Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Exaltação do Presidente do Uruguai, José Pepe Mujica; e outros assuntos.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Exaltação do Presidente do Uruguai, José Pepe Mujica; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2013 - Página 71202
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, ESPECIFICAÇÃO, VIDA PUBLICA, LUTA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, CHEFE DE ESTADO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • COMENTARIO, PERIODO, REGIME MILITAR, BRASIL, REGISTRO, ATUAÇÃO, LIDER, POLITICO, LUTA, PROCESSO, REDEMOCRATIZAÇÃO.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, como costuma acontecer, os discursos de presidentes na Assembleia Geral das Nações Unidas têm sempre uma boa repercussão na mídia de todos os países, no mundo inteiro.

            Este ano, por exemplo, destacaram-se a Presidente do Brasil, o do Irã e o dos Estados Unidos. Mas o que verdadeiramente explodiu nas redes sociais foi a fala do Presidente uruguaio, José Pepe Mujica. Escreveu o jornal O Globo:

Presidente americano Barack Obama, chefe do maior exército do mundo, ficou por cima de todos, ao menos nos números dos tuítes, mas o crescimento de Mujica foi significativo, superou o da Presidente brasileira e o do iraniano […] após suas falas no púlpito das Nações Unidas. Enquanto eles caíam, as palavras do ex-guerrilheiro uruguaio eram espalhadas pelos ventos do Twitter pelas Américas e pelo mundo.

            Isso ocorreu, penso, porque, nos últimos tempos, nenhum homem público conseguiu, com tanta sensibilidade, poesia e inteligência, resumir a angustiante situação que vive hoje a humanidade.

            Hoje, eu quero falar um pouco sobre esse ser humano extraordinário que é D. Pepe Mujica. Está com 78 anos. O atual Presidente uruguaio é um político que posso dizer único no mundo. Aliás, sua vida muito movimentada e insólita, em muitos aspectos, já forneceu material para muitos livros.

            Uma reportagem sobre José Mujica intitulada “O Presidente mais pobre do mundo” correu o planeta e tornou conhecido um político que vive com apenas 10% do salário que deveria receber como Presidente da República do seu país, sem verbas extras, sem verbas de representação, sem pagamento por conta. Recebe o seu salário e gasta apenas 10%.

            Mais recentemente, em entrevista concedida à rede estatal chinesa de comunicação, Mujica disse:

Eu não sou pobre. Pobres são aqueles que precisam de muito mais para viver. Esses são os verdadeiros pobres. Eu tenho o suficiente. Sou austero, sóbrio, carrego poucas coisas comigo, porque para viver não preciso de muito mais do que tenho. Luto pela liberdade, e liberdade é ter tempo para fazer o que a gente gosta.

            E acrescentou:

Deve-se trabalhar muito, mas não me venha com essa história de que trabalhar é apenas isso, que viver é apenas trabalhar. Viver tem muito mais.

            D. Pepe Mujica, considerado o Presidente de República mais pobre do mundo, porque recebe mensalmente US$12.500, mas guarda para si apenas US$1.200, cerca de R$2.750. Os restantes 90% são entregues às ONGs que constroem casas para os uruguaios mais pobres. Não tem conta corrente em nenhum banco, nem usa cartão de crédito.

            Certa vez, falando sobre seu salário reduzido, disse D. Pepe:

Esse dinheiro me basta e tem que bastar, porque há outros uruguaios, milhares de uruguaios que vivem com muito menos do que eu.

            D. Pepe Mujica dirige seu próprio automóvel, não tem um carro de luxo e, nem na frente, nem atrás, carros de segurança. Ele dirige o seu carro, um fusca azul, ano 1987, carro que já tinha antes de ser Presidente. Vive em uma pequena chácara nos arredores de Montevidéu, no Rincón del Cerro, onde planta acelga, que ele vende no comércio local. Pessoalmente, alimenta todos os dias seus cachorros e suas galinhas, opera seu próprio trator, diz ter alma de camponês e quer voltar a plantar flores. O único sinal de que ele é um homem importante é a presença discreta, perto da sua chácara, de uma viatura com dois policiais a bordo.

            No último inverno, D. Pepe Mujica determinou que a mansão oficial da Presidência da República do Uruguai, que ele nunca ocupou, fosse aberta para abrigar moradores de rua que se encontrassem alojados em casas de acolhimento do governo. A casa oficial, em que ele nunca morou, porque viveu lá na sua aldeia e na sua casinha, e continua lá, se transformou na morada daqueles recolhidos na rua, de madrugada, que não tinham lar, que não tinham abrigo.

            Antes disso, ele já tinha vendido, por US$2,7 milhões, a residência de verão da Presidência da República em Punta del Este. Punta del Este já foi o balneário mais célebre do mundo e, apesar de perder sua pompa, com a ditadura que houve no Uruguai, volta, cada vez mais, a ser o grande local dos milionários do mundo inteiro na época de veraneio. A residência que o Presidente da República do Uruguai lá tinha, que brilhava para receber autoridades e grandes lideranças, ele mandou vender -- US$2,7 milhões pela residência de verão.

            D. Pepe foi um importante guerrilheiro Tupamaro, muito mais conhecido, na época, como Comandante Facundo. Mujica passou 14 anos na cadeia, sendo que, em metade desse tempo, esteve confinado, confinado em uma cela solitária. Sem filhos, há 40 anos casado com a Senadora Lucía, a mais votada na eleição passada, que também militou contra a ditadura e que, igualmente, doa grande parte dos seus vencimentos.

            Falando sobre o Presidente do Uruguai, o jornalista Walter Pernas, que escreveu um romance sobre a vida dele, disse que Mujica chama a atenção por sua forma humana de tratar as pessoas, como se expressa por seu jeito do campo, por suas roupas simples, pela forma como vive. Chama a atenção, porque sabe o que habitualmente é um político do mundo. Um político no mundo, esnobe e se achando superior.

            Em comum, os entrevistados de Walter, para escrever este livro, ressaltaram o lado fraternal de Mujica, o lado fraternal de Mujica, sua preocupação com o que é humano e sua convicção de que se, se o ser humano for forte, todo o resto funciona. Repito: a convicção de que, se o ser humano for forte, todo o resto funciona.

            D. Pepe também é conhecido por suas frases certeiras. Há algumas semanas, quando falavam na possibilidade de os Estados Unidos bombardearem a Síria, disse o Presidente uruguaio: “O único bombardeio admissível na Síria é de leite em pó, biscoitos e alimentos; não armas.”

            Dias atrás, nesta tribuna, o Senador Paim, meu querido amigo conterrâneo, transcreveu nos Anais da Casa um formidável discurso humanitário de D. Pepe. O pronunciamento do Presidente uruguaio, sem dúvida, merece essa honraria, porque se trata de um documento favorável à ciência e que condena as guerras como solução dos problemas políticos -- discurso que comoveu meio mundo.

            Sr. Presidente, cito alguns trechos que considero tocantes de um discurso de cerca de três mil palavras certeiras de José Mujica:

(…)

O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.

Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.

(…)

Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.

Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.

O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.

(…)

A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais e mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.

Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre crianças e sua psicologia para influir sobre os adultos e ater, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas dessas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e muito mais.

O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar-condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação, sentimento esse que está quase incrustado em nosso código genético.

            Adverte Mujica:

Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos o homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do Planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também a nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos darmos conta.

Por que digo isso? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos 20 vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos, o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegando a nossos limites biológicos.

            E aí fala o Presidente uruguaio:

Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas, ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, portanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.

Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem da rua.

Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os governos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.

(…)

Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançam enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas 10% para fazer as investigações.

Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, aonde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.

            É interessante esta afirmativa do Presidente uruguaio:

Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.

Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização, [feita por alguns, ao contrário da imensa maioria].

            Mas D. Pepe, atrás desse seu tom frio e duro, é um otimista.

O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do Planeta. É possível criar estabilidade para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.

Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nós mesmos ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.

Esse é nosso dilema. Não nós entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos nas causas profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira, que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso “nós”.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, sobre o fantástico discurso de José Mujica, na ONU. Quis também, e especialmente, trazer informações mais detalhadas sobre esse político que deveria ser um espelho, um exemplo, para todos os homens que atuam politicamente neste mundo.

            Você, telespectador que está me assistindo, sabia, já assistiu nas televisões, nos jornais, a esses fatos da vida de Mujica? A gente assiste à televisão, pega o jornal, e as notícias são as mesmas. Então, ultimamente, não dá mais para assistir à televisão. É só violência, mais violência, mais violência, mais violência.

            Falando nisso, meu amigo querido Cristovam, não entendo a decisão dos professores de São Paulo, que fizeram uma manifestação em solidariedade aos que fizeram o quebra-quebra, dizendo que foram contratados advogados e tudo mais para fazer a defesa dos que fizeram quebra-quebra.

            Eu não sei. Sinceramente, eu não sei. Podiam fazer qualquer coisa, mas fazer uma manifestação imensa -- e essa pacífica, pois os quebra-quebras não apareceram -- em solidariedade aos quebra-quebras, ao direito de eles irem e quebrarem. E isso aparece no jornal. Eu vi quatro vezes na televisão ontem. Mudava de canal e dava a mesma coisa; mudava e dava a mesma coisa.

            Esse exemplo de homem é qualquer coisa fantástica. Nós temos uma identidade: a nossa Presidente também sofreu; é uma irmã de Mujica nessa época de vítima da ditadura, do arbítrio e da violência. Doze anos de solitária. Nem o nosso querido chefe e irmão, lá na África do Sul, teve tanto -- 27 anos, mas não tantos de solitária. E saiu.

            Várias vezes, vou ao Uruguai com a caravana dos Deputados do Mercosul. E a pergunta que mais emociona, conversando com os uruguaios, já era, antes, sobre o Mujica. Ele lançou sua candidatura.

            Como nós sabemos, o Uruguai era a Suíça da América, plena democracia a vida inteira, um país muito rico -- era o trigo, era o vinho, era o turismo, era o jogo. O Uruguai era um país com um parâmetro de vida alto. De repente, erros e equívocos. O comércio da lã diminuiu -- ele era o maior produtor de lã -- com a presença do sintético. Uma luta interna de Tupamaros e tudo mais. E o turismo se esvaziou. E o Uruguai entrou em crise. E da crise foi para a Ditadura.

            E os Tupamaros lutaram. Nessa vida toda do Uruguai, havia dois partidos: os blancos e os colorados. Os dois da burguesia. A rigor, um mais positivo, por uma vida mais social, mais preocupada, não existia. Embora, justiça seja feita, o Uruguai fosse um país onde praticamente não existia miséria.

            Vindo a ditadura, veio a resistência; e, na resistência, a confusão toda. Retomada a democracia, tanto os colorados quanto os blancos não tinham maioria, e se fez uma aliança. No início, parecendo quase que impossível. Mas a verdade é que a aliança ganhou a primeira eleição. E agora está lá, novamente, o Mujica.

            Havia interrogações com relação ao Mujica. Era um homem identificado com aquelas pessoas que lutaram para fazer a democracia, um homem de esquerda. E o que faria no governo? Lá está um grande governo, um governo sério, um governo responsável. O Mujica e a Presidente Dilma têm feito um esforço enorme com relação, por exemplo, à Argentina, com relação ao Paraguai, com relação à Venezuela, com relação ao Mercosul, com relação à situação da América.

            Mas quero chamar atenção para o que deveria, realmente, ser algo de exemplo, de símbolo, que é a vida do Mujica, a sua personalidade, aquilo que ele é.

            Eu tive, Cristovam, um exemplozinho: o Itamar. O Itamar, como Vice-Presidente, não queria morar no Palácio do Jaburu. E como Presidente, também. Alugaram uma casinha no Lago Sul. Ele ia ao lado dos seus auxiliares e queria ficar por lá. Foi um esforço enorme que tivemos que fazer para que o Itamar aceitasse.

            E aquilo -- eu me lembro das reuniões -- era considerado um escândalo: “Você tem que respeitar as instituições. O povo está acostumado a vê-las desse jeito. Isso que você está fazendo vai cair no ridículo.”

            O Mujica, não. Mora na granja que ele tinha, que ele tem, uma pequena granja lá no interior de Montevidéu, plantando, criando as suas vacas e produzindo os seus frutos, que ele vende ali, e continua vendendo. E é Presidente da República morando na sua casinha, usando o seu fusca de 30 anos atrás, usando a roupa que ele usa sempre -- inclusive, todo mundo de gravata, empertigado, ele sem gravata. 

            Esse é o homem. Ganha US$12,500 por mês, gasta 10%, os 90% são distribuídos na construção de casas populares. Há aquele ditado: palavras comovem, mas exemplos arrastam. É uma grande verdade. Esse é homem que está dando exemplo para o mundo inteiro. A Presidência não lhe subiu à cabeça, não enlouqueceu.

            Quantas vezes a gente vê isso. Até em eleição de prefeitura, um homem simples, modesto, de repente, se empertiga e pensa que é o rei da terra porque tem determinado cargo.

            Não sei, dizem que não adianta. Nessa minha longa vida pública, eu tenho debatido, analisado muitas vezes a imprensa, essa angústia que ela tem por buscar coisa ruim. Se pega um telefone e quer falar com alguém da imprensa para fazer sair uma notícia, quer pegar a capa de jornal, descubra uma coisa bem feia, bem suja e você ganha. Mas coisas possíveis, positivas, realmente espetaculares, que acontecem no Brasil, essas não existem para a imprensa.

            Lembro-me de que, lá se vai tempo, eu participei, pela primeira vez, de um Rebanhão, na igreja, em pleno carnaval. O ginásio, aqui, lotado. Havia cerca de 20 mil jovens, sei lá, dançando no carnaval, mas dançando as músicas da igreja, as músicas da fé e da eucaristia. Eu chamei a atenção. 

            Eu respeito o carnaval, acho o carnaval uma festa, o povo tem direito, mas é de se salientar que no meio de tudo isso há esse fato. Exclusividade do absurdo que isso pode acontecer, os jornais importantes do Brasil não publicaram nada. Não saiu nada. Não o meu discurso, o acontecimento. Não era notícia.

            Eu acho que exemplo como o de Mujica, o exemplo como o do nosso herói Mandela lá na África do Sul, 27 anos de cadeia, a maneira como ele fez a reconciliação de séculos entre brancos e negros, e conseguiu evitar uma guerra civil interminável, e conseguiu plasmar um país, são coisas que deveriam, realmente, ter mais respeito da humanidade.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Simon, o senhor provoca muitas reflexões que não serão viáveis de fazer aqui diante do tempo curto que temos, com outros Senadores querendo falar. Mas eu queria começar pelo discurso. Eu devo lhe dizer, Senador, que quando ouvi o discurso do Presidente Molina, eu fiquei com uma tremenda inveja: a nossa Presidente não é capaz de fazer um desses. Nem os anteriores a ela. A cabeça! Não é pelo estilo, não é pela beleza do texto, porque isso um assessor faz. Não, não é isso. É a cabeça. A cabeça de ver que o nosso modelo de crescimento econômico se esgotou, que precisamos de uma nova proposta. Eu sinto, Senador Simon, e o senhor não sabe o que é isso, mas eu sei, porque sou gordinho, que nós sofremos da síndrome do gordo. A gente prefere o prazer de uma lasanha hoje do que as veias limpas de colesterol daqui a cinco anos. É isso que o Brasil está fazendo. Estamos olhando o imediato sem olhar o longo prazo. E a melhor visualização disso são as nossas avenidas coalhadas de carro. O carro é o colesterol da cidade, mas nenhum de nós resiste a ter um carro, sabendo que isso vai interromper as vias. Nenhum resiste a um carro sabendo que isso vai aumentar o tempo de transporte de um lugar para outro se todos tiverem, e não podemos proibir que os que quiserem comprar comprem. Mas o lado do carro serve para tudo. Nós queremos consumir tanto hoje, como a lasanha que eu disse que o gordinho come, que estamos sacrificando o futuro, na energia, que vai se acabar, no aquecimento global, que vai ameaçar a vida das nossas gerações futuras. Nós sofremos da síndrome do gordo, na civilização mundial e no Brasil. Não tem como continuar crescendo dessa maneira. Nós temos que escolher com clareza onde é que a gente para atender os necessitados e onde é que a gente decresce naqueles que têm e onde é que a gente decresce naqueles que têm um consumo supérfluo. E aí vem a vida do Molina. O Molina é um exemplo de que é possível viver com muito menos. Aliás, Keynes, grande filósofo …

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria /PMDB - RS) - E ele era gordinho.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - É, ele era bem gordinho. Ele escreveu um livro. Quanto basta? Ele calculou quanto basta para uma pessoa viver bem, satisfeita e feliz. Ele calculou isso. E ele não era socialista, era um capitalista. Nós temos que saber o quanto é que basta para nós, para garantir que esse basta sirva também às nossas gerações futuras. E aí, depois de dizer que eu senti muita inveja de não ter um presidente que fizesse um discurso desses -- a nossa Presidente fez um discurso pequeno, primário, sobre esse negócio de espionagem, que não tem do que reclamar, porque, espionagem, ou a gente consegue evitar, ou não adianta reclamar, pois o espião vai continuar fazendo. Espião é para isso, é para fazer secretamente. Não adianta querer ter regras de espionagem; regra de espionagem é conversa. Espionagem não aceita regulação, e o discurso dela foi para isso, eu acho que querendo olhar o público interno. E eu fiquei com inveja. Mas depois eu fiquei foi com desejo de ver nós todos seguindo o exemplo da austeridade do Molina. Claro que dá para a gente viver sem uma porção de vantagens que a gente tem. Claro que dá, claro que é possível isso. Mas nós nos desacostumamos, até porque quem fizer do jeito do Molina aqui vai ser visto como excêntrico. E ninguém quer ser excêntrico porque cheira mal. Agora, quando o homem é presidente, deixa de parecer excêntrico; vira um exemplo para a juventude. Quando ele passa a usar o mesmo carro tantos anos, os jovens começam a se perguntar: para que trocar de carro de tantos em tantos anos? Quando ele usa o mesmo pulôver ano depois de ano -- não há por que mudar de pulôver, gente --, as pessoas começam a perguntar: para que ter tantos? O Molina é um exemplo não apenas no conteúdo do seu discurso, como também na sua prática de vida. É possível, sim. Outra reflexão é sobre uma pergunta que V. Exª fez sobre os professores …

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria /PMDB - RS) - Um aparte ao seu aparte.

            Eu não tinha me dado conta, você falando agora, eu não senti na hora a não ser uma sensação estranha, mas eu estou me dando conta aqui também, quando eu vi o Molina, de que eu também fiquei com uma inveja tremenda.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT -DF) - Fiquei com uma inveja muito grande.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria /PMDB - RS) - Não tive inveja contra. Foi uma sensação diferente. Olhava aquilo… Mas, quando V. Exª falou, eu também senti. Eu falo com toda sinceridade: eu senti inveja.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu queria um presidente que fizesse um discurso desses, falasse para o mundo. Eu esperava esse discurso da Presidente durante a Rio + 20. Em vez disso, ela falou sobre o que está fazendo aqui. Aquele povo, eles nem entenderam, nem sabiam o que era, nem ligaram. Esse era o discurso que ela poderia fazer de um país com 200 milhões de habitantes, e não de um país pequeno como o Uruguai. De um país que tem todos os problemas do mundo, e não do Uruguai, que não tem mais tantos. Na questão da austeridade, eu queria até citar um exemplo aqui, Senador Mozarildo: quando eu era Governador, recebi aqui o ex-presidente Mário Soares, na Casa de Governo, e ele perguntou se ali era a minha casa. Eu disse: “Não, Presidente, eu moro em um apartamento, mas aqui é a Casa do Governo”. Ele disse: “Quando eu era Presidente, continuei morando no mesmo apartamento, não me mudei”. E eu fiz uma pergunta estúpida, e recebi uma resposta inteligente. Eu perguntei: “Mas, Presidente, como é que o senhor fez com a sua segurança? Porque eu tentei ficar no meu apartamento, mas, depois de uns quinze dias, os seguranças me disseram que não tinha como, porque eles não tinham onde dormir, porque os vizinhos estavam reclamando. E eu me mudei”. E ele olhou para mim e disse: “Mas, governador, eu fui eleito para ser presidente. Isso é um problema dos seguranças. Eles que resolvessem o problema, eu é que não ia me mudar da minha casa”. Mas a gente não se acostuma com isso, nós estamos viciados. A verdade é que a gente não proclamou a República ainda, a gente ainda mora em palácio -- esse é um exemplo. Até nos Estados Unidos, um país onde há concentração de renda, o lugar em que mora o presidente se chama casa; aqui a gente chama de palácio. Nós nos acostumamos com isso. Mudando de assunto, o Senhor falou dos professores pagando advogados para os chamados vândalos. Como se explica isso? Vou dizer a minha impressão: é que os que vão às passeatas, pacificamente, fazendo reivindicações, querem mudar o Brasil. Por exemplo, aumentar o salário do professor. São desiludidos com a situação que está aí. Os que vão quebrar não são desiludidos, são desesperados, nunca tiveram nada. Eles querem quebrar, e não mudar o Brasil. Só que, a partir de certo momento, os desiludidos ficam desesperados. Quando uma greve de professor passa de certo tempo, eles deixam de ser desiludidos e ficam desesperados. Esse pagamento de advogado por professor é um pequeno passo anterior à realidade do desespero que vai chegar para aqueles que hoje são apenas desiludidos. Eles ainda não vão quebrar, mas já estão pagando o advogado e quem quebra. E se nós não tomarmos cuidado, todos vão virar quebradores de vidraça. Todos. E não venham dizer que estou incentivando, que estou fazendo proselitismo. Não. Estou alertando, porque para mim é óbvio. Posso estar completamente enganado, mas a desilusão, a partir de certo momento, transforma-se em desespero. E, depois da desilusão que quer mudar o País para consertar o que está errado, no desespero você quer é quebrar o que está aí. Estamos muito perto de que os desesperados virem uma multidão. E como é que a gente vai fazer? O que a gente vai fazer? Nós somos os líderes deste País! Não vai dar mais para ficar indiferente. Já não dá mais para ficar indiferente! Mas não é só indiferente aos que quebram vidraça; é indiferente aos que destroem floresta, aos que não erradicam o analfabetismo, aos que mantêm três milhões e meio de crianças trabalhando. Nós já temos vândalos demais, não precisava desses meninos. E o pior é que quer se consertar com a polícia. É preciso polícia, não estou aqui dizendo que não se deve prender os que fizeram isso. Deve sim. Mas não vi a polícia dizer o que está na cabeça desses meninos que foram presos. O que me preocupa hoje é por que esses meninos saem da escola, do trabalho, do namoro, da igreja, até do boteco para ir quebrar vidraça. É tão mais divertido ficar na escola, no trabalho, com a namorada ou tomando uma cerveja! Por que isso de quebrar vidraça, inclusive correndo riscos? Por que usar máscara? Aí tem que entender o porquê disso, e não como impedir na marra, como eu vi que o Governador de São Paulo vai tentar. Pode até conseguir uma vez, duas vezes, na Avenida Paulista, mas depois não vai conseguir no subúrbio. Há agência bancária em todos os lugares da cidade. Se eles não podem quebrar em um canto, vão quebrar em outro, porque hoje eles já dispõem da arma da internet para se mobilizar. Então, acho que é isso: é prova de que os professores estão começando a sair da desilusão para cair no desespero e, a partir desse momento, fica incontrolável todo o processo.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Agradeço muito o aparte de V. Exª. Acho que V. Exª é um bom exemplo para esta Casa, tenho dito isso várias vezes. Várias vezes V. Exª, da tribuna, falou menos para nós do que para uma reflexão em voz alta daquilo que V. Exª pensa e daquilo que deseja.

            Fico a me perguntar por que não temos condições. Eu me considero, na verdade, uma pessoa que não deu certo. Eu era um guri quando entrei na política e sonhador como esses jovens, como o presidente da UNE. Comecei na época do Petróleo é Nosso, época bacana do Getúlio, liberdade e democracia, o Governo de Juscelino. Como a cidade vibrou no debate, na discussão, na luta!

            Eu, sinceramente, naquela luta, achava que estávamos no caminho. O Brasil estava crescendo…

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - … estava desenvolvendo, estava avançando: petróleo de um lado, Volta Redonda do outro, a energia elétrica como Furnas, Três Marias; um governo explosivo em crescimento, como o de Juscelino. Eu achava que o caminho do Brasil era um grande caminho.

            Veio a vitória de Jânio Quadros. Eu votei no Lott, mas aqueles sete meses de Jânio Quadros me impressionaram. Ele realmente tomou uma posição, fez, avançou, andou, reabriu relações com o mundo. O fracasso da renúncia dele, renúncia que até hoje ninguém entende; fracasso do Congresso Nacional. Naquela época, não existia nenhuma relação, a renúncia do Jânio não tinha nada que ver com militar, com coisa nenhuma, ninguém estava preparado -- ninguém estava preparado. O duro foi o Congresso Nacional derrubar o vice-presidente que deveria assumir e querer implantar um verdadeiro regime de exceção com o Presidente da Câmara. A partir daí, essa degradação foi crescendo. O duro dos militares no Brasil, o duro da ditadura é que, além de tudo de errado que eles fizeram, eles foram um governo medíocre na ideia, na dignidade, na seriedade. Poderiam, pelo menos, tentar acertar. Cada coronel tinha uma… Criaram uma sociedade de economia mista para colocar militar como dirigente. E a coisa foi piorando.

            Eu queria que nós da oposição… Teve uma oposição que mereceu respeito. Nós do velho MDB fizemos muito isso -- muito. E parte da Igreja, porque a Igreja, no geral, no Brasil, participou da ditadura, deu força, botou Deus e o crucifixo na frente das caminhadas pela Pátria com Deus, sei lá o quê, estavam levando para a ditadura. Muita gente da Igreja trabalhou por essa causa. Mas eu não sei o que acontece no Brasil! A gente não consegue vencer o tal de jeitinho brasileiro de querer levar vantagem em tudo. Não consigo entender!

            Não consigo entender, por exemplo, que o PT… Eu sempre olhei com inveja para o PT, eu fui convidado para entrar e senti vontade de entrar, Mas, naquela altura, eu achava que nós devíamos ficar ali unidos até à Assembleia Nacional Constituinte. Acho que tínhamos que ficar, fazer a campanha, convocar a Assembleia Nacional Constituinte, ir para a Assembleia Nacional Constituinte e admitir candidaturas avulsas; convocada a Assembleia Nacional Constituinte, excluir esses partidos e se formariam os grupos dentro da Assembleia; se agrupariam e se organizariam os grupos e, feita a Assembleia Nacional Constituinte, teria um prazo de seis meses para se criar os partidos.

            Na verdade, não é que faltaram ao Brasil grandes nomes. Se olharmos com calma, com meditação, vamos ver. E nem vou citar aqui, porque eu estaria fazendo injustiças. Mas vivemos, nessa história, nesses anos de Brasil, nomes extraordinários, nomes fantásticos: D. Helder Câmara, D. Evaristo, Celso Furtado. Tivemos grandes nomes que, se estudarmos as biografias, não ficam a dever a nenhuma das pessoas do mundo inteiro. Gente do bem, gente querendo fazer. Por que essa gente não conseguiu se reunir? Por que não conseguimos? Não temos até agora um grupo que tenha feito no sentido “não, esse grupo tentou, fez”.

            O que é que está acontecendo? O que impede, nós brasileiros, de nos organizarmos nesse sentido?

            Eu falava contigo, Cristovam, e com outras pessoas: nós estamos vendo as coisas, no início, logo que nós assumimos, com a Presidente Dila. A gente se reuniu e debatemos: não vamos deixar a Dilma solta, para que ela não fique à mercê dos grupos que estão ali radicalizando, cobrando, o “é dando que se recebe”. Vamos criar um grupo aqui, independente, que diga a ela: “A senhora adote a posição que tem de ser da moralidade, da dignidade, da seriedade, do progresso, do desenvolvimento, e nós estamos com a senhora a troco de nada. Não conseguimos! Não conseguimos!

            No fim, está aí essa falta de consistência. Por isso que esse entendimento da Senadora Marina com o Governador de Pernambuco, a gente olha com respeito -- não sabemos nem o que vai acontecer --, porque pelo menos foi uma tentativa, pelo menos foi alguma coisa de novo contra essa Velha República das velhas coisas: vai lá e me troca, pega o Fulano, dá um Ministério, pega o Beltrano e demite o Fulano. Tem sido assim.

            Quando entrou o PT, eu achava que ia mudar. Eu recebi o Lula -- perdoe-me o Zé Dirceu --, jantou na minha casa, quando me convidaram para participar do Governo. Porque eu votei no Lula na primeira vez e votei com alegria, pensando: dessa vez nós vamos lá, nós vamos chegar lá. E ele tinha tudo para dar certo, e deu. Cá entre nós, houve muitas coisas positivas no governo dele, não vamos deixar de reconhecer. Mas, no essencial, naquilo que o PT representava, naquilo que o Brasil precisava, ele não deu certo. Ele viu essas coisas. Não é que ele não pudesse fazer um acordo com o Maluf para apoiar o prefeito de São Paulo, para ganhar -- tudo bem. Mas não precisava tirar uma fotografia, abraçado com ele, para botar na televisão e nos jornais todos que era aquilo.

            Essas coisas é que fazem hoje a gente ver que o PT é o PT. Não tem uma gota a mais do que o PSDB quando foi governo. E nós somos nós, não fizemos nada em lugar nenhum.

            Eu estou aqui me despedindo, com 83 anos, e me pergunto: Por que não fui advogar? Por que não fui continuar lecionando na universidade? Por que não fui cuidar da minha família, dos meus filhos? Pelo menos eu teria algum patrimônio para deixar agora? O que somou? Onde eu errei? Aí eu teria de usar o plural: Onde nós erramos nessa questão de não encontrar um caminho?

            Eu entendo aqui. As vezes em que nós nos sentamos, como estamos fazendo agora com o Governo da Dona Dilma, em que nós tentamos nos reunir e chegamos até uma maioria que elegeria o Presidente desta Casa e tudo mais… Inclusive, aqueles que estavam ali, com essa disposição, foram os primeiros que caíram. Um é presidente disso, outro é presidente daquilo, outro é secretário daquilo. Quer dizer, o sonho, a perspectiva de ser era pequenina e, com dez tostões, trocaram um sonho por um carro.

            Eu acho, Sr. Presidente, com toda a sinceridade… Estou vendo as reações da união da Dilma com o Governador de Pernambuco causando algo que a mim estranha. Não vou discutir agora se o Partido Socialista tem o fulano, o beltrano. Quem de nós pode atirar a primeira pedra pelas companhias a, b ou c, porque todos os partidos, hoje, têm de todo mundo. Tem de tudo nos partidos.

            Eu não vou deixar de reconhecer que a Presidente Dilma, no seu Governo, avançou. É uma mulher que merece o meu respeito, a minha admiração. É difícil a posição da Dilma, eu sei. O Lula é o dono do partido, o Lula criou o partido. Quem está ali entrou por causa dele. Qualquer coisa que existe hoje no PT foi o Lula que fez. A Dilma veio do PDT para chegar ao PT e se eleger Presidente, mas ela não tem o PT. Ela está lá condicionada: de um lado o PMDB, do outro lado o PT, cada partido querendo alguma coisa. E este Congresso não teve condições de ter vida própria.

            Não sei, amigo Cristovam, mas eu olho com inveja o que está acontecendo nos Estados Unidos. Pode parecer estranho, mas aquele debate entre o Congresso e o Presidente… Olhe, os Republicanos, digam o que disserem, mas estão lá, inclusive contra a opinião pública, porque a opinião pública americana é a favor do Obama, acha que eles devem autorizar de uma vez o orçamento. Como é que o país vai ficar sem orçamento, sem poder gastar? Correndo o risco de, de repente, não pagarem as dívidas e terem um carimbo de caloteiro. E eles estão lá, lutando, dando duro e enfrentando. Aquele Congresso existe, realmente existe. Mas nós, não sei. Sinceramente, não entendo e não compreendo.

            Por isso, quando vejo um homem como Mujica…

            Eu poderia falar do Dr. Ulysses, um homem que nunca fez nada que não fosse se dedicar de corpo e alma à vida pública. Dona Mora era viúva, seu primeiro marido era muito rico. Ela deu uma procuração para o Dr. Ulysses, para ele administrar os bens dela. Lá pelas tantas veio alguém dizer que os bens da Dona Mora estavam quase indo a hasta pública, porque um estava desalugado, não sei o que, não pagavam imposto da prefeitura etc. Aí entrou alguém, eles se reuniram e deram uma procuração para uma terceira pessoa.

            O Dr. Ulysses não tomava conhecimento. Ele, absolutamente, não tomava conhecimento. Dinheiro era uma coisa que, para ele… Ele usava aquilo. Como Presidente do MDB, que era o único partido de oposição àquela altura… Tinha um carrinho velho, a coisa mais ridícula que havia. Ele andava naquele carrinho. Ele foi eleito Presidente da Câmara, então o colocaram naquele carro moderno. Naquela época era uma coisa inédita. Hoje, com essa história de telefone, vão considerar até como uma piada, mas era uma coisa excepcional o carro do Presidente da Câmara, porque tinha um telefone.

            Numa ocasião, ele foi me pegar em casa para irmos a um jantar que festejaria o fato de ele ter sido eleito presidente. Era um grupinho da família dele. Quando nós entramos no carro, ele se sentou e, de repente, tocou o telefone. Ele perguntou: “O que é isso, Zé?” “É o telefone, Dr. Ulysses!” “Mas que telefone? Como esse telefone veio parar aqui?” Ele não tinha reparado que estava num carro novo. Ele pensou que era o fordeco que ele estava usando, não se tinha dado conta da coisa.

            Esse era o Dr. Ulysses, um homem preocupado com o conjunto, independentemente de ganhar ou deixar de ganhar. Nunca nomeou este aqui ou aquele lá. Nós temos muitas pessoas assim.

            Celso Furtado emocionava a gente. Eu falando com ele, e ele com aquele conhecimento, com aquela cultura fantástica que ele tinha. Peguem a análise que Celso Furtado faz do Nordeste: nós já poderíamos estar com o Nordeste no caminho certo há muito tempo, há muito tempo.

            Na hora, o máximo que ele conseguiu com o Tancredo foi ser, se não me engano, o Ministro da Cultura. Nós queríamos botá-lo como Ministro do Planejamento ou outra coisa, mas virou Ministro da Cultura para não ficar fora. Eu fui um dos que disseram para o Tancredo: “Mas, Dr. Tancredo, vai ficar ruim fazermos um ministério nesta hora e não botarmos o Celso Furtado, que estava no exterior, era professor com brilho nas universidades da França. Ele não está vindo aqui desempregado, não está vindo, não. Ele está deixando a Sorbonne par vir aqui.”

            Aí ele pegou o ministério.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Nós ficamos felizes da vida: ele vai pegar o ministério, vai pegar o planejamento, vai pegar a Cultura. Ele tinha condições e capacidade imensas para ser o Ministro da Cultura, mas, no Brasil, naquela altura, ele podia ser o homem do Nordeste, para… Então, eu não sei.

            Eu encarei com alegria enorme, embora a imprensa fosse contrária a ela, a criação da TV do Governo. Eu achei que criar a TV Brasil seria um passo muito grande, muito positivo no sentido do sentimento nacional. E o Governo criou, mas a TV que eu imaginava que o Governo ia criar era uma espécie de televisão do governo de Londres.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Uma empresa que é qualquer coisa de fantástica, de espetacular, uma empresa para levar cultura, para levar o desenvolvimento. E o Brasil fundou. Eles argumentam -- e até eu possa ter de concordar -- que a imprensa só a deixou aparecer e que ela só está andando com zero ponto não sei quanto de ouvintes, porque ela é fraquinha assim como ela está. Se fosse uma grande empresa, ela teria sido destruída. Na verdade, o que eu defendo é que alguma coisa deve ser feita.

            Eu estou saindo. Ao Cristovam, que está entrando, e a alguns fica aqui uma grande responsabilidade, a responsabilidade de fazer isso. Não precisa ser partido, pode ser desse partido, daquele partido, mas um grupo que tenha esse pensamento, que tenha esse princípio, que se reúna… Lá pelas tantas, vamos chamar a direção da Rede Globo.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Lá pelas tantas, vamos chamar a representação da RBS. E vamos conversar. Vamos ver, vamos planejar o futuro do Brasil, como deve ser feito, mas fazer alguma coisa. Por enquanto, nós temos que nos contentar em ouvir o Cristovam, achar que o que ele diz é uma maravilha, indo para casa e ficar tudo do mesmo jeito.

            Eu lamento isso, Sr. Presidente, sinceramente lamento. Por isso eu vejo com alegria a união da Senadora e do Governador de Pernambuco. Ela exagera… Mas vejo com alegria a manchete: Terminou a Velha República. Se terminou a Velha República… Eu nasci em 1930, e, na época, eu não disse, mas me contaram depois que o que se falava é que terminou a Velha República com a vitória da Revolução de 30. Mas até agora não começou a nova República. Vamos ver, Sr. Presidente.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria. PMDB - RS) - Obrigado pela exagerada tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2013 - Página 71202