojo do Programa Nacional de Desestatização. Até aquele instante, haviam sido privatizados os setores de petroquímicos e de fertilizantes e as primeiras empresas do setor siderúrgico.

            É bom lembrar que aquela CPI se deu menos de um ano depois do impeachment do Presidente Collor, fundamentado em outra comissão parlamentar, coincidentemente relatada pelo mesmo relator, nosso amigo Senador Amir Lando. Chamaram atenção à época as palavras do Relator Amir Lando, das duas CPIs, dando conta de que foi muito mais difícil investigar o que aconteceu na venda das estatais do que as atitudes de um Presidente que acabava de ser afastado. Isso mesmo, nas palavras do Relator, foi menos trabalhoso cassar o Presidente da República do que saber o que aconteceu de fato na venda das estatais.

            A CPI das Privatizações, como foi chamada, sofreu todo tipo de boicote, mas o que ficou mais evidente nessa falta de interesse em investigar possíveis e, segundo a Comissão, prováveis falcatruas na venda das estatais é que ela batia fortemente na figura dos corruptores - como apareciam corruptores, e grandes corruptores, sempre foi proibido fazer a investigação.

            Eu, há 15 anos, não consegui criar a Comissão dos Corruptores nesta Casa e, agora há pouco, quando se criou uma comissão que não era para investigar - a CPI do Cachoeira já veio para cá com tudo provado -, a CPI fez de tudo para engavetar, para arquivar, para dizer que não havia nada.

            Vale lembrar que, tão logo se encerraram os trabalhos da CPI do Impeachment, eu iniciei uma caminhada no sentido de que havia uma lacuna, a mais importante, a meu ver, nos trabalhos que aqui se encerravam: que era necessário complementá-los exatamente com a CPI dos corruptores. Os mesmos caminhos foram mais que uma rima com espinhos. A tese era de que não há corrupto sem corruptor. Isso é algo, assim, como a corda e a caçamba.

            Veio o governo Itamar Franco. Todos aqui conhecem o pensamento do Presidente Itamar. Todos se lembram das batalhas que ele empreendeu, como Governador de Minas Gerais, para que a Cemig não passasse para as mãos internacionais privadas. Itamar foi folclorizado, ridicularizado pela mídia. Diziam: ultrapassado, fora do seu tempo. Aliás, esse tem sido sempre o mote quando quem ainda ousa defender a soberania nacional: o Simon é um jurássico, está fora da realidade.

            Eu fui testemunha, como seu Líder, da resistência do Presidente Itamar em privatizar a Companhia Siderúrgica Nacional, mas aquele episódio provou que também existem espinhos nos caminhos de um Presidente da República. A Companhia Siderúrgica Nacional foi privatizada e mereceu um capítulo especial no relatório final das privatizações. Aliás, não no relatório oficial, porque o Relator, Presidente, não conseguiu nem mesmo colocá-lo em votação. O Relator foi substituído, na última hora, por outro relator, que apresentou outro documento, lavrado, ao que se sabia, por uma consultoria privada e levado à votação simbólica pelos Parlamentares que nunca haviam participado de qualquer sessão a não ser daquela da aprovação, um texto que só traçava loas ao processo de venda das nossas estatais.

            Mas o relatório preterido trouxe uma série de análises sobre o que acontecia nos bastidores de um processo de privatização, principalmente como se deram as tratativas para se definirem os modelos dos leilões, uma imensa promiscuidade, escandalosa entre os vencedores e os vendedores, compradores e avaliadores. Além disso, o documento que foi para os arquivos mortos do Senado trazia elementos mais que eficientes, mais do que probatórios para provar que os preços mínimos eram também manipulados, adaptados ao interesse do mercado, sempre em detrimento do patrimônio público ou do povo brasileiro, verdadeiro dono das estatais que estavam sendo vendidas, conforme palavras do mesmo Relator, na bacia das almas.

            A privatização da Companhia Siderúrgica Nacional foi um verdadeiro teatro do absurdo: pressões psicológicas das mais contundentes sobre os funcionários; ameaças indiretas de demissões; promessas de financiamento de campanha para quem se propusesse a representar papel pouco recomendável nesse mesmo teatro do absurdo; atores nomeados diretores das empresas privadas logo depois do leilão; verdadeira guerra para que fosse substituído o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos por um mais dócil. E o negócio assim andou.

            E veio o governo Fernando Henrique Cardoso. Parecia que não sobraria pedra sobre pedra, nenhuma estatal, ainda que considerada emblemática na nossa economia e principalmente na nossa história. Aí, para mim, veio o caso mais evidente de todos, se o assunto é a entrega do nosso patrimônio na bacia das almas, repetindo a expressão anterior, quando ainda não haviam sido leiloadas as chamadas joias da coroa. Eu me refiro, Presidente, à venda, eu diria quase doação, da Companhia Vale do Rio Doce. Esse é, a meu ver, um capítulo especial ainda a ser escrito na nossa história recente, um capítulo escrito com tintas certamente lamacentas.

            O método de avaliação permitiu cenários os mais depreciativos para a empresa. Para se ter uma ideia, esse mesmo método, grosso modo, leva em conta a antecipação das receitas, das despesas no cálculo do preço mínimo.

            Como acreditar que o preço da Vale pudesse ser calculado, minha querida Senadora, em R$3,4 bilhões? Esse - R$3,4 bilhões - foi o valor da privatização da Vale do Rio Doce; R$3,4 bilhões tem sido o lucro trimestral do conglomerado.

            Quem antecipou dezenas de anos de receitas e despesas da Vale e chegou uma diferença, que, na verdade, equivale a três meses do lucro da empresa? Foi um erro? Foi má fé? Que interesses estavam embutidos nessa avaliação? Todos se lembram do Sr. Antônio Ermírio de Moraes. Era o virtual vencedor do leilão da Vale. Até um mês antes do leilão, com ele estavam os principais fundos de pensão. De repente, esses mesmos fundos mudaram de lado, formaram outro consórcio. Em um mês, criaram uma nova empresa, que ganhou a Vale.

            Quem comandou essa demandada dos fundos de pensão? Com que interesse? E tudo isso, na nossa história, os nossos historiadores estão devendo. Veio, depois, a privatização do sistema elétrico e do sistema de telecomunicações. Não entro no mérito dos avanços tecnológicos e da oferta de serviços que viraram no passo da iniciativa privada. Mas o que mais se ouvia, naquele tempo, é que tudo acontecia no limite da irresponsabilidade.

            A exemplo do que aconteceu no tempo da venda da companhia da Vale do Rio Doce, montou-se uma verdadeira guerra para que nada estancasse os leilões, e, ato contínuo, não houve qualquer investigação dos atos próprios daqueles leilões, principalmente se, de novo, entrasse em pauta a palavra proibida: corruptores.

            “Vamos apurar os corruptores!” Era a palavra mágica. Acabavam com tudo. Nada foi investigado. Aliás, nunca se viu como nesse período das privatizações no governo Fernando Henrique tamanhas barreiras para que se instalasse uma CPI. A história se repetiu. Eram ultrapassados, jurássicos os que se propunham a um mero discurso sobre a necessidade de conhecer o que aconteceu nos bastidores de um processo de alienação. Alienação das ações das empresas de telefonia, de eletricidade.

            Muitos, como eu, foram ridicularizados. Como se vê, o volume de recursos envolvido no programa de privatizações vem crescendo ao longo do tempo, desde o Governo Collor. Com esse mesmo crescimento do bolo de dinheiro, as barreiras são cada vez maiores para que nada seja investigado pelo Congresso Nacional, um Congresso que, diga-se de passagem, também nunca foi tão omisso ou interesseiro. Não sei. Quem sabe?

            Havia outras joias da coroa: o Banco do Brasil e a Petrobras, principalmente. Sinais não faltavam de que a sanha privatista, desde que na bacia das almas, não deixaria de lado essas duas estatais. Quem não se lembra, Senador - e V. Exª estava aqui comigo -, da tentativa de mudar no nome de Petrobras para Petrobrax? Será que era porque esse novo nome estava mais ao gosto dos dirigentes da estatal daquele tempo? Um nome mais de grife.

            Correu também, nos corredores do Banco do Brasil, a notícia da mudança do nome do Banco. Não mais Banco do Brasil, mas Banco Brasil, quer dizer, não mais “do Brasil”. No Banco do Brasil, as instituições representativas dos funcionários, fortes naquele tempo, cuidaram de abortar a ideia. O mesmo aconteceu com a Petrobras, ainda que ela já tivesse sofrido uma privatização pelas bordas, quando foi vendido o setor petroquímico. Todo mundo sabe que o setor petroquímico é a grande continuação do desenvolvimento de uma empresa de petróleo. A verticalização, que termina no setor petroquímico, é a alma do grande negócio.

            Foi o que a Petrobras fez, proposta do General Geisel. Petroquímico, o setor, polo petroquímico: um terço Petrobras, um terço empresa privada, um terço empresa estrangeira.

            Repito, para ser enfático: a venda das nossas estatais, “direta ou pelas bordas”, não tem sido acompanhada de qualquer investigação pelo Congresso Nacional, ainda que tenham aparecido fortes evidências de desvio da conduta e de desvios dos recursos.

            Ao contrário, o Congresso tem dado inteiro aval a tudo o que está acontecendo nos leilões das estatais. O que não deixará de constituir em cumplicidade, se a história ainda a ser contada comprovar os desvios de recursos, a qualquer título. Se comprovar que nós não estamos apenas deixando de investigar. Nós estamos avalizando todo o processo.

            Daí aquela minha tese: a de que poderemos chegar à trágica conclusão de que a corrupção legalizada é maior que aquela tramada ao arrepio da lei. Daí, nessa história a ser contada, o Congresso Nacional poderá merecer, também, um capítulo especial. Um capítulo, infelizmente, também escrito com tintas lamacentas.

            Vieram os Governos Lula e Dilma. Eleitos sob a promessa da paralisação do processo de privatizações e colocando na testa dos adversários a pecha de “entreguistas do patrimônio público”. Entreguistas do patrimônio público eram os homens do governo Fernando Henrique.

            Passadas as eleições, mudou o nome. Não mais privatização, mas concessão. E lá se foram a estradas, portos, aeroportos. E aí está a Petrobras.

            A Presidente Dilma havia sido enfática na campanha: “Desde já, eu afirmo a minha posição: é um crime privatizar a Petrobras, é um crime privatizar o pré-sal. Isso seria um crime contra o Brasil, porque o pré-sal é nosso. É o nosso grande passaporte para o futuro. Nós acreditamos que o fortalecimento das nossas empresas é bom para todo o povo brasileiro. Eles só pensam em vender patrimônio público.” Assim falou a Dilma na campanha política.

            Eles, quem? Pergunto eu. “Eles” ou “nós”? Pergunto eu.

            O texto de campanha deveria ser: “é um crime privatizar a Petrobras e o pré-sal. Nós vamos conceder! Vamos partilhar! Vamos privatizar pelas bordas!”

            Ora, mais uma vez, as nossas ações e as nossas omissões podem ser o dando aval a esse processo, que, nas últimas palavras da própria Presidenta, é um crime! Um crime contra o Brasil! Um crime contra o povo brasileiro! Ainda que fosse um modelo de privatização, de concessão ou de partilha, a exemplo da Vale, a exemplo do Sistema Elétrico, a exemplo das telecomunicações, quanto vale, de fato, o nosso pré-sal? Quem avaliou? Com que método? A partir de qual cenário? Que interesses estão envolvidos nesse leilão? O Governo brasileiro colocou à disposição do processo os técnicos de melhor excelência no assunto? Que papel joga a Agência Nacional de Petróleo? O Ministro de Minas e Energia, o profundo conhecedor, o cientista Ministro de Minas e Energia, fala com conhecimento de causa? Eu diria, conhece alguma coisa? Aliás, quem tem verdadeiramente conhecimento de causa nesse caso do petróleo brasileiro? É a pergunta que se faz, Sr. Presidente.

            A nós congressistas, certamente, faltou conhecimento, faltou conhecimento de causa e de efeito, porque deixamos de ouvir, antes, as melhores vozes que traduziriam o mais profundo conhecimento sobre o assunto. E, do pouco que ouvimos, quantitativamente falando, parece que nada levamos em conta qualitativamente.

            Em audiência no Senado, o Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira já antevia o resultado do leilão. Segundo ele, haveria uma propositada falta de concorrência, para que fosse pago um percentual mínimo sobre um campo petrolífero testado e comprovado como o maior do mundo.

            Também segundo ele, a denúncia de espionagem na Petrobras feita pelo agente Edward Snowden teria, ou teve, influência no resultado do leilão. É que o software que processa todos os dados estratégicos da Petrobras é fornecido pela Halliburton, maior empresa de complexo bélico americano, principal responsável pela reconstrução do Iraque, invadido e destruído pelos Estados Unidos.

            O seu presidente, Dick Cheney, era o vice-presidente da República dos Estados Unidos no governo do Sr. George Bush e dono de uma das maiores empresas de reconstrução dos Estados Unidos.

            Os analistas de sistemas desse complexo, também considerado um dos maiores do mundo em serviços em campos petrolíferos, têm acesso a todas as informações da Petrobras.

            Aliás, é um dos capítulos mais vergonhosos que vi na minha vida. O presidente manda bombardear e destruir o Iraque. O vice-presidente tem uma empresa que está lá fazendo a reconstrução do Iraque. É uma maravilha!

            O Sr. Snowden revelou, e o programa Fantástico, da Rede Globo, repercutiu que, a cada 72 horas, uma massa de dados da Petrobras é enviada para os chamados “Cinco Olhos”: Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Canadá e Nova Zelândia.

            A tese do Sr. Fernando Siqueira, Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, é de que essa é a verdadeira razão das empresas americanas e inglesas terem abandonado a disputa. Isso poderia ser motivo suficiente para o cancelamento do leilão. Eles saíram, mas o braço europeu do cartel permaneceu. A Total e a Shell pertencem ao mesmo cartel.

            Em suma, vamos deixar, mais uma vez, que a história conte o que está acontecendo agora? Não será tarde, como nos casos antecedentes? Para onde foi o dinheiro das privatizações anteriores? O que aconteceu com quem agiu nos “limites da irresponsabilidade”, como disse o Ministro, convocado por mim, falando nesta tribuna, aqui, no plenário do Senado? E ele teve categoria. Ele desceu da tribuna, pegou o telefone e renunciou: “Sr. Presidente Fernando Henrique, eu estou renunciando ao ministério.” Mas também não saiu por nada. Entrou o substituto e a coisa continuou. 

            Nesses “limites da irresponsabilidade” não estaríamos, também, incluídos, por termos dado o aval e nos omitido na necessária investigação das evidências de desvios de conduta e de recursos?

            Cá entre nós, foram vinte e tantas ações no Supremo. Uma nossa, do Requião, outra do meu querido companheiro lá do Amapá e minha também estão lá, no Supremo. E outra: nós entramos aqui, perante o Presidente do Senado, pedindo que votássemos no Plenário uma decisão que suspendesse o leilão, e o Presidente do Senado mandou para três comissões e está tramitando nas três comissões.

            Repare o significado disso. Quer dizer, nós entramos com a urgência necessária, dizendo: esse assunto é muito sério; é necessário suspender o leilão. O negócio era de urgência urgentíssima, o leilão seria logo ali, e o Presidente baixa para três comissões. E não se fala mais no assunto.

            A frustrada e frustrante CPI do Cachoeira foi um ótimo exemplo de como age o Congresso Nacional nas investigações. Quando elas acontecem, tangenciam os corruptores. Aquela comissão poderia ser chamada a CPI da barganha, e não a CPI do Cachoeira. Algo como “eu não investigo os seus corruptores, e você não toca a mão nos meus corruptores”. É o que foi feito lá.

            Enfim, nós não investigamos, em nome, quem sabe, da nossa própria sobrevivência política ...

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - ... travestida nos financiamentos privados de campanha. Estão fora desse “nós”, evidentemente, os ultrapassados, os jurássicos, os folclóricos, e eu sou colocado entre eles. Para esses, as investigações frustradas são piores que as não investigações. Uma investigação frustrada, escondida e boicotada é pior do que não investigar, porque a investigação boicotada dá atestado de idoneidade para quem está longe de merecê-lo. Não investigou, não investigou; fica a dúvida, fica a interrogação. Agora, investigou e não tem nada ...

            É o que se fez na CPI do Cachoeira. O Sr. Cachoeira, os homens todos que ali estavam envolvidos, não tem nada. A CPI diz que não tem nada.

            Vem daí a falta de credibilidade da classe política junto à população brasileira. Estamos em último lugar. Estamos piores do que a política, pior do que os partidos políticos. O Congresso Nacional, último lugar. É que nós podemos, também, ter nos tornado avalistas da corrupção legal e arautos da impunidade. Podemos ter legalizado interesses que podem ser escusos e não ter investigado os desvios de conduta e de recursos, quando eles aparecem na imprensa.

            À falta de uma comissão de ética digna do nome, com a palavras os cientistas políticos: quais são os verdadeiros interesses que estão por trás das nobres proposições que tramitam no Congresso Nacional? Antes de tramitar, quem transitou pelos gabinetes dos também nobres Parlamentares? Quem transitou, antes, pelos gabinetes do Executivo? Com que interesses? Esses mesmos interesses foram igualmente nobres?

            Os cientistas políticos que ousarem investigar essas questões também serão chamados ultrapassados e jurássicos? Serão, também eles, folclorizados como nós?

            Nesses tempos de corrupção, principalmente nesses tempos de perpétua impunidade - ainda está lá o Supremo com o mensalão, vamos aguardar -, ultrapassados e folclorizados são todos aqueles que se preocupam com o patrimônio público, que defendem o coletivo, que advogam que as nossas riquezas são coletivas e não de grupos de interesses. Que são adeptos de uma política que não vai de encontro aos verdadeiros interesses da Nação. São todos aqueles que ainda defendem a soberania nacional, ela, sim, folclorizada pela globalização, que não respeita fronteira.

            As multinacionais que “partilharam” conosco o petróleo não só vão levar parte da nossa riqueza. Vão levar com eles o conhecimento que a Petrobras adquiriu durante anos de pesquisa. Elas partilham os anéis e levam os dedos. Além disso, vão querer extrair não só o petróleo, mas o lucro mais rápido.

            “Extrair”, neste caso, é no mesmo sentido negativo de “explorar”. Quando uma empresa deixa de ser estatal, perde a sua essência: o interesse público. No lugar desse mesmo interesse público, o lucro privado. E o lucro, todos nós sabemos, nem sempre tem o lastro do pudor.

            Numa perspectiva histórica, quando o assunto é privatizações, venham elas a qualquer título, estamos relativizando o passado. Se aquele animal, enorme e desengonçado, que andava entre os cristais, quando no início da propaganda privativista de setores de menor importância relativa, era um elefante, que outro animal estaremos elegendo agora para representar a Petrobras e o petróleo brasileiro? Ou a Petrobras seria, agora, o elefante a ser abatido? E repito, mais uma vez: a partir de que verdadeiros interesses?

            O que se viu na segunda-feira foi um cenário altamente conturbado, quase um cenário de guerra. Tanques, quem sabe fornecidos pela mesma Halliburton, tomaram o cenário do leilão. Que não mais nos permitam os deuses, mas parecia que a venda do pré-sal mereceria, pela Presidenta Dilma, um golpe de Estado. Logo V. Exª, Presidenta Dilma?

            Se o Congresso Nacional impediu a investigação do processo da privatização da petroquímica, impediu o processo de privatização dos fertilizantes e dos primeiros leilões de siderurgia, é possível imaginar as razões que levaram às barreiras para instalar a CPMIs para os casos dos leilões do setor elétrico e o de telecomunicações. Da Vale, então, os motivos são óbvios. E se, agora, o leilão da melhor jóia da coroa, o petróleo brasileiro, nem mesmo merece ser discutido com profundidade pelo Congresso, o que dirá se algo tiver que ser investigado?

            Será uma autoinvestigação, porque demos todos os avais para o leilão? E seríamos, mais uma vez, cúmplices de eventuais desvios de conduta e de recursos?

            Além dos cientistas políticos necessariamente isentos, com a palavra os nobres parlamentares - nobres no melhor sentido da palavra, ainda que sejam chamados de ultrapassados, de jurássicos; ainda que sejam folclorizados. Se esse é o termo para definir quem defende verdadeiramente os interesses nacionais, viva o folclore brasileiro! Pelo menos, o folclore é uma manifestação tipicamente do povo, e não de quem faz do que é do povo uma mera dança, uma dança que não vem da partilha do “dois para lá, dois para cá”. É tudo para lá.

            Interessante a publicação de ontem: “China declara guerra ao luxo e à corrupção”.

(...) Até agora, foram anunciadas a investigação ou detenção de pelos menos nove altos funcionários, incluindo três membros do Comitê Central do PCC. Entre eles, estão Liu Tienan, ex-subdiretor da influente Comissão Nacional do de Reforma e Desenvolvimento, e vários ex-executivos da China National Petroleum Corporation, a maior produtora de petróleo do país...

            E lá estão denunciados, por corrupção, os dirigentes das duas companhias da China que estão fazendo a investigação no Brasil, que queriam entrar na privatização no Brasil.

            Só isso já não era motivo de ser analisado? Os responsáveis que estão nas duas empresas chinesas que entraram no leilão estão sendo investigados. E, no mesmo mês, agora, estão sendo investigados, por corrupção, lá na China!

            Só para não dizer mais nada... Foi manchete no mundo inteiro, mas eu só trago uma, que foi publicada no maior jornal, de maior aceitação na Alemanha: “Tesouro por pechincha”, diz a revista alemã sobre o leilão do pré-sal. Essa é a linha do comportamento generalizado.

            Agora, eu digo que, se nós tivéssemos responsabilidade, analisando uma matéria como essa: “Ah! O Pedro Simon é o Pedro Simon. Tem mania de fazer oposição, de ser contra. É o Fernando Henrique, ele é contra; é o Lula, ele é contra.” Tudo bem. Mas e o Gabrielli, Presidente da Petrobras no Governo Lula? Uma época, diga-se de passagem, em que as manchetes da Petrobras eram uma maior do que a outra. Eu vibrava com as manchetes da Petrobras, principalmente com as do pré-sal. Eu achava importante a Petrobras entrar na Bolívia e se espalhar, desenvolver-se, fazer entendimentos com a Venezuela.

            Eu tinha restrições ao Sr. Gabrielli, porque ele politizou muito os cargos de direção da Petrobras. Justiça seja feita, na ditadura militar, eram técnicos - havia coronéis demais, diga-se de passagem, mas a maioria era de técnicos.

            Agora é assim: a diretoria tal da empresa tal da Petrobras é para o Presidente do PCdoB, grande companheiro, Deputado brilhante. Mas não é o título. Nunca vi o PCdoB se aprofundar e conhecer a Petrobras.

            A outra diretoria importante, que faz as bases para se preparar para fazer a exploração do petróleo no fundo do mar, é daquele que estava no PSDB, agora está no PMDB, lá do Ceará. Eu não sei o que ele entende de petróleo mais do que eu; agora deve entender. Mas está lá, o cargo é dele. Entrou no Governo do Lula e até no atual Governo continua. Com isso, eu realmente me preocupava. Saiu ele.

            Eu, com tudo o que falavam, não aprovei, porque o que se dizia, na época, é que havia dois grupos com relação à Petrobras: um, que tinha um ilustre Senador, não importa dizer o nome, que coordenava e que tinha os homens da Petrobras; e outro, que era a Ministra de Minas e Energia, que é a Presidente Dilma hoje, que queria botar técnico. Ela brigava, porque a Petrobras tem que ter gente técnica e competente, e os políticos têm que cair fora. E o PMDB, e o PT e companhia querendo botar os políticos. Ela foi derrotada. Os políticos entraram. Ela assumiu a Presidência da República, e o primeiro embate foi com o Sr. Gabrielli. E ele caiu fora, ele saiu.

            Ela botou alguém que eu sempre vi com excepcional capacidade de conhecimento, de seriedade e de dignidade, que é a atual Presidente da Petrobras - sempre. Nunca vi uma linha. Aliás, vim à tribuna, botei no céu, achei uma maravilha; embora, cá entre nós, nos depoimentos que ela fez aqui no Senado, não sei - não sei se eu é que estou ficando velho -, mas, para mim, ela quase que não disse nada com nada. E alguma pergunta mais dura que era feita, ela se virava para o rapazinho lá, que deve ser um assessor dela especial, e ele é que explicava, porque ela não sabia: “O que é mesmo isso?” E ele dizia o que era.

            Mas eu estou falando isso apenas para dizer o seguinte: o Sr. Gabrielli, Presidente da Petrobras do Lula, vem, há tempo, discutindo, pedindo para que não saísse o leilão, dizendo que estava errado - e, cá entre nós, é o Presidente, ele está muito mais a par do que a outra que entrou agora. E é PT, está lá no governo da Bahia! É PT, não é dissidente, não saiu fora! Saiu, inclusive, da Petrobras numa boa; seria, em tese, candidato a governador da Bahia! Ele não tem problema com nada. Não é um cara que saiu, que está magoado, que se revoltou e foi para outro partido. Não! Está no PT, dentro do PT, está lá no governo da Bahia, Secretário da Bahia, candidato a governador pelo PT da Bahia.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Desde o início, não é agora. Desde o início, ele vem dizendo “não” a esse tipo de leilão. “Não está certo, não deve ser feito”.

            Eu defendi, quando nós convocamos a Presidente da Petrobras, que viesse talvez junto o Gabrielli, para os dois falarem, um e o outro. Os dois entendiam de tudo, os dois conheciam tudo, não era oposição nem situação, os dois eram PT, os dois eram do Governo.

            Hoje, “Gabrielli dispara fogo amigo sobre Dilma e Graça” - Graça é a Presidente da Petrobras. E o que ele diz?

            “O ex-presidente da Petrobras soltou chumbo sobre a estratégia do Governo e da estatal na oferta do Campo de Libra, a maior jazida de petróleo já descoberta no Brasil. O momento da realização do leilão foi inoportuno”, palavras dele. “O momento da realização do leilão foi inoportuno”, disse José Sérgio Gabrielli à Rádio 100, de Salvador. No lugar da Presidente Dilma e de Graça, ele faria tudo diferente.

            E continua o Sr. Gabrielli: “No ano que vem e com um bônus de entrada menor’ - ensinou - ‘haveria mais competição e prestações maiores para o Governo. Foi bom, mas poderia ter sido muito melhor” - é presidente da Petrobras durante todo o governo do Lula.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Eu não sei, Sr. Presidente, há gente que diz que o leilão tinha que ser feito por esses R$15 bilhões, que seria essencialmente necessário para conduzir o Governo neste seu momento final. Eu não acredito nisso. Sinceramente, não me passa pela cabeça uma ideia como essa.

            Há outros que dizem que a “mãe do PAC” foi uma ótima tese de campanha para a vitória dela como Presidente, mas que a “mãe do PAC” até agora, três anos praticamente, não gerou filhos positivos, não gerou fatos concretos. Claro que é um fato concreto o Brasil ser sede da Copa do Mundo. Mas, do Governo, além dos gastos que estão sendo feitos nos aeroportos e nos campos de futebol, pouco se pode dizer. Então, esse é o caminho.

            Eu não sei, mas, sinceramente, eu acho pouco esclarecimento.

            E o que este meu discurso quer mostrar, Sr. Presidente, é que, como o negócio veio vindo lá de trás e como, há vinte anos, é PT e PSDB - Fernando Henrique, Fernando Henrique, Lula, Lula, Dilma - e, em tese, agora, é PT e PSDB, ninguém investiga ninguém.

            Foi o que aconteceu na CPI do Cachoeira. O acordo foi feito entre o PT e o PSDB, e o PMDB entrou de gaiato junto, porque não tinha nada a ver com isso. E arquivaram tudo. Arquivaram! A CPI foi feita em cima de um dossiê que veio da Polícia Federal e dos procuradores que já dizia tudo. A CPI é feita em cima de uma denúncia. Feita a denúncia, vamos investigar o que é verdade e o que não é verdade, o que existe e o que não existe. Nesse caso do Cachoeira, não houve uma denúncia, pois eram coisas comprovadas, absolutamente provadas. E o trabalho da CPI foi engavetar, não deixar abrir.

            O fato é este: os dois grandes Partidos, PSDB e PT, e o PMDB, que, durante oito anos, era aliado do Lula e que, nos últimos anos, é aliado do PT, fica meio neutro nessa questão. Mas a verdade é que o Congresso não faz nada.

            E eu votei na Presidente Dilma, eu subi nesta tribuna várias vezes mostrando a firmeza da Presidente Dilma, as demissões dos vários Ministros, ao contrário do Fernando Henrique, ao contrário do Lula, que não demitiram ninguém. Escândalo provado, comprovado, manchete... Não!

            Inclusive, todo o mensalão começou com o caso que apareceu na televisão. Eu fui ao Presidente Lula e disse: “Demita, Presidente!” Ele não demitiu. “Crie a CPI!” Ele não deixou criar. Tivemos que entrar no Supremo, que mandou criar, mas levou um ano. Um ano depois, quando criamos a CPI, não era mais aquele caso. Era o mensalão, era uma série de irregularidades. Aí entrou a Presidente Dilma. Demitiu, tomou uma série de medidas positivas, concretas, que davam uma linha de pensamento e de sentimento.

            Agora, o que eu vejo é que essa questão é séria demais.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Infelizmente, não podemos levar em conta a oposição, porque a oposição é isolada: é o Simon, é o Requião, porque em conjunto não diz nada. E o Governo não diz nada. Precisa vir o Sr. Gabrielli, ex-Presidente, denunciar e dizer - ele estava lá dentro - que a coisa está completamente errada.

            Olha, Sr. Presidente, com oitenta e tantos anos de idade, nesta Casa desde 1978, eu me pergunto o que fazer. Eu vejo coisas positivas: o mensalão é positivo, a Lei da Ficha Limpa que nós votamos é positiva, é positivo a mocidade voltando para a rua, como está voltando, apesar de esses irresponsáveis mascarados se meterem. Aliás, não sei por que a polícia não age com relação a eles. Em várias cidades e capitais do Brasil, estão fazendo leis estaduais proibindo cidadão mascarado carregando suporte para quebrar o patrimônio de andar pelas ruas. Quando um cara com um machado ou uma barra de ferro deste tamanho caminha até o Palácio do Itamaraty e quebra os vidros ou chega à prefeitura do Rio de Janeiro e arrebenta com tudo, alguma coisa precisa ser feita.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Presidente Dilma, V. Exª estava eufórica porque os seus índices de pesquisa estavam lá em cima, mas com os casos que aconteceram envolvendo o Governo, eles baixaram terrivelmente. V. Exª ficou ansiosa. Mas agora os seus índices estão subindo, e, como diz a imprensa, V. Exª é só sorriso e só manda beijos para o Brasil. Que bom! Mas eu acho, Presidente, que casos como esses a senhora deveria analisar melhor. Eu não tenho dúvida. Não eu, mas qualquer cidadão com lógica, com raciocínio.

            Eu tenho certeza, Senador Paim, de que, se V. Exª estivesse na Presidência da República, neste caso, a primeira coisa que V. Exª faria seria chamar a Graça, Presidente da Petrobras, e o Grabielli, ex-Presidente, e deixar os dois falarem. Aí eu vou ver; vejo um e vejo o outro e vou analisar.

            A Presidente não fez isso. Não parou dois dias, não fez o adiamento de 15 dias, e terminou acontecendo o que aconteceu. O que era considerado o leilão mais espetacular, o maior do mundo, fora abertura e et cetera e tal, na verdade, durou um minuto. “Está aberta...”. Aí o cidadão se levanta, sai, pega o envelope e coloca, e mais ninguém. Um se apresentou.

            Eu não sei. Pelo respeito que eu tenho pelo estilo da Presidente Dilma, não passa pela minha cabeça dizer que eu imagino que a Presidenta tenha qualquer coisa de comprometimento pessoal com as coisas que não estão certas. Mas que ela podia ter pensado mais, refletido mais e, de certa forma, pode, ela pode. Ela foi mal, e nós, Congresso Nacional, fomos pior ainda.

            Deus nos proteja, apesar de sermos assim!

            Obrigado, Presidente, pela sua tolerância. Saiba que eu tenho por V. Exª um respeito muito grande, pela sua dignidade e pela sua competência.

            Muito obrigado, meu querido Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2013 - Página 75808