Discurso durante a 192ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária ao projeto de lei que confere autonomia ao Banco Central.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Manifestação contrária ao projeto de lei que confere autonomia ao Banco Central.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2013 - Página 77384
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTONOMIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CRITICA, AUMENTO, MANDATO, DIRETOR, OBJETIVO, CONTROLE, TAXAS, JUROS, INFLAÇÃO, PROBLEMA, EXCESSO, PREÇO, ALIMENTOS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, senhores que nos ouvem pela Rádio Senado e nos assistem pela TV Senado, no fim de semana e nesta semana, o Presidente da Casa, Senador Renan Calheiros, noticiou que há o interesse de se votar - e acho que isto inaugura o debate sobre o interesse da Casa - o Projeto de Lei nº 102, de 2007, que trata da autonomia do Banco Central. Já que aqui está colocado o debate sobre esse projeto, quero, de antemão, manifestar a minha opinião e a do meu Partido, o Partido Socialismo e Liberdade, em relação a essa matéria.

            Sobre a autonomia ou a independência do Banco Central, em linhas gerais, a justificativa, a ideia sobre esse tema é a de que o Governo teria sobre o Banco Central uma influência nociva, pois os governantes, por via de regra, teriam interesse em interferir no Banco Central, em reduzir a taxa de juros. E o Banco Central deveria ter a autonomia, a liberdade de definir, por si só, a política cambial, a política de tais taxas. Supostamente, essa política cambial deveria ser definida pelo Banco Central para controlar os excessos inflacionários. Ou seja, essa política deveria ser definida pelo Banco Central e deveria ser definida pelo - abro aspas - “mercado”, esse ente abstrato a que alguns senhores costumam dar um pretenso ar de ente concreto.

            Dessa forma, o projeto de lei ora debatido no Senado, na versão de um substitutivo de autoria de S. Exª o Senador Dornelles, prevê, então, que os diretores do Banco Central sejam nomeados pelo Presidente da República e sejam aprovados pelo Senado, como, de fato, já o são, conforme a legislação hoje em vigor, após avaliação de currículo e arguição pública. Mas a modificação é a de que esses diretores passariam a ter um mandato de seis anos. Aí estaria a modificação. Teríamos um modelo conforme o modelo americano. Eles somente perderiam seus mandatos nas hipóteses de renúncia ou de aposentadoria compulsória, de condenação judicial transitada em julgado ou de demissão pelo Presidente da República ad nutum, porém, devidamente justificada e previamente aprovada. Essas demissões deveriam ocorrer mediante votação secreta, nas hipóteses, que estariam estabelecidas no projeto, de gestão conducente, de grave prejuízo à economia nacional e de descumprimento de metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

            Ou seja, essas hipóteses seriam as hipóteses previstas pelo Conselho Monetário Nacional. E as hipóteses previstas pelo Conselho Monetário Nacional seriam as hipóteses previstas dentre os objetivos do Banco Central. E as hipóteses previstas no Banco Central seriam as hipóteses previstas no art. 5º das normas do Banco Central, que seriam as do descumprimento das metas e das políticas monetária e cambial do Banco Central. Essas metas estão estipuladas entre as metas das políticas monetária e cambial do Banco Central. O Banco Central do Brasil tem por objetivos principais a estabilidade de preços e a solidez do sistema financeiro nacional.

            Ora, Sr. Presidente, então, a meta do Presidente do Banco Central seria única e exclusivamente a estabilidade de preços. Veja, a meta do Presidente do Banco Central é única e exclusivamente a estabilidade de preços. A meta do Banco Central não é a distribuição de renda e o crescimento econômico. A meta seria manter indefinidamente a taxa de juros que nós aplicamos no Brasil, que tem sido, ao longo de 20 anos, ao longo das últimas duas décadas, a mais alta taxa de juros do Planeta, que só tem penalizado os trabalhadores e os mais pobres. Isso não é dito.

            Ao longo dos últimos 20 anos, nós temos praticado a mais alta taxa de juros do Planeta, em nome de que a meta do Banco Central seja unicamente a tal estabilidade, que nós não descartamos. Eu não estou dizendo que não seja uma conquista civilizatória a estabilidade, mas, por si só, essa estabilidade não pode ser uma ditadura em detrimento do crescimento econômico, em detrimento da transferência de renda para os trabalhadores. Isso não pode ser uma ditadura de 20 anos sem crescimento econômico. Há 20 anos, nós, no Brasil, temos praticado a mais alta taxa de juros do Planeta! E não é somente a taxa de juros... Quero repetir: não é somente a taxa de juros o único mecanismo existente no nosso País para combater a inflação! Quero reiterar isso.

            Alguns podem questionar: como controlar a inflação senão praticando as taxas de juros aviltantes que nós praticamos no Brasil? É importante observar, Sr. Presidente, que o Brasil tem praticado, nas últimas décadas, como tenho dito, de forma quase ininterrupta, essa taxa de juros. Isso indica algo estranho. Além do mais, a principal causa da inflação tem sido algo que os economistas têm definido como - abrem-se aspas - “excesso de demanda”.

            Mas a principal causa da alta dos preços é administrada pelo próprio Governo. Outra causa da inflação tem sido a alta dos preços dos alimentos. Ora, a alta dos preços é administrada pelo próprio Governo. Outra causa da alta dos preços é a alta dos preços dos alimentos. A alta dos preços dos alimentos é devida a razões de ordem principalmente climática. Por que isso ocorre? É necessário que se diga claramente a verdadeira verdade. Isso ocorre devido principalmente à ação de especuladores nas bolsas de commodities, que compram papéis vinculados a produtos agrícolas no intuito de valorizá-los e de, assim, lucrar à custa dos povos, de lucrar à custa do povo, principalmente à custa dos mais pobres.

            Vamos raciocinar. Vocês não acham que é um absurdo haver inflação de alimentos em um país como o Brasil, que é o maior produtor de alimentos do Planeta? Não é absurdo haver inflação no preço de alimentos, de grãos de feijão, em um país como o Brasil, que é o maior produtor de feijão do Planeta? Não é absurdo haver inflação no preço do arroz em um país como o Brasil, que é o maior produtor de arroz do Planeta? Isso é um absurdo! Mas isso ocorre devido à atuação da especulação de commodities. Isso ocorre porque temos um modelo agrícola baseado na exportação.

            Bastava que adotássemos duas medidas básicas. A primeira delas é o incentivo à agricultura familiar, uma ação enérgica de apoio a um amplo programa de reforma agrária. A inflação se combate de duas formas. A melhor forma de combater a inflação não é com altas taxas de juros, fórmula que tem sido adotada ao longo dos últimos 20 anos como única ditadura de fórmula. Não se combate a inflação com mais juros, sempre com altas taxas de juros. Combate-se a inflação com duas medidas básicas: a primeira é a reforma agrária e o incentivo à agricultura familiar, e a segunda é a tributação na exportação, além, é claro, de redução dos preços administrados pelo Governo. Quais são os preços administrados pelo Governo? São os preços das tarifas de telefonia. São um absurdo as tarifas de telefonia em todo o País! Temos a Agência Nacional de Telecomunicações, que é subsidiária das teles. O Senado convoca seu Presidente para uma audiência pública, e ele, a seu bel-prazer, trata o Senado e seus Senadores como moleques. Ele manda o sub do sub do sub para a audiência pública e, por isso mesmo, fica.

            Mas, enfim, voltando ao assunto, o primeiro procedimento que se faz é que os preços administrados pelo Governo - tarifas de telefonia, de energia, de planos de saúde, de combustíveis, que sempre têm seus preços reajustados muito acima da inflação ao longo das décadas - passem a ser ajustados pelo Governo, que tem o controle.

            O que ocorre? Pudera os juros serem o único mecanismo de combate à inflação! O que resulta dessa política de juros como único mecanismo de combate à inflação? O que tem resultado disso? O que tem resultado é que as famílias brasileiras têm se endividado.

            Quero, Sr. Presidente, trazer aqui só um dado recente que confirma o que estou falando.

            Pesquisa divulgada hoje no Valor Econômico pela Allianz, divulgada hoje por Michael Heinze, economista chefe da Allianz, que liderou um estudo sobre a riqueza global “Políticas no Brasil”, indica concretamente que ampliou o grau de endividamento das famílias brasileiras.

            Diz essa pesquisa que a dívida do brasileiro vem crescendo a uma taxa anual de 18,2%, enquanto a média anual do crescimento do endividamento das famílias latino-americanas é de 16,6%.

            Isso significa que as famílias brasileiras são hoje as famílias mais endividadas da América Latina. Também pudera! Com uma taxa básica de juros, a taxa Selic, acima de 10% na média, ao longo de 20 anos, pudera! A família brasileira, o trabalhador brasileiro só pode ficar endividado.

            Veja, a taxa média de endividamento da família brasileira é de 18,2%. A média de endividamento das famílias latino-americanas é de 16,6%.

            Quem é que está pagando por isso? São as famílias, os trabalhadores brasileiros. Quem está pagando por isso? O mesmo jornal Valor Econômico indica quem está pagando por isso. No mesmo jornal Valor Econômco há uma outra matéria com o seguinte título: “Ricos da América Latina vão muito bem, obrigado”.

            E quem são os ricos da América Latina? Quem são os ricos do Brasil? São os ricos do mercado financeiro.

            Diz a mesma matéria: “As famílias brasileiras e da América Latina em geral atravessaram bem a crise de 2008”. É o que mostra um relatório da Allianz sobre a riqueza global. Eles estão falando das famílias ricas. Não estão falando do conjunto das famílias brasileiras, das famílias trabalhadoras.

Na América Latina, a fatia do Brasil equivale a 1,3 trilhão e a do México, 867 bilhões. Descontado o endividamento das famílias brasileiras, 732 bilhões, o País fica atrás do México, com 540 bilhões em ativos financeiros líquidos.

            Mais adiante diz a matéria:

Apesar de figurar como o segundo país mais rico da região [...] em termos per capita, o Brasil está bem atrás[...] Os ativos financeiros líquidos, por brasileiro, são de €2,730, muito abaixo dos €6,110 do mexicano e dos €10,170 do chileno. No topo do ranking está a Suíça, com ativos líquidos per capita de €141.895.

            Os dados aqui apresentados pelo jornal Valor Econômico apontam claramente o seguinte: que o acúmulo da riqueza ao longo desses 20 anos na América Latina tem ficado em especial com os ricos, no Brasil e no México. Em especial, quem tem ficado mais rico no Brasil tem sido aqueles do mercado financeiro.

            Tem havido aumento da desigualdade no País, em especial devido ao fato de que o mercado financeiro tem lucrado por estarmos praticando um dos juros mais aviltantes do Planeta.

            As matérias de hoje do Valor Econômico mostram concretamente o aprofundamento da desigualdade em nosso País. Esse aprofundamento da desigualdade tem sido praticado concretamente devido a termos um País que pratica uma das maiores taxas de juros.

            Para que vai servir, Sr. Presidente, essa proposta de autonomia do Banco Central? A autonomia do Banco Central é autonomia em relação ao Estado. Na verdade, é submissão em relação ao mercado financeiro. Essa pretensa proposta de autonomia é para que o Banco Central fique submetido ao mercado financeiro, para que o nosso País continue a praticar essa taxa de juros, que é a maior do Planeta; para que não haja controle das autoridades brasileiras e da sociedade brasileira sobre o Banco Central; para que não haja nenhum tipo de controle do Estado brasileiro sobre o seu Banco Central.

            As altas taxas de juros servem, na realidade, Sr. Presidente, como já aqui demonstrei, para beneficiar o setor financeiro, que, obviamente, só lucra com os juros altos. É preciso falar claramente o bom Português. Essa independência ou autonomia somente serve e interessa aos rentistas do capital financeiro.

(Soa a campainha.)

            Não existe nada de independência concretamente. Independência existirá. É independência em relação à soberania do Estado brasileiro, é independência em relação ao Governo brasileiro, é independência em relação à sociedade brasileira. É, na verdade, dependência em relação ao, abro aspas, “mercado”, porque, na verdade, é dependência em relação aos rentistas do mercado financeiro.

            Por isso, Sr. Presidente, essa nova dependência que querem, do Banco Central, é para manter esse grau de dependência do Brasil a essa taxa de juros aviltante que o Brasil não pode continuar praticando. O Brasil não pode fechar um novo ciclo econômico continuando a praticar as mais altas taxas de juros do Planeta.

            O nosso problema, Sr. Presidente, não está mais na estabilidade. O nosso problema está em continuar a transferir recursos para os rentistas do capital financeiro; o nosso problema está na falta de coragem de romper com isso; o nosso problema está na falta de coragem de mudar o modelo de desenvolvimento econômico, de não ter coragem de construir um modelo que aponte para a necessidade de crescimento econômico, para a necessidade de transferência de renda para a ampla maioria da sociedade e do povo brasileiro.

            Vejam os dados de hoje - falo isso para concluir - do Valor Econômico, que apontam claramente que estamos na condição de segundo país mais rico da América Latina, de segundo país que mais cresceu na América Latina, mas continuamos na condição de país mais desigual da América Latina.

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) -

            Os dados de hoje do Valor Econômico apontam claramente que o nosso País continua crescendo muito bem, mas continua muito desigual e continua com a renda muito concentrada e com a família brasileira muito endividada. E a família brasileira continuará muito endividada enquanto continuarmos a praticar essa altíssima taxa de juros.

            Nós votaremos contra esse projeto, porque não é um projeto de independência, não é um projeto de autonomia. É um projeto de dependência em relação ao mercado financeiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2013 - Página 77384