Discurso durante a 199ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico proposto pelo GDF; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Críticas ao Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico proposto pelo GDF; e outro assunto.
Aparteantes
Rodrigo Rollemberg.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2013 - Página 80439
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, ALTERAÇÃO, PLANO, PRESERVAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, BRASILIA (DF), DESCARACTERIZAÇÃO, PLANO URBANISTICO, RISCOS, RETIRADA, RELAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), EXISTENCIA, CORRUPÇÃO, LIGAÇÃO, MERCADO IMOBILIARIO, PEDIDO, ESCLARECIMENTOS, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, antes de entrar no assunto que me traz hoje aqui, queria comentar a fala do Senador Rubem Figueiró.

            O Brasil tem poucas áreas de excelência, raríssimas. Uma delas é o quadro de servidores do Senado Federal e - eu diria - também da Câmara Federal, entre outras entidades - não somos os únicos. Aqui existe um bom quadro de funcionários. E será uma grande pena se, por omissão de muitos de nós, Senadores, esse sistema tão bem montado for desperdiçado, desarticulado. Daí minha solidariedade à sua fala e à sua referência ao discurso de ontem da Senadora Ana Amélia.

            O segundo é a Embrapa; o Brasil é um dos países mais atrasados do mundo entre aqueles que têm dimensão para estarem na vanguarda. Nós não abrimos as cinco portas que permitem transformar este País em um país inovativo. São cinco portas que nós precisamos abrir: a porta da educação de base, a porta das universidades e institutos de pesquisa, a porta de uma vontade nacional de querer deixar de investir no imediato para investir no futuro, a porta do setor industrial que de fato queira ser inovador - que o Brasil não tem -, e finalmente instituições sólidas que façam com que os que trabalham nas universidades e nos institutos de pesquisas saibam o que vai acontecer nos próximos anos, que não precisem ficar fazendo greve para recuperar salários, não precisem fazer manifestações para novos planos de cargos e salários. Estabilidade, tranquilidade. O trabalho intelectual exige tranquilidade, e isso está faltando no Brasil. E uma prova é a tensão em que vive qualquer funcionário professor de universidade, qualquer funcionário professor dos institutos de pesquisa sem saber se, no ano seguinte, terá as verbas necessárias.

            A Embrapa é uma das três grandes instituições que o Brasil tem, em vez de ter duzentas, Senador Rodrigo Rollemberg. As três são: o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e o CTA; a Fiocruz e a Embrapa. De repente a Embrapa entra em dificuldades - o ITA passou por isso faz dois ou três anos, tendo de recorrer a nós, Senadores, para emendas particulares que permitissem sair daquela situação. Eu me solidarizo plenamente, e acho que é uma luta nacional podermos garantir que a Embrapa não apenas sobreviva, mas cresça.

            E é nessa mesma linha Senador Rodrigo, de um patrimônio nacional ameaçado, como está a Embrapa, que eu falo aqui hoje. Só que eu vou falar dessa ameaça a um patrimônio nacional falando de corrupção. Há três tipos de corrupção: aquela corrupção do político que põe dinheiro no bolso e na sua conta; aquela corrupção até de não pôr dinheiro no bolso, mas de fazer leis que são contra os interesses nacionais, contra os interesses das grandes massas do País; e a terceira, que faz coisas contra o interesse nacional ganhando dinheiro.

            Nós estamos hoje vivendo em Brasília, pelo menos, o segundo tipo de corrupção. O Governo do Distrito Federal e, portanto, nós todos, do Distrito Federal - aqui está o Senador Rodrigo, que é um dos Senadores, e eu próprio -, estamos, se ficarmos omissos, ajudando a cometer um ato de corrupção contra o Brasil, porque Brasília não é uma cidade como qualquer outra que possa dizer que tem autonomia. Não, Brasília é a Capital de todos os brasileiros.

            As outras cidades foram construídas pelos seus pioneiros; Brasília, pelos seus pioneiros e pelo Brasil inteiro, que pagou a sua construção. E, até hoje, é preciso que nós, de Brasília, sempre digamos obrigado ao Brasil, porque a saúde, a educação, a segurança em Brasília são financiadas graças a um fundo constitucional.

            O Brasil reconhece que Brasília é um patrimônio do Brasil e, por isso, todos os anos, transfere uma quantidade de recursos do Tesouro Nacional para fazer funcionar o Distrito Federal. Em troca, o que o Brasil quer? O Brasil quer que cuidemos bem de Brasília. E, aí, não quero confundir a Brasília da política, porque, hoje, quando se fala em Brasília, se pensa na política, mas falo da Brasília patrimônio histórico mundial, da Brasília urbanística, da Brasília arquitetônica, da Brasília que é um orgulho do Brasil no mundo, porque é um dos raros patrimônios históricos da humanidade e o único novo que não virou patrimônio pela idade, mas pela genialidade com que foi feita.

            O Brasil tem direito de exigir que nós, os brasilenses, cuidemos bem de Brasília. Se não cuidarmos bem de Brasília, nós brasilenses cometeremos um ato de corrupção. E o Governo, hoje, está cometendo esse ato. Não a corrupção - depois falo nisso - do enriquecimento ilícito, mas a corrupção da deturpação das coisas corretas, certas, de que a gente precisa. Isso está sendo feito por meio de uma coisa que tem uma sigla muito complicada: PPCUB, conhecido aqui por todos nós como “PPCub”, que quer dizer, Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o plano diretor da cidade, aquilo que justificou que Brasília entrasse no rol dos patrimônios históricos da humanidade e aquilo que permite, assegura, garante que Brasília continue sendo um patrimônio histórico da humanidade e do Brasil.

            Pois bem, o que a gente está vendo hoje é a tentativa de deformar esse traçado urbanístico, colocando em ameaça o reconhecimento da Unesco, como patrimônio histórico da humanidade. E uma Comissão da Unesco já veio a Brasília e saiu daqui muito preocupada com o seu futuro urbanístico. E muito preocupada, a Unesco, com o risco de ter que desqualificar Brasília, retirar Brasília da lista dos patrimônios históricos da humanidade, que é um conjunto privilegiado.

            É preciso dizer, Senador, que não havia ainda esse conceito, mas, até nas guerras, salvaram algumas cidades: Hitler não bombardeou Paris, e os Aliados não bombardearam Heidelberg, mantiveram-nas. E nós aqui em Brasília, por conta do Governo atual, talvez estejamos bombardeando o plano urbanístico de Brasília.

            O PPCUB, esse Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, deveria aperfeiçoar a cidade, corrigindo seus problemas e estimulando suas qualidades - estimulando suas qualidades. Entretanto, o que estamos percebendo com a proposta que fez o Governo do Distrito Federal, o Governo do Sr. Agnelo Queiroz, e que está em discussão na nossa assembleia legislativa, que aqui se chama Câmara Legislativa, é que é uma verdadeira caixa preta, que está desperdiçando a chance de melhorar Brasília, mantendo o respeito àquilo que ela tem que lhe permite ser patrimônio histórico da humanidade.

            O PPCUB está sendo usado para alterar usos do traçado urbanístico, para criar lotes onde não havia previsão para isso.

            Senador, esta aqui é a famosa Esplanada dos Ministérios, que todos os dias se vê na televisão. Do outro lado, quando ela continua, está sendo ameaçado de se colocarem lojas, barracas e outras coisas em plena Esplanada dos Ministérios, só que do outro lado da Torre de Televisão.

            Aumentar a altura de prédios. Uma das características de Brasília é o respeito a um limite máximo, que mantém o tom bucólico. Como dizia Lúcio Costa, os prédios têm que ser de uma altura que a mãe, do último andar, consiga falar com o menino lá embaixo, para dizer que está na hora do jantar. Isso não dá em vinte andares, a não ser que se use celular. Ele determinou um padrão. Esse padrão irrita os especuladores imobiliários, porque eles ganham muito mais quando o gabarito é alto. Pois bem, está se propondo aumentar a altura dos prédios. São diversas alterações em toda a cidade e sem os devidos esclarecimentos à população.

            Eu sou Senador da República. O Senador Rodrigo é um Senador da República pelo Distrito Federal. Nós não estamos a par dos detalhes, porque fizeram um emaranhado tão confuso de propostas que a gente não consegue entender direito. São 247 artigos. Vou repetir: 247 artigos, mais de 10 anexos com mapas e documentos. Um único dos anexos tem 70 planilhas! Cada uma dessas planilhas é bastante extensa, por vezes tratando de vários assuntos simultaneamente. A sensação que a gente tem, quando começa a olhar isso, é a de que uma quantidade de contrabandos está sendo colocada ali dentro - depois vou falar do terceiro tipo de corrupção. Em momento algum, o Distrito Federal elaborou uma tabela comparativa que mostrasse o que é hoje a cidade e o que será depois, com clareza. Ninguém está sabendo exatamente como ela será transformada. Ninguém está vendo qual é a cara que ela terá depois dessa cirurgia plástica que estão querendo fazer sobre o traçado de Brasília.

            Nós temos tentado analisar isso, mas o governo está alterando sem comparar com a situação original. Além da complexidade do conteúdo, todo o processo de elaboração foi extremamente tumultuado e açodado. Como é que a gente trata um patrimônio histórico de maneira açodada? Como é que a gente faria uma reforma urbanística em Ouro Preto de uma maneira açodada? - esse é outro patrimônio histórico do Brasil urbano.

            Para mostrar isso, as alterações propostas no tal PPCUB não estão claras nem para os especialistas, arquitetos e urbanistas, muito menos para a população. De onde eu concluo que não estão claras para os especialistas? É que eles estão protestando. A Ordem, institutos de Arquitetura, sindicatos de arquitetos estão reclamando que não conseguem obter as informações corretas. As audiências feitas não foram didáticas, pois praticamente não falaram das planilhas, não explicitaram realmente para a população o que estava sendo decidido. Estão tentando fazer uma cirurgia plástica sem dizer como vai ser o rosto da dama no final da cirurgia.

            As audiências públicas deveriam tratar de trechos da cidade de cada vez, pedacinho por pedacinho, discutindo, de forma séria e didática, o que está sendo proposto, mas a audiência pública não deveria tratar da cidade inteira em uma manhã ou tarde, como foi feito até agora: em uma manhã ou tarde, um assunto tão complexo foi colocado em discussão por algumas pessoas, sem o cuidado devido do que será essa cidade depois.

            O PPCUB, mais um problema, ainda precisa de muita discussão. Não está amadurecido para ser votado como já está para ser votado, porque foi enviado o projeto e pedida a urgência, o que determinaria que, em 45 dias, o plano fosse aprovado.

            O que mais merece ser destacado nos problemas do PPCUB é que, em abril de 2012, uma missão de monitoramento da Unesco visitou Brasília para avaliar a inclusão da cidade na lista de Patrimônio Histórico Mundial e colocá-la na lista dos patrimônios em risco, o que seria uma desmoralização total! Na véspera da Copa do Mundo, uma das poucas cidades nossas patrimônio histórico entraria na lista de patrimônio em risco. Os pobres turistas já vêm aqui em risco de serem assaltados e ainda teriam de vir aqui em risco de receberem a propaganda da agência de turismo de que visitariam um patrimônio histórico e de descobrir que esse patrimônio histórico está em risco.

            Essa missão da Unesco deixou algumas recomendações: cancelar o processo de aprovação atual e estabelecer um processo formal de consulta, por meio de uma comissão constituída pelo próprio Governo Federal, o Instituto do Patrimônio Histórico, a Universidade de Brasília, o Instituto de Arquitetos do Brasil e organizações pertencentes à comunidade. Os resultados seriam submetidos ao Comitê do Patrimônio Mundial para a sua avaliação em Paris, onde fica a Unesco.

            Essa grave recomendação nunca foi atendida pelo Governo do Distrito Federal. A sensação é de que não atenderam porque têm interesse em esconder o que está sendo feito. Agora que está na Câmara Legislativa, quase que está ficando tarde para a gente analisar, rever, modificar. Daí a minha indignação com o que está sendo feito.

            O que nós queremos - e aqui falo em nome da sociedade que me elegeu - é que o Governo do Distrito Federal esclareça o que está propondo. Esclareça, mostre-nos por meio de tabelas comparativas entre o que é e o que será a cidade depois desse novo plano. Que o Governo pare pelo menos uma coisa absurda, que é transformar uma quadra, chamada 901 Norte, em um setor hoteleiro, de prédios com altos andares, aqui ao lado, a 3km ou 4km daqui. Não tem sentido! Não foi para isso que foi feito, nem para ter essa altura aqui dentro, tampouco para ter esse uso ali naquela parte.

            Terceiro, que a recomendação da Unesco seja acatada, ou seja, que o PPCUB seja paralisado e rediscutido por uma Comissão composta pelo Governo Federal, o IPHAN, a Universidade de Brasília, o IAB e a sociedade civil, permitindo um debate sério e transparente que esclareça os motivos e as intenções de tantas alterações que estão sendo propostas.

            Dito isso, Senador Ruben, quero deixar clara a minha sensação de que está havendo um ato de profunda corrupção nas prioridades, de profunda corrupção no roubo do título de Patrimônio Histórico Mundial de Brasília - isso é roubo! Roubo não é só colocar dinheiro na conta bancária dos dirigentes: roubo é o dirigente fazer as coisas erradas. Esse segundo tipo de corrupção, que nós sabemos está sendo cometido, exige de nós alertarmos que talvez esteja sendo cometido o terceiro tipo de corrupção, que é a corrupção em que as leis são modificadas para que alguém enriqueça.

            E nós estamos vivendo, desde antes de ontem, a prova disso, não pelo PPCUB, mas pelo comportamento do atual governo quando a Polícia Federal teve que prender o prefeito, que aqui chamamos de administrador, de uma das cidades, cidade de 350 mil habitantes, Taguatinga. Não é uma cidade pequena. O prefeito foi procurado, e não só ele, um outro, porque liberava a altura de prédios fora da lei em troca de propina recebida de empresário do setor imobiliário.

            Não há dúvida do segundo tipo de corrupção: o uso da lei para descaracterizar uma cidade que é patrimônio. E há suspeitas, fortes suspeitas, de que grande parte dessas modificações vão servir aos interesses dos setores imobiliários especuladores. E não há dúvida de que, se eles vão ganhar um dinheiro com isso, provavelmente, quem autorizou ganhará também.

            Há suspeitas de que há, sim, pagamento provável, promessas de pagamento futuro em troca da aprovação de pelo menos algumas dessas mudanças, ou de financiamento de campanhas, que é outra forma de corrupção chamada por aí de caixa dois, porque o Brasil é um país que cria sofismas. Roubo da contribuição de campanha a gente chama caixa dois, roubo de dinheiro público a gente chama corrupção.

            Tudo isso tem uma palavra só: roubo! Tão simples, cinco letras. Não precisa o número de letras de corrupção, não precisa do número de letras de dizer que isso daí é um simples ato chamado caixa dois. Isso é roubo, e nós estamos assistindo a isso. Pelo menos, alguns de nós estão protestando e lutando contra. Estamos trabalhando junto com os órgãos que querem participar disso, que não têm nada a ver com a política, como o IAB, dos arquitetos - que quer, sim, a proteção -, como a Universidade de Brasília. A Universidade de Brasília tem o seu instituto de arquitetura e urbanismo respeitado no mundo inteiro querendo participar, entender, sugerir e, sobretudo, evitar a tragédia do roubo de descaracterização de Brasília.

            Brasília deve ao Brasil sua criação e sua manutenção. O preço que nós pagamos, além de sediar a capital, é dizer ao Brasil inteiro: “Vocês, graças a nós que aqui moramos e zelamos pela cidade, têm um Patrimônio Mundial”. Somos nós que zelamos pelo patrimônio mundial, como os moradores de Foz do Iguaçu zelam pelo patrimônio natural, como os moradores de Ouro Preto zelam pelo patrimônio urbanístico de Ouro Preto, pela manutenção daquela cidade como ela é. Se os especuladores imobiliários pudessem, derrubariam todos aqueles prédios que eles consideram velhos, não antigos, não históricos. Se pudessem, derrubariam todos aqueles prédios de Ouro Preto, construiriam ali arranha-céus e iam ganhar um dinheirão, mas a população de Ouro Preto paga um preço em certas inibições de conforto para manter aquilo como um Patrimônio Histórico Mundial dentro do território brasileiro. Nós de Brasília temos a obrigação de fazer o mesmo.

            E o Governo do Distrito Federal está fugindo da sua responsabilidade e, talvez pior que irresponsabilidade, está sendo conivente com alguma negociata, de que ninguém tem certeza para dizer, mas, mesmo assim, nós temos obrigação de alertar.

            Era isso, Sr. Presidente, Sr. Senador, que eu queria colocar nesta manhã.

            Mas fico muito feliz de passar a palavra ao Senador Rodrigo Rollemberg, que tem sido um dos defensores de Brasília como Patrimônio Histórico da Humanidade.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco Apoio Governo/PSB - DF) - Muito obrigado, Senador Cristovam. Eu vou ser muito breve, porque ocuparei a tribuna em seguida para tratar desse mesmo tema, aproveitando a inspiração que V. Exª traz na manhã de hoje. Logo em seguida, também tenho uma reunião com vários representantes de entidades que trabalham pela preservação de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade, exatamente para podermos refletir conjuntamente o que fazer para evitar essa agressão a Brasília. Ontem, ocupei a tribuna, Senador Cristovam, para mostrar que, na verdade, nós estamos vivendo a falência de um governo no Distrito Federal. Eu trouxe três dados ontem que exemplificam isso, e V. Exª agora agrega essa questão do patrimônio à que vou me referir. Notícia ontem do Correio Braziliense mostrava os dados do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, onde se podia ver um aumento de 9,9% das mortes violentas intencionais no Distrito Federal de 2011 para 2012. Outro dado da própria Secretaria de Saúde demonstrava um aumento de 1.300% nos casos de dengue no Distrito Federal. Cresceram de 600 e poucos casos, salvo engano, para 8.000 casos de dengue no ano seguinte. E citava um terceiro caso de uma adolescente de 15 anos, grávida, que depois de passar seis horas em um hospital e não conseguir atendimento, acabou sendo presa; perdeu a paciência, agrediu, perdeu o controle e acabou sendo levada presa. Isso demonstra... Ontem também me referi à prisão de dois administradores regionais, e V. Exª hoje traz esse tema do PPCUB. Realmente, é lamentável. É a falência completa do Governo do Distrito Federal e, ao mesmo tempo, é uma percepção da falta... Fico impressionado com a falta de visão histórica do Governador Agnelo e do seu governo, dos membros do seu governo, em não perceberem o que é Brasília. Esse plano, de preservação não tem nada. Ele é um plano de profundas alterações na proposta urbanística do Distrito Federal. É uma insensatez. Mas a melhor sugestão veio de uma cidadã, que é do Movimento em Defesa de Brasília e que faz parte hoje da sua equipe, a Leiliane, que estava acompanhando a reunião e sempre tem se posicionado de forma firme em defesa da preservação. E ela deu uma sugestão que devemos defender na bancada, já que teremos uma reunião da bancada na semana que vem para definir o que fazermos. Devemos ir à Presidenta da República, porque Brasília é Patrimônio Cultural da Humanidade. Brasília é um tombamento federal. Temos a obrigação, Senador Cristovam, como estamos fazendo neste momento, de pensar em que outros desdobramentos podemos fazer, e temos que trazer este debate para o âmbito do Senado. Se o Governo do Distrito Federal não tem essa sensibilidade, nós temos essa responsabilidade, porque, como V. Exª disse, além de Brasília ser Patrimônio Cultural da Humanidade, Brasília também é fruto de um tombamento federal. O Governador José Aparecido teve essa percepção naquele momento. E nós devemos render tributos para sempre a José Aparecido, porque ele teve a percepção do que significava Brasília como obra cultural, como obra histórica, como uma obra marcante para a humanidade. Infelizmente, o Governador do Distrito Federal propõe um plano de preservação, que de preservação não tem nada, que faz profundas alterações, curvando-se aos interesses da especulação imobiliária. Isso é fato! Isso é fato! E é o fato que explica o que aconteceu com os administradores regionais. A lógica é a mesma: a submissão à especulação imobiliária. Deixa os interesses da cidade de lado, se lixa para o futuro do Distrito Federal, para se submeter aos interesses da especulação imobiliária, lá nas cidades onde aconteceram as prisões dos administradores e aqui, no Plano Piloto. Esse é o fato. Como é que nós vamos imaginar que, nesta cidade, todos os lotes, Cristovam, de escolas, de escolas parques, de equipamentos institucionais, nas superquadras, nas entrequadras, no Setor Sudoeste, o Governo está disponibilizando isso para a iniciativa privada? Isto está no PPCUB: o adensamento, a transformação de terrenos de oito clubes em hotéis. Quem vai ganhar com isso? Quais são os clubes que estão sendo escolhidos? Isso vai dar aos outros o direito de reivindicarem a mesma coisa. E acabou-se a escala bucólica de Brasília, acabou-se o horizonte em relação ao Lago Paranoá. E nós ainda temos aqui, apenas no Setor Hoteleiro Sul e no Setor Hoteleiro Norte, 13 projeções para serem construídas. O Governo está propondo áreas comerciais no Eixo Monumental, da Praça do Cruzeiro, do Memorial JK até a Rodoferroviária. Será que é outro McDonald’s que querem colocar ali? Realmente, eu fico impressionado, Cristovam. Senador Cristovam, eu acho que as pessoas estão perdendo o limite das coisas. Estão perdendo o limite das coisas! Portanto, como eu não acredito mais em sensibilidade nenhuma por parte do Governado do Distrito Federal, porque eu acho que o Governo daqui está de cócoras para a especulação imobiliária, nós temos que fazer um último gesto, que tem que ser da Presidenta da República. Eu gostaria de saber qual é a opinião da Presidenta da República sobre esse processo de destruição de Brasília proposto pelo Senador Agnelo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Agradeço, Senador.

            Nessa linha, antes de concluir, quero ler aqui uma carta que recebi da Srª Maria Elisa, que é filha de Lúcio Costa.

            Maria Elisa Costa diz:

Estou abismada com o nível a que chegou a desenvoltura do Governo do Distrito Federal ao propor intervenções absolutamente incompatíveis com a preservação de identidade original do Plano Piloto de Brasília e seu Entorno. E me pergunto: será possível que esqueçam tão facilmente que Brasília é a capital DO BRASIL [em maiúsculo], e não de um Estado da Federação de nome Distrito Federal, e que a sua simples existência foi uma realização extraordinária da Nação brasileira? Como se permitem fazer de conta que não existe tombamento [...]?

            O que escutei é que o Secretário encarregado dessa área, o Deputado Geraldo Magela, teria dito que está “se lixando” para o Patrimônio Histórico, “se lixando” para a UNESCO, que não tem nenhuma obrigação. Eu não ouvi isso dele, mas pessoas que estavam em reuniões ouviram-no dizer isso.

            Prossigo:

[...] e que a legislação do tombamento é de mentira? Será que podem imaginar isso? Que Brasília é uma banalidade? É preciso dar um basta nessa atitude. Vamos considerar o Plano Piloto e seu Entorno, deixando Brasília em paz e cuidando direito do que eu chamo a Grande Brasília.

            Brasília pode manter-se como é. E ao redor temos áreas para fazer toda a parte de modernização, como se chama.

            Uma vez, fiz um recorrido de helicóptero, quando era Governador, com um grande escritor, e ele me disse uma coisa interessantíssima. Quando vínhamos de Taguatinga para o Plano Piloto e víamos Taguatinga com aqueles edifícios, ele disse: “dentro de cem anos, Brasília será considerada a parte tradicional antiga; Taguatinga será considerada a parte nova e moderna”. E eu disse: era isso mesmo que a gente queria quando transformamos Brasília em Patrimônio Histórico.

            Ouro Preto existe porque é como era no século XVIII, e não pelo que fizeram dela no século XXI.

            “Permita-me” - ela diz - “anexar um documento”. Muito bonito. Não vou lê-lo todo aqui porque não daria tempo. E, com isso, ela conclui sugerindo que nós lutemos para não deixar que isso aconteça.

            Agora, se nós fracassarmos, quero pedir que, pelo menos, esse pessoal tenha uma honestidade intelectual e mude o nome, tirando o P de preservação do PPCUB, e trocando pelo D de devassidão, do Conjunto Urbanístico de Brasília, passando a se chamar PDCUB. Com D de devassidão, que é o que eles querem fazer. E é capaz de ganharem mais uma boquinha pegando dinheiro pelo marketing de uma cerveja que tem por aí.

            Não podemos deixar que saia um plano de devassidão com o nome de plano de conservação. Nós brasilienses temos a obrigação, diante do Brasil e do mundo, de zelarmos por um patrimônio que é da humanidade, que não é só nossa moradia, mas que é nossa moradia e um patrimônio da humanidade. Assim como aquele que mora lá no meio da Floresta Amazônica não tem o direito de sair queimando tudo, porque aquilo é um patrimônio da humanidade inteira. Da mesma maneira que quem mora em Roma não pode derrubar o Coliseu para fazer um novo bairro residencial de edificações. São cidades que têm um compromisso com a humanidade. Brasília tem esse compromisso e não é um Governo por aí, como esse, que, aliás, está perto de acabar, que vai fazer com que Brasília sancione um plano para sua devassidão.

            Nós vamos estamos juntos, Senador Rodrigo Rollemberg, lutando contra isso.

            É isto, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Ruben Figueiró. Bloco Minoria/PSDB - MS) - Sr. Senador Cristovam Buarque, o pronunciamento de V. Exª neste dia causou-me um impacto, sensibilizou-me profundamente. Nós aqui somos Senadores da República e Brasília é o símbolo da Federação, o símbolo da nacionalidade. Nós temos a obrigação de ouvir a manifestação de V. Exª, como tivemos oportunidade, ontem, de ouvir o clamor do Senador Rodrigo Rollemberg no mesmo sentido.

            Eu quero dizer a V. Exªs, autênticos representantes do Distrito Federal no Senado, que, como Constituinte, o meu voto foi sentido de que o Distrito Federal se mantivesse com a mesma estrutura institucional e orgânica da Constituição de 1891 até a Constituição outorgada de 1967.

            Eu não posso acreditar que o Governo Federal fique distante da administração do Distrito Federal. V. Exª explicitou muito bem os recursos que a Nação brasileira, que o contribuinte brasileiro dá para a manutenção da estrutura de Brasília.

            Brasília é, como V. Exªs afirmaram aqui, um patrimônio cultural da humanidade. Então, nós temos interesse, temos o desejo de que Brasília seja aquilo que sonharam desde 1899, a capital do nosso País, e que tenha sempre a influência do Poder Público federal.

            Eu me solidarizo com as palavras de V. Exª e do Senador Rodrigo Rollemberg e espero que a campanha que V. Exªs levantaram agora, que essa bandeira de brasilidade, não por serem apenas representantes de Brasília, mas pela brasilidade no sentido nacional, tenha a repercussão que merece.

            Meus votos são, sinceramente, de que V. Exªs consigam despertar o espírito público dos homens que atualmente dirigem o Governo do Distrito Federal.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Quero concluir, Senador Ruben, dizendo que o senhor trouxe um ponto importante. Houve uma grande discussão sobre se Brasília deveria ser uma cidade emancipada, com governador eleito, deputados e senadores, ou não, se deveria ser um território administrado pelo Governo Federal. Os Constituintes entenderam, depois de uma luta do povo do Distrito Federal, que era correta a emancipação, mas uma emancipação com responsabilidade, uma emancipação condicionada.

            Quando vejo, e estou solidário com o Senador Rodrigo Rollemberg, que é hora de a gente falar com a Presidente Dilma, é porque não estamos sendo tão autônomos assim. Já estamos perdendo um pouco dessa autonomia a ponto de procurá-la. Se ela não consegue influir, vai chegar o dia, aqui, nesta Casa, em que, em nome dos brasileiros, por algo assinado por todos os Senadores, menos três, que somos nós daqui, vai surgir a ideia de Brasília perder a sua emancipação, porque o povo brasileiro, por culpa de seu governo, não terá sido capaz de manter a obrigação, que o Brasil nos deu na hora em que nos emancipou, de zelar pela capital de todos os brasileiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2013 - Página 80439