Discurso durante a 192ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a propagação de abatedouros clandestinos no Brasil.

Autor
Blairo Maggi (PR - Partido Liberal/MT)
Nome completo: Blairo Borges Maggi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PECUARIA, POLITICA SANITARIA.:
  • Preocupação com a propagação de abatedouros clandestinos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2013 - Página 77408
Assunto
Outros > PECUARIA, POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • CRESCIMENTO, PRODUÇÃO AGROPECUARIA, CONSUMO, CARNE BOVINA, CRITICA, AUMENTO, MATADOURO, CLANDESTINIDADE, FISCALIZAÇÃO, DESOBEDIENCIA, NORMAS, SANITARIO, HIGIENE.

            O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, uma grave questão tem preocupado a população brasileira e gerado temor quanto à segurança alimentar de todos nós: refiro-me ao consumo de carne bovina. Somos, hoje, o terceiro País no mundo em termos de consumo per capita do produto.

            A produção, em atendimento a uma intensa demanda, não para de crescer. Ocorre que os níveis de exigência do consumidor têm crescido em proporção similar, ao passo que a oferta ainda carece de estrita obediência aos parâmetros fitossanitários e higiênicos determinados pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento.

            O setor produtivo brasileiro ligado ao sistema agroindustrial da carne bovina, por sua vez, mostra-se insatisfeito com a propagação dos abatedouros clandestinos.

            O nosso País possui o maior rebanho comercial de gado do mundo, e tornamo-nos, nos últimos anos, o maior exportador mundial dessa carne. Mais que isso, a qualidade de nosso produto e os investimentos em tecnologia nos conferiram competitividade em nível internacional, e, por isso, os resultados continuam aparecendo. Em 2013, tivemos crescimento de 19% nas exportações, no período compreendido entre janeiro e setembro.

            No meu Estado de Mato Grosso, as vendas para o exterior igualmente se têm expandido, de forma gradativa. De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Fazenda, no acumulado de julho, agosto e setembro deste ano, embarcamos um volume 21,52% superior ao do mesmo trimestre do ano de 2012.

            Contudo, esse panorama de boas notícias está sendo afetado violentamente pelo abate clandestino. Com efeito, é como se mantivéssemos, em paralelo, a modernidade e o atraso; o fiel cumprimento da legislação e a ausência do Estado; a saúde e a doença.

            De um lado, existe um complexo agroindustrial moderno e dinâmico, no qual as cadeias produtivas se encontram integradas desde o abate até a distribuição, além de estarem organizadas em moldes logísticos, tecnológicos e sanitários rigorosamente em acordo com a legislação em vigor.

            De outro lado, apresenta-se um quadro dramaticamente negativo, em que inexistem condições de salubridade e higiene, ou qualquer forma de fiscalização ou controle. Nesse lado medieval, além dos graves problemas à saúde das pessoas, sobeja a sonegação de impostos.

            Uma simples busca pelos jornais, revistas e sites de todas as regiões do Brasil demonstra que o problema está disseminado. Estima-se que 30% da carne bovina consumida no País provenha de abatedouros clandestinos. Esse quantitativo é menor no Sul, em torno de 20%, e maior no Norte e Nordeste, girando entre 30% e 40%.

            Em alguns estados da Federação, a suspeita é que mais da metade da carne bovina seja oriunda de abates irregulares.

            Srªs e Srs. Senadores, a situação é realmente preocupante. A Revista Veja percorreu 5 estados, em março de 2013, visitou inúmeros matadouros municipais e estaduais e constatou que, abro aspas: "Mais de 30% da carne vendida no Brasil é clandestina - o que significa que não passa por fiscalização.n É freqüentemente produzida sob péssimas condições de higiene e apresenta enorme probabilidade de estar contaminada por bactérias e vermes causadores de doenças como a salmonelose e a teníase".

            Já o programa televisivo "Fantástico", da Rede Globo, mostrou, no dia 10 de março, imagens chocantes de abate cruel, falta de higiene e irregularidades de toda ordem.

            Inclusive no dia 09 de abril deste ano, realizamos nesta Comissão uma audiência pública, por mim requerida, com o objetivo de discutir as denúncias veiculadas por esse programa em relação às condições dos abatedouros bovinos no Brasil.

            Essa audiência contou com presença do

            * Sr. Luiz Fernando Mainardi - Secretário de Estado da Agricultura, Pecuária e Agronegócio do Estado do Rio Grande do Sul;

            * Sra. Mônica Bergamaschi - Secretária de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo;

            * Sr. Meraldo Figueiredo Sá - Secretário de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar do Estado do Mato Grosso;

            * Sr. Antônio Flávio Camilo de Lima - Secretário de Agricultura, Pecuária e Irrigação do Estado de Goiás;

            * Sra. Cristyanne Barbosa Taques - Diretora de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal e Animal - DIPOVA - da Secretaria de Estado de Agricultura do DF;

            * Sr. Roberto Smeraldi - Presidente - Amigos da Terra -Amazônia Brasileira;

            * Sr. Benedito Fortes de Arruda - Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária - CFMV;

            * Sr. Enio Antônio Marques Pereira - Secretário de Defesa Agropecuária - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - SDA/MAPA;

            * Sr. Francisco Saraiva da Silva Júnior - Presidente da União Nacional dos Fiscais Agropecuários;

            * Sra. Maria Auxiliadora Pereira Rocha Diniz - Diretora Técnica do Indea - MT;

            * Sr. Heinz Otto Hell Wig - Coordenador da Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo

            Enquanto a indústria frigorífica moderna investe em tecnologia e processos de higidez, sofre inspeção freqüente e rigorosa e cumpre com todas as obrigações fiscais e trabalhistas, o subterrâneo mundo do abate clandestino constitui terra franca para todas as irregularidades possíveis, o que resulta em forte revés para as políticas públicas de saúde alimentar humana e saúde animal.

            Os frigoríficos brasileiros são, hoje, grandes corporações de porte global, o que se traduz em melhorias nos produtos e na saúde da população que os consome - e é chocante que tenham de concorrer com matadouros primitivos.

            O mercado interno, vale dizer, as nossas famílias, é quem mais sofre os efeitos deletérios advindos de alimentos de origem desconhecida, processados de forma rudimentar, transportados em condições precárias e sem refrigeração controlada. Mas isso não é tudo. Como não há fiscalização, não é difícil imaginar que as reses são criadas à base de alimentação precária, sem qualquer controle veterinário, incluindo as vacinas. Obviamente, tais condições, aliadas ao não pagamento de impostos, resultam em melhor preço nos postos de venda, gerando concorrência desleal. Além disso, condições socioeconômicas, fatores culturais e desconhecimento dos riscos contribuem para que a carne clandestina ainda seja largamente comercializada em muitas regiões.

            Sr. Presidente, a lista de problemas trazidos pelo abate clandestino é extensa. O Ministério Público Federal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis e o Ministério Público do Trabalho, conjuntamente, propuseram ação contra 26 frigoríficos dos estados de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas. As investigações identificaram cerca de 60 mil animais criados em fazendas irregulares, e os donos dos frigoríficos foram acusados de devastação florestal, uso de trabalho escravo e violação de direitos indígenas.

            Aqui no Senado Federal, na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, que tenho a honra de presidir, convocamos Audiência Pública para debater o tema com autoridades e especialistas no assunto. A constatação inicial é que é preciso estabelecer e impor um padrão para unificar os procedimentos em todo o território nacional, uma vez que os abatedouros dos pequenos municípios não seguem regras sanitárias adequadas.

            O então secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Doutor Ênio Antônio Marques Pereira, esteve presente à Audiência Pública. A autoridade informou que o governo federal está trabalhando para implementar regras mínimas comuns para todas as esferas governamentais.

            Quero dizer que julgo positiva a intenção do governo, mas chamo a atenção para o fato de que há um grave problema relacionado a custos de instalações e de equipamentos necessários ao atendimento às regras de higiene, muitas vezes proibitivos para pequenos frigoríficos. Outro ponto é o que concerne às dificuldades das prefeituras em fiscalizar um grande número de abatedouros. Torna-se imperativo ampliar os repasses da União para que tais prefeituras possam contratar, mediante concurso público, como reza a Constituição, profissionais veterinários para realizar fiscalizações permanentes nos abatedouros municipais.

            Outras medidas foram sugeridas pelos secretários estaduais de agricultura. Meraldo Figueiredo Sá, Secretário de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar de Mato Grosso, propôs a implantação de consórcios intermunicipais para formar abatedouros com atuação regional. Segundo ele, abro aspas: "Os consórcios tornam o investimento rentável e tiram muitos abatedouros da clandestinidade". Para Luiz Fernando Mainardi, do Rio Grande do Sul, sistemas de rastreamento do rebanho deveriam ser obrigatórios em todo o País, como forma de acabar com abate clandestino de animais. Já Mônica Bergamaschi, do Estado de São Paulo, ressaltou que só existe abate clandestino porque há comércio clandestino e consumidores para o produto irregular. A solução passaria, portanto, pela integração do trabalho de fiscalização de abatedouros com o da vigilância sanitária nos pontos de venda a varejo, além de campanhas dirigidas aos consumidores.

            Recordo-me, ainda, Senhoras e Senhores Senadores, de iniciativas regionais bem-sucedidas, como a implementação de "Projeto de entreposto frigorífico modular" pelo governo da Bahia, estado que muito sofre com o problema do abate clandestino. O projeto consiste na "construção de entrepostos frigoríficos nas proximidades do comércio varejista local, com estrutura e instalações adequadas, visando manter a segurança alimentar na cadeia de distribuição e comercialização, propiciando uma distribuição racional no comércio varejista". Trata-se de mais um elo necessário numa cadeia que não pode apresentar fragilidades, sob pena de pôr em risco a saúde da população.

            Senhor Presidente, é em nome dessa população que se encontra sob risco que precisamos somar esforços para coibir a oferta ilegal de carne bovina. É preciso intensificar a atuação dos órgãos de fiscalização e, se necessário, fechar os abatedouros irregulares; é indispensável impor medidas padronizadas de assepsia e controle de doenças transmissíveis pela carne; é preciso, por fim, aumentar o repasse de verbas federais para viabilizar essas ações, sem prejuízo de outras medidas que se fizerem necessárias.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2013 - Página 77408