Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apoio à decisão judicial que determinou o pagamento de indenização pela União aos familiares de Gregório Bezerra.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO, DIREITOS HUMANOS.:
  • Apoio à decisão judicial que determinou o pagamento de indenização pela União aos familiares de Gregório Bezerra.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2013 - Página 71079
Assunto
Outros > JUDICIARIO, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • APOIO, DECISÃO JUDICIAL, DETERMINAÇÃO, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, FAMILIA, COMUNISTA, VITIMA, VIOLENCIA, PERSEGUIÇÃO, PERIODO, REGIME MILITAR, IMPORTANCIA, POLITICA, REPARAÇÃO, HISTORIA, PAIS.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mozarildo Cavalcanti, que preside esta sessão; Srªs e Srs. Senadores, pessoas que nos acompanham pela Rádio Senado e pela TV Senado, eu gostaria, hoje, de fazer uma fala aqui da tribuna que abordasse um pouco da história do nosso Brasil.

            Vou expor um erro histórico que mal começou a ser reparado pela Justiça, em sentença que condenou a União a pagar uma indenização simbólica -- simbólica, porque nada paga o que vou relatar aqui -- no valor de R$100 mil para parentes de um excepcional brasileiro, de um exemplar brasileiro. Refiro-me a uma figura que participou de quase todas as lutas populares que o Brasil conheceu durante o século XX: do levante militar, em Recife, contra a ditadura Vargas, em 1935, até a organização das Ligas Camponesas, no Nordeste, nos anos 60. Participação que o transformou em alvo prioritário da ditadura militar, que se instalou no Brasil a partir de 1964. Falo de um pernambucano, de um brasileiro que inspirou gerações.

            Ainda há pouco, eu falava com um colega, um companheiro, um amigo do Acre, pelo Twitter, pernambucano também, que hoje virou acreano, Gilberto Braga, escritor, jornalista, publicitário. Eu fazia uma postagem no Twitter, informando que faria esta fala a respeito de Gregório Bezerra. E ele, com orgulho, fazia o registro na sua conta, no Twitter, do quanto foi marcante a passagem dessa figura extraordinária, que é parte da história viva do Brasil, especialmente na luta por liberdades.

            Foi um brasileiro que sempre lutou por melhorias, pelo seu povo, especialmente o povo nordestino. Por não se conformar com as injustiças sociais do seu tempo, foi perseguido desde os 17 anos, idade em que foi para a cadeia, na primeira das condenações políticas, que se repetiriam em 1937, em 1946, em 1957 e em 1964. Foram 30 anos. E Gregório Bezerra morreu há 30 anos, aos 83 anos. A sua vida inteira foi de luta, desde a adolescência, mas ele passou 30 anos na cadeia.

            O mundo inteiro fala, registra. Acabei de ler mais um livro sobre a história de Nelson Mandela, que passou 27 anos preso, na África do Sul, e que fez da luta contra o apartheid a sua luta de vida.

            No Brasil, temos figuras -- não estou comparando -- que seguiram e que entregaram sua existência a lutar por liberdade, por democracia, por justiça social. Gregório Bezerra fez isso.

            Peço a atenção, colegas Senadores e Senadoras, para frisar que, não por acaso, todos esses anos marcaram períodos de quebra da ordem democrática. Foram períodos em que campeou o autoritarismo no País.

            Esse brasileiro, durante a breve democracia dos anos 40, elegeu-se como segundo Deputado Constituinte mais votado em Pernambuco, pela Bancada do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao lado, entre outros, de Jorge Amado, Carlos Marighella, Maurício Grabois, João Amazonas, que mais tarde fundaria o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), hoje honradamente representado nesta Casa pelo colega, Senador Inácio Arruda, e pela colega, Senadora Vanessa Grazziotin.

            O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. Bloco União e Força/PTB - RR) - Senador Jorge Viana, V. Exª poderia me permitir uma breve interrupção para registrar a presença, nas nossas galerias, dos estudantes e das estudantes do Colégio Padre Eustáquio, ensino fundamental, de Belo Horizonte, Minas Gerais.

            Sejam bem-vindos ao nosso plenário!

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Bem-vindos todos e todas! É um prazer tê-los aqui. Espero que desfrutem bem desta visita ao Senado Federal e a Brasília.

            Caro Presidente, caros colegas Senadores e Senadoras e a todos que nos acompanham pela Rádio e pela TV Senado, eu estou falando de um líder comunista brasileiro dos tempos em que a ideologia era fator determinante não só no embate político e nas bandeiras partidárias, mas também pelo tipo de vida que a opção ideológica determinava. Ser comunista implicava uma vida de perseguição, de sacrifício e, muitas vezes, de verdadeiras cassadas políticas pelos regimes totalitários e ditatoriais que o nosso Brasil experimentou.

            Eu estou falando de um brasileiro que o poeta maranhense, nos tempos em que era comunista, definiu como um homem feito de ferro e flor. Caros colegas Senadores e Senadoras, eu estou falando, como disse ainda há pouco, de Gregório Bezerra, essa figura que, no Nordeste, era chamado de um cabra valente.

            A família de Gregório Bezerra, que tem essa saga de vida, acionou a Justiça para ter direito a uma indenização pelas privações que ele passou durante a ditadura implantada, especialmente a de 1964, e, somente há poucas semanas, o Tribunal de Justiça de Pernambuco decidiu a favor dos descendentes.

            Alvo prioritário do regime, Gregório Bezerra foi preso nos dias seguintes ao golpe militar de 64. Detido pelo Exército, foi amarrado -- ouçam bem! --, foi amarrado pelo pescoço e arrastado pelas ruas do Recife. Com os pés queimados por solução de bateria, a cena dos três soldados esticando a corda para mantê-lo em pé, enquanto um coronel das forças da repressão, entre socos, pontapés, xingamentos, convidava todos para o enforcamento do comunista aprisionado. Nesse período, foram feitas filmagens, que foram transmitidas pela televisão, para atemorizar a população.

            Esse momento é simbólico por apresentar a brutalidade por que alguns brasileiros, por seus ideais, por defenderem justiça social, passaram, a partir da ação de seus oponentes.

            Outro momento que ilustra a história desse período também tem Gregório Bezerra como personagem principal. Ele ocorreu quando o avião Hércules, da Força Aérea Brasileira, que transportava os presos políticos rumo ao exílio em troca da liberdade do Embaixador dos Estados Unidos que havia sido sequestrado no Rio de Janeiro, aterrissou no Recife. Nenhum dos presos políticos que já estavam no avião, conforme descreve o jornalista e escritor Flávio Tavares, que estava entre os detentos, conhecia pessoalmente o passageiro que subiria no avião, na escala feita no Recife, que dali seguiria rumo ao exílio no México.

            Os passageiros, imobilizados nos bancos de lona e ferro do avião militar, esperavam por um senhor de 69 anos de idade, mas não foi isso o que aconteceu. Tavares registrou a cena em seu livro Memórias do Esquecimento:

Ele é a unidade do grupo, o único conhecido de todos, que todos sabem quem é: o velho e respeitado comunista, sargento do Exército no amotinamento vermelho de 1935 no Recife, organizador das rebeliões camponesas no Paraná em 1950 e no Nordeste dos anos 60, o agitador permanente, uma espécie do que se conhece como ‘a revolução popular’.

Um soldado põe-lhe as algemas e sai [continua Flávio Tavares, em seu relato], mas Gregório o chama forte, sem gritar, como se lhe desse uma ordem:

-- Seu cabo, desaperte estas algemas [sem gritar]. Estão me machucando.

Habituado a cumprir ordens, o cabo volta, faz o que ele manda e lhe indaga se ‘agora está bem’. [Ele responde:]

-- Não, afrouxe mais um pouco.

E a ordem foi acatada mais uma vez.

            Felizmente, essas cenas pertencem à história, ao Brasil do passado, o que não significa que devam ser esquecidas. Muito pelo contrário. Somente agora, após anos de luta nos tribunais por um ressarcimento às perseguições, a família de Gregório Bezerra, a quem faço esta homenagem -- esta minha explanação vai fazer parte, agora, dos Anais do Senado Federal, e o apelo que faço ao Governo brasileiro, ao Judiciário brasileiro e às autoridades brasileiras e para essa busca de justiça na família de Gregório Bezerra --, somente agora, repito, após anos de luta nos tribunais por um ressarcimento às perseguições, a família de Gregório Bezerra é reconhecida pela Justiça também como vítima das prisões arbitrárias, da execração pública, do preconceito dos vizinhos e das dificuldades de seus descendentes em conseguir um emprego, em levar uma vida com alguma normalidade. Quem mais sofre quando há perseguição ao chefe da família? A companheira, a esposa, os filhos, os descendentes. Isso vale também quando a perseguida é a mulher.

            A vitória em primeira instância da família na Justiça Federal foi por uma indenização simbólica. Repito, caro Presidente Mozarildo: depois de uma trajetória de vida dessas, está se debatendo uma indenização de R$100 mil para todos os seus familiares, todos os seus descendentes. É mais pela simbologia de ficar registrado na história do que uma tentativa de reparo do dano, e funciona mais como uma constatação, que, certamente, vai trazer algum alento para a família. Reconheceram que ele foi perseguido, que sofreu, reconheceram que nós sofremos, reconheceram a injustiça cometida contra Gregório Bezerra. Ela será dividida entre seu filho e cinco netos.

            Mas a conquista desse direito tem outros significados. Pela primeira vez, Srªs e Srs. Senadores, desde a Lei da Anistia, um juiz atribui responsabilidade à União pelas atrocidades cometidas ao governo da União. A decisão do Juiz Federal José Roberto Cavalcanti, da 2ª Vara do Estado de Pernambuco, também adquire especial relevância neste momento em que nossos colegas Senadores se preparam para visitar, como já fizeram, o Centro de Operações do Exército do Rio de Janeiro, para buscar respostas às famílias que ainda buscam notícias de seus desaparecidos.

            A Comissão da Verdade não veio para mudar a Lei da Anistia. Certamente esta é a minha compreensão. Ela veio para que muitas perguntas possam ter respostas, especialmente porque, mesmo em período de guerra, todos têm direito a acesso ao corpo da vítima do conflito, e muitos familiares não têm sequer notícia do que e como aconteceu com seus entes queridos.

            Gregório Bezerra faleceu, como disse, há exatos 30 anos, com 83 anos de idade, 22 deles passados na cadeia. Foram necessárias três décadas para reparar esse erro histórico, pelo menos tentar reparar esse erro histórico.

            Espero sinceramente -- faço um apelo -- que a Advocacia-Geral da União não recorra. Há uma sentença da Justiça Federal no sentido de que se entenda que o que se está buscando definitivamente é um reencontro da história de vida dessa figura extraordinária com a verdade. Que não se busquem recursos que retardem ainda mais o justo reconhecimento que Gregório Bezerra merece como grande inspirador e um dos principais atores das lutas sociais no Brasil do século XX.

            Sr. Presidente, concluindo, eu espero que o Governo da Presidenta Dilma, que foi vítima de repressão, que sofreu na pele as arbitrariedades da repressão, possa nos ajudar, por meio da Advocacia-Geral da União, respeitando o desejo de Gregório Bezerra, expresso em sua autobiografia intitulada Memórias.

            Ele nos pede:

Gostaria de ser lembrado como o homem que foi amigo das crianças, dos pobres e excluídos; amado e respeitado pelo povo, pelas massas exploradas e sofridas; odiado e temido pelos capitalistas, sendo considerado o inimigo número 1 das ditaduras fascistas.

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Assim eu também espero que seja lembrado e que o Senado se mobilize para influenciar na definitiva reparação aos familiares de Gregório Bezerra.

            Agradeço a tolerância e devo dizer que vou apresentar, vou pedir à minha assessoria que elabore, um requerimento ao Chefe da Advocacia-Geral da União, vou buscar coletar assinatura de alguns colegas Senadores, em homenagem a sua família, à memória de Gregório Bezerra, para que a União não recorra e para que essa indenização possa ser paga, com o simbolismo que carrega de se fazer justiça à memória deste grande brasileiro que é fonte de inspiração para as lutas sociais até os dias de hoje: Gregório Bezerra.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2013 - Página 71079