Discurso durante a 198ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o impasse entre índios e não índios no Mato Grosso do Sul; e outro assunto.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com o impasse entre índios e não índios no Mato Grosso do Sul; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2013 - Página 79981
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, IMPASSE, CONFLITO, INDIO, PRODUTOR RURAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), NEGLIGENCIA, AUTORIDADE, AUSENCIA, ACORDO, VIOLENCIA.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, primeiramente, eu gostaria de saudar, aqui desta tribuna, o Dia do Radialista.

            Eu me recordo de que, ainda muito moço, jovem ainda, tive a oportunidade de ouvir a única rádio que existia no sul de Mato Grosso do Sul antes da criação do Estado. Era a chamada PRI-7, uma rádio da qual você praticamente não conseguia ouvir a voz do locutor e muito menos as músicas daquele tempo. Nem sei exatamente a maneira pela qual eles faziam a difusão das músicas.

            Recordo-me também de que, quando ia para a fazenda de meus avós, na época da Segunda grande Guerra, eu conseguia ouvir com absoluta nitidez a BBC de Londres, que era transmitida pela voz de um locutor brasileiro, o Aimberê da BBC.

            E relato aqui um fato particular. A minha avó era de origem alemã e, à época, germanófila. Quando o meu avô terminava de ouvir o programa da BBC de Londres, que transmitia a notícia dos aliados, vinha a minha avó e assumia o comando da rádio, a Transglobe, para ouvir o Deutsche Welle, que era o noticiário da Alemanha então nazista. Não me esqueço disso. E, ao final daquilo, meus avós ficavam tão divergentes com relação às notícias - um, anglófillo, outra, germanófila - que inclusive não dormiam no mesmo quarto. A guerra chegou até lá, aos rincões do meu Mato Grosso do Sul.

            Também quero dizer à Senadora Ana Amélia que, muitas e muitas vezes - parece-me que era a Rádio Gaúcha ou Rádio Farroupilha -, eu ouvia a sua voz com a nitidez com que a senhora fala hoje e com o interesse com que a ouço hoje.

            Minhas homenagens, na sua pessoa, aos radialistas do nosso Brasil!

            Srª Presidente, volto a esta tribuna para falar de um dos assuntos que mais afligem o meu Estado, o Mato Grosso do Sul: o impasse entre índios e não índios.

            Há tempos venho proferindo discursos para denunciar a indiferença ou, melhor dizendo, a inconsequência do Estado na elaboração de um marco regulatório no processo de demarcação das terras indígenas. Irresponsabilidade e indiferença governamental à parte, denúncias gerenciais de gravidade extrema vêm ocorrendo sucessivamente. A multiplicação de casos de desvirtuamento de procedimentos administrativos referentes à demarcação de terras indígenas encaixa-se como uma luva nesse descaso fiscalizatório.

            Por exemplo, registram-se ocorrências inaceitáveis na construção artificial de conflitos étnicos por meio da “fabricação de terras indígenas” por parte da Funai, com apoio de ONGs internacionais. Sucessivos atos verdadeiramente fraudulentos se sobrepõem no Mato Grosso do Sul desde o início dos anos 90. Trata-se de índios e não índios se destruindo até a morte por causa de um pedaço de terra.

            O cerne do problema é o descaso, o descompromisso das autoridades com a questão indígena no País. O legado histórico desse embate traduz-se em atos reiterados e mútuos de violência, sem que se alcancem quaisquer perspectivas de acordo. A necessária e responsável busca por soluções para vencer tal impasse parece ter sido esquecida por todas as partes envolvidas.

            É deplorável o quadro de políticas governamentais desenhadas para o setor. De um lado, movem-se as forças progressistas que desejam ocupar terras ociosas em busca do desenvolvimento agrícola; de outro, resistem comunidades indígenas e simpatizantes dessas comunidades contra incessantes e ilegais invasões do patrimônio material e imaterial de sua cultura. Nesse antagonismo de forças, competiria às autoridades constituídas o dever de arbitrar o conflito de acordo com o bem público.

            Srª Presidente, como tenho exaustivamente enfatizado, o nó da questão indígena tem que ser desatado o quanto antes, Senador Lucena, sem que isso implique iniciativas precipitadas, destrambelhadas ou sobressaltadas. Compete ao Congresso Nacional exigir que o Poder Executivo desempenhe suas atribuições com observância do ordenamento jurídico constitucional do Brasil. Afinal de contas, trata-se de prerrogativa indelegável do nosso Legislativo, misto de direito e dever, a bem dizer.

            Agora, no meu Mato Grosso do Sul, a mídia local tem relatado “animosidade existente e grande risco de conflito entre índios guaranis-kaiowás e produtores rurais”. Tanto que a Polícia Federal está a postos na região da terra em litígio, localizada desta vez no Município de Japorã, em Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai.

            Mas essa é apenas uma das 42 áreas conflagradas no meu Estado. E o que diz a Funai sobre isso? Nesta manhã, recebemos a Presidente do órgão, Srª Maria Augusta Assirati, em audiência pública na Comissão de Agricultura do Senado.

            Desejo confessar a V. Exªs que o depoimento da Srª Presidente da Funai, por maior que fosse o seu esforço intelectual, que reconheço, foi absolutamente frustrante. S. Sª percorreu a periferia da questão indígena, sobretudo com relação ao conflitante tema das demarcações de terras. Praticamente confessou não saber qual é a posição do Governo em relação, mui especialmente, àquelas áreas conflitadas tanto em Mato Grosso do Sul como nos demais Estados, os quais cito aqui: Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Alagoas, tema da audiência pública de hoje.

            Sabem V. Exªs, e é até público e notório em todo o País, que há um clima de apreensão em Mato Grosso do Sul, tanto da parte dos indígenas, que desejam mais terras, quanto da parte dos produtores rurais, que a justo título desejam mantê-los como sua propriedade. A omissão do Ministério da Justiça, que representa o Governo Federal, em dar um rumo certo e definitivo de como conciliar os interesses em atrito poderá provocar - quero repetir aqui com toda ênfase, como disse lá na Comissão de Agricultura -, a partir do dia 30 de novembro próximo, ações de parte a parte, ou seja, de índios e não índios, que poderão trazer cenas trágicas de derramamento de sangue - repito, cenas trágicas de derramamento de sangue -, para o pesar de nós, brasileiros, e o constrangimento nosso junto à comunidade internacional. A ameaça é grave. Que o Governo Federal pense nisso. Repito: a ameaça é grave. Que o Governo Federal pense nisso e fique alerta!

            Mas, Srª Presidente, a situação das comunidades indígenas no Brasil segue...

(Soa a campainha.)

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - ... seu ciclo irrefreável de flagelos e tragédia. Em face do processo de modernização no País, culturas milenares parecem fadadas ao extermínio cruel. Todavia, para reverter tal tendência, faz-se imprescindível uma mentalidade mais arejada no tenso diálogo entre o desenvolvimento econômico e a preservação étnica.

            Enquanto esse ambiente não se instaura, devemos receber com deferência todas as sugestões que porventura surjam no horizonte.

            Nessa linha, Srªs e Srs. Senadores, em que pesem as mazelas apontadas, vale esclarecer, entretanto, que parte dos problemas envolvidos poderia ser contornada mediante decisões tão simples quanto ágeis. Talvez uma das mais perspicazes propostas em circulação nos últimos meses tenha sido a implantação de cooperativas tipo kibutz, ou coisa semelhante, nas terras indígenas demarcadas.

            Trata-se de um modelo comunitário de exploração econômica de muito sucesso, adotado pelo Estado de Israel há décadas. Se provida de toda a estrutura necessária, se dotada de total assistência técnica e de gestão por parte do Governo Estadual e/ou Federal, a experiência não poderia falhar quando aplicada em territórios indígenas.

            Srª Presidente, eu teria mais alguns minutos? (Pausa.)

            Muito grato a V. Exª pela generosidade do tempo.

            Com exceção provável dos índios da Região Amazônica, para quem a caça e a pesca ainda são a única forma de sobrevivência, as demais comunidades silvícolas brasileiras poderiam ser perfeitamente adaptadas a novos modelos de exploração econômica socialmente evoluídos e comercialmente prósperos. Nesse contexto, não haveria praticamente nenhuma necessidade de aumentar a quantidade de terras para os índios que vivem fora da Região Amazônica.

            Evidentemente, à primeira vista, tal projeto assemelha-se a uma visionária utopia. No entanto, mediante estudos de pessoal especializado, devidamente acompanhados de indispensável vontade política, as chances de sucesso seriam muito grandes. A boa vontade das lideranças indígenas, da Funai, das ONGs e de seus empedernidos antropólogos seria, igualmente, indispensável, resultando na negociação de uma aliança ampla na sociedade em busca do equacionamento da questão fundiária indígena no Brasil.

            Trocando em miúdos, estimamos que os valores hoje gastos para a compra de novas terras - e cada vez mais terras! - seriam capazes de sustentar, ao fim e ao cabo, todo o sistema aqui proposto.

            Contudo, Srª Presidente, de volta ao cenário nada alvissareiro da realidade brasileira, cumpre dizer, para desalento de todos, que o Governo Federal está, mais uma vez, tentando empurrar com a barriga esse grave problema nacional. Chega até a recuar em algumas promessas feitas em reuniões realizadas nos últimos meses. E cito aqui, especialmente, o Sr. Ministro da Justiça. 

            Autoridades apenas protelam a solução do problema e nada mais. Nada sensibiliza o Governo da Senhora Presidente Dilma. No Mato Grosso do Sul, mesmo alguns entendimentos que estavam sendo costurados para financiar o acesso de estudantes indígenas à escola foram sumariamente engavetados. A Funai já nos deu provas suficientes de que não dispõe de condições para sequer atender às reivindicações mínimas de educação dos índios. E isso, Srª Presidente, foi confessado hoje, na audiência pública, pela Srª Presidente da Funai.

            Na visão dos índios mais velhos, após tantos anos de promessas de solução, não é mais possível postergar a posse definitiva das terras que eles consideram tradicionais. Desejam, sim, que o Governo estabeleça um cronograma de ações efetivas e imediatas que reduza a tensão fundiária. Reconhecem, entretanto, os direitos dos proprietários rurais que, de boa-fé, se apossaram das terras por direitos concedidos pelos Estados e pela União.

            Por fim, do lado dos produtores rurais, o grau de insatisfação não se diferencia muito. Não somente em Mato Grosso do Sul, mas também em todo o País dezenas de manifestações se multiplicam em protesto contra a insegurança jurídica imperante em razão das constantes invasões de grupos indígenas a fazendas. Nos últimos anos, a ação ilegal de grupos indígenas alastrou-se em ritmo assustador. E, como se sabe, a segurança degenera-se quando o Estado não assegura o direito de domínio das terras que ele, Estado, concedeu ao produtor rural e que este recebeu de boa-fé.

            Em conclusão, Srª Presidente, enquanto o Governo covardemente se cala, vale a pena, sim, apreciarmos sugestões meritórias como essa da implementação do sistema de kibutz em terras indígenas. Com isso, problemas sociais e econômicos envolvendo a depauperação dos índios se resolveriam, ao mesmo tempo em que a segurança jurídica sobre a propriedade das terras em litígio seria mais facilmente garantida. Eis a chave que faltava para o surgimento de uma nova mentalidade nesse áspero diálogo entre índios e não índios no Brasil.

            Dizem por aí que os proprietários rurais não têm solução. Aqui está uma que deve ser analisada com todo o respeito que merece a classe rural de nosso País, bem como a segurança de um direito e a prosperidade das comunidades indígenas.

            É o meu pronunciamento, Srª Presidente.

            A SRa PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Maioria/PP - RS) - Cumprimento-o, Senador Ruben Figueiró.

            Hoje foi muito produtiva a audiência na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária com a Presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, embora muitas dúvidas persistam nesse complexo tema que é a demarcação de terras, o que provoca muita insegurança entre pequenos agricultores, especialmente os da região do meu Estado.

            Cumprimentos a V. Exa. Obrigada.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Lamentamos que V. Exa não pudesse estar presente. Seria (Fora do microfone.) extremamente valioso. Mas esteve lá um Deputado Federal do Rio Grande do Sul, Deputado Alceu Moreira, que foi muito veemente no seu pronunciamento, e precisava sê-lo. É a voz do produtor rural, é a voz do homem do campo, que precisava ser ouvido com veemência. V. Exa é mais ponderada, o que é próprio da mulher. Mas precisava de alguém dizer alguns desaforos lá, e ele o fez, o bom gaúcho.


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