Discurso durante a 161ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Registro do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2013 - Página 65077
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, CAMARA MUNICIPAL, MUNICIPIO, VITORIA DA CONQUISTA (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), DEBATE, DIREITOS, PESSOA DEFICIENTE.
  • REGISTRO, DIA NACIONAL, LUTA, PESSOA DEFICIENTE, COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ADOÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, REFERENCIA, QUALIFICAÇÃO, INCLUSÃO, MERCADO DE TRABALHO, ACESSO, CULTURA, ESPORTE.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM, VITIMA, REGIME MILITAR, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, COMENTARIO, PREJUIZO, DITADURA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, AMERICA LATINA.

            A SRª LIDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, brasileiros que nos acompanham pelos órgãos de divulgação da Casa, em 2005, a data de 21 de setembro foi instituída, pela Lei N° 11.133, como Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Esta semana, quero saudar o Movimento de Pessoas com Deficiência, na pessoa do presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Salvador, José Ednilson Almeida do Sacramento, ele que é cego, estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e está em Brasília para acompanhar a Marcha Nacional pelo Efetivo Cumprimento dos Direitos das Pessoas com Deficiência,

            Segundo a ONU, 10% da população mundial, cerca de 650 milhões de pessoas, têm alguma deficiência. Em 2008, entrou em vigor a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No Brasil, o censo IBGE 2010 revela que 45 milhões de brasileiros (23,9%) declararam-se com algum tipo de deficiência.

            Segundo balanço de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, divulgado em junho pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine), entre maio de 2012 a abril deste ano foram oferecidas 46.884 vagas pelas empresas para pessoas com deficiência. Ainda é pouco considerando que, no Brasil, a política nacional de cotas obriga as empresas com pelo menos 100 funcionários a preencher, no mínimo, 2% de seu quadro com deficientes.

            No mandato, em diversas oportunidades, tanto no plenário como nas comissões, tenho me colocado em defesa das pessoas com deficiência. Entre os projetos apresentados, no ano passado conseguimos aprovar o Projeto de Lei do Senado - PLS 621/2011, que destina às pessoas com deficiência um mínimo de 10% das vagas de cursos e programas de qualificação profissional financiados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados.

            Este ano, aprovamos o Projeto de Resolução do Senado - PRS 46/2011, que institui a Comenda Dorina Gouveia Nowill, para agraciar personalidades que contribuíram para a defesa das pessoas com deficiência no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das propostas que Movimento Nacional pelo Efetivo Cumprimento dos Direitos das Pessoas com Deficiência apresenta diz respeito "à criação de um Fundo Nacional para promoção de políticas de inclusão das pessoas com deficiência..." para custear "projetos destinados a este segmento social, propostos por entidades civis e/ou por órgãos governamentais".

            Foi iniciativa do nosso mandato a proposta de criação de um Fundo Nacional de Apoio à Pessoa com Deficiência (Projeto de Lei do Senado -PLS 587/2011), que está pronto para votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) deste Senado. Citando trecho do Manifesto das Pessoas com Deficiência:

            ... cada deficiência tem suas especificidades... mas para que as pessoas com deficiência tenham as mesmas oportunidades que os demais cidadãos... é preciso que sejam garantidos meios de acesso na medida das necessidades de cada deficiência...

            A história das pessoas com deficiência já passou por várias fases críticas marcadas pela intolerância, exclusão total, invisibilidade e assistencialismo. Temos avançado nesta luta, mas também temos, de outro lado, uma grande ameaça que é, sem dúvida, o preconceito, bem como a invisibilidade às chamadas barreiras "atitudinais". As relações humanas na sociedade do século XXI retratam um quadro caótico de convivências e interações resultantes de conflitos históricos gerados pela dificuldade humana de conviver e respeitar TODAS as diferenças.

            Por isso, persiste uma profunda necessidade de repensarmos nossos conhecimentos sobre o tema. Uma das primeiras atitudes a ser reforçada - bandeira de diversos movimentos - é, justamente, parar de utilizar o termo "portador de" e adotar a expressão atual (segundo convenção da própria ONU) "pessoa com deficiência", que parte da seguinte orientação: "nada a nosso respeito sem a nossa participação".

            Por fim, quero destacar alguns direitos e avanços conquistados na última década, bem como desafios que ainda persistem. Entre os direitos, a Lei de Cotas propiciou a contratação de mais de 300 mil pessoas com deficiência.

            Temos ainda a reforma psíquica e política de saúde mental no Brasil (Lei 10 216/2001); o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos; o Programa Viver sem Limite, de 2011; e dotação orçamentária executada pela União em colaboração com estados, Distrito Federal, municípios e sociedade, que envolve recursos para quatro eixos temáticos: acesso à educação; atenção à saúde; inclusão social; e acessibilidade.

            Assim, os desafios que se colocam são os de monitorar a aplicação da Convenção da ONU, implantar políticas públicas para reduzir a exclusão, fomentar a equiparação de oportunidades e a plena participação cidadã das pessoas com deficiência. Tais iniciativas vão ao encontro de promover um maior entendimento - individual e coletivo - sobre o que é PcD - Pessoas com Deficiência, adequar a legislação, dar maior visibilidade a essa população e suas necessidades, tornando-a mais protagonista e ajudando a eliminar o preconceito. Ao Poder Público cabe implantar políticas hábeis à remoção das barreiras culturais, arquitetônicas, tecnológicas, econômicas ou quaisquer outras, a fim de que esses cidadãos exerçam plenamente seus direitos constitucionais e participem mais da vida social.

            Por fim, quero registrar que a Câmara Municipal de Vitória da Conquista promove hoje audiência pública para debater a síndrome de Down, em sessão especial convocada pela vereadora Lúcia Rocha. Quero destacar o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Saber Down da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), coordenado pela professora Marian Oliveira e, impossibilitada de comparecer, parabenizar pela iniciativa.

            Como segundo assunto, gostaria de registrar que, na semana passada, essa Casa realizou Sessão Solene em homenagem às vítimas do golpe militar do Chile, ocorrido há 40 anos, em 11 de setembro de 1973. Embora coautora da proposição, não pude participar em virtude de integrar Missão Oficiai no exterior.

            Queria parabenizar ao Senador João Alberto Capiberibe, amigo e companheiro de bancada, que muito bem coordenou o referido evento, sendo ele próprio uma das vítimas daqueles fatídicos e tristes eventos.

            Gostaria também de propor algumas reflexões sobre aquele momento histórico trágico de "Nuestra America", posto que as lições da história sempre exigem permanente atenção e meditação, para que consigamos compreender com profundidade o alcance dos fatos que se nos apresentam hoje em dia.

            Assistimos nas jornadas de mobilização popular de junho segmentos bastante minoritários, mas extremamente agressivos, pedindo a volta da ditadura militar como remédio para a corrupção. Mal sucedidas em conquistar adesões nas ruas, essas vozes ainda buscam audiência nas redes sociais, numa pregação cheia de rancor e preconceito, e absolutamente vazia de propostas para o País.

            A defesa da democracia é uma prática diuturna. Não a democracia formal e retórica dos liberais conservadores, mas a democracia viva e pulsante que as mobilizações populares parecem ter redespertado em nossos corações e mentes.

            Os dramáticos fatos de 11 de setembro de 1973 devem servir de alerta a todas as consciências dos cidadãos e cidadãs do planeta e da América Latina em particular. O Chile era, na época, uma das mais antigas e sólidas democracias, tanto assim que permitira que, pela primeira vez nas Américas, pelas eleições livres e diretas, chegasse ao poder um governo socialista liderado por Salvador Allende.

            A violência do golpe inaugurada com o assassinato do Presidente Allende no Palácio de La Moneda logo em suas primeiras horas, ainda nos choca a todos. A memória dos milhares de mortos, presos, torturados e desaparecidos ainda repercutem na memória da humanidade, como uma nódoa que jamais se dissipará.

            A profunda divisão política que se instalou com a vitória da Unidade Popular na eleição que em 1970 deu a vitória a Salvador

            Ailende, prosseguiu durante todo o seu governo, estimulado pela mídia conservadora e os dólares da CIA. Essa divisão se aprofundou com o golpe de 11 de setembro de 1973. A violência do General Pinochet e seus seguidores promoveu uma modernização capitalista, apontada e saudada por muitos na época, apóstolos do neoliberalismo, como um modelo a ser seguido por todo continente. A expressão "Chicago Boys", que marcou a equipe econômica pinochetista de jovens economistas formados nas universidades norte-americanas, arautos do estado mínimo e do livre mercado, encontravam aqui no Brasil muitos admiradores e seguidores.

            Mas se o custo histórico, em termos de sangue e dor, de amplas parcelas da população chilena dessa modernização, foi ocultado pela feroz censura por algum tempo, acabou por emergir com toda a força e eloqüência na surpreendente derrota do General Pinochet no plebiscito por ele mesmo convocado, e que era tido por todos os observadores como um mero jogo de cartas marcadas.

            O custo histórico das ditaduras é sempre alto, muito alto. Passados 40 anos, o Chile segue dividido. Em artigo recente, o jornalista Eric Nepomuceno afirmou: "Claro que não existe no mundo um país de unanimidades, e que, se existisse, com certeza seria tenebroso. O que chama a atenção no Chile é que além das até agora irremediáveis divisões sociais, persiste uma divisão que se transformou numa ferida que não termina nunca de cicatrizar: a das memórias soltas dentro das almas dos chilenos. As marcas da ditadura. A divisão mais profunda é a da memória: de um lado, a dos mais de três mil mortos e das mais de 40 mil pessoas que sobreviveram ao tormento, às masmorras, aos campos de concentração, às mutilações e ao exílio, e que continua pedindo que se conheça a verdade, que se estabeleçam juridicamente as responsabilidades, que se faça justiça. De outro, a memória (sim, porque isso começou há mais de 20 anos) dos que dizem que o que foi feito, feito está, e que ninguém deve explicações a quem quer que seja. Entre os dois lados, os que defendem uma reconciliação no modelo espanhol, em que se respeite a memória, mas também a impunidade como eixo e centro da reconciliação. São os que, embora reivindiquem o direito à verdade, se negam a ver a anistia decretada nos estertores dos tempos de horror como uma nódoa sobre o presente e um penhasco insuperável diante do futuro».

            Agora em outubro teremos eleições presidenciais no Chile. Quatro décadas depois, mais uma vez, o Chile permanece radicalmente dividido. De um lado, a candidata socialista e ex-presidente Michelle Bachelet, da aliança de centro esquerda; no lado oposto, a deputada Evelyn Matthei, candidata do atual Presidente Sebastian Pinera e da direita.

            Michelle Bachelet teve seu pai, o general da força aérea Alberto Bachelet, assassinado sob tortura em 1973. Ela própria, ainda muito jovem, foi presa e assistiu sua mãe ser torturada, antes de partirem para o exílio.

            Evelyn Matthei é filha de outro general da força aérea, Fernando Matthei, amigo do pai de Michelle. Era ele o diretor da instalação militar onde Alberto Bachelet foi torturado e morreu. Admiradora confessa do ex-ditador, foi uma das mais constantes presenças ao lado de Pinochet, quando da sua prisão em Londres por crimes contra a humanidade. Sempre que indagada sobre os crimes da ditadura, afirma que era muito jovem na época para ter que se justificar por aqueles fatos,

            Para muitos, no Chile só haverá uma pacificação definitiva com a plena apuração, com o resgate completo da memória das vítimas e de seus algozes. Debate bastante similar ao que se dá hoje em nosso País.

            Entre as muitas lições que nos oferece o Chile, uma delas certamente está em que ao romper-se com a democracia, um País penetra num túnel bastante escuro, que pode custar muitas gerações para se resgatar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2013 - Página 65077