Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a situação educacional do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Preocupação com a situação educacional do País.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2013 - Página 69045
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, APREENSÃO, RELAÇÃO, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, COMENTARIO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, LEGISLATIVO, REFERENCIA, EDUCAÇÃO BASICA, MELHORIA, ATUAÇÃO, POLITICA, SETOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu quero me referir a um assunto que já foi tocado aqui, especialmente pelo Senador Luiz Henrique e pelo Senador Cyro Miranda. É o fato de que, na mesma semana, nós temos o choque de que a nossa única universidade entre as 200 melhores do mundo caiu, e outras também, e o choque de que o número de analfabetos aumentou no Brasil em 300 mil. Dois fatos, Senador Aloysio, que justificariam uma revolução em qualquer lugar, e aqui passa em branco.

            Como eu falei há pouco aqui, em aparte, imaginem se o Brasil tivesse caído no ranking da FIFA, o escândalo que haveria se não estivesse entre as 200 melhores Seleções. E a gente não está. E nada acontece. A Presidenta não convocou o Ministro da Educação, pelo menos que se saiba. Não convocou uma reunião de todos os Ministros; não convocou o Presidente da Câmara e do Senado para discutir como é que, numa parceria, nós, juntos, poderíamos fazer com que o analfabetismo fosse resolvido, e as universidades fossem promovidas.

            É essa insensibilidade para os assuntos da educação que deixa o atual Governo em uma posição insustentável diante da opinião pública e, sobretudo, diante do futuro do Brasil.

            O Senador Luiz Henrique falava aqui que o Brasil tinha dificuldade em ser um país emergente dessa maneira. O Brasil caminha para ser um país submergente, porque, daqui para frente, o grande capital de um país é o conhecimento!

            Eu vi, há pouco, uns estudos dizendo que o Brasil vai estar muito bem nos próximos 10 anos, 15 anos, 20 anos, porque o preço da soja vai crescer. Gente, isso se justificava no tempo do açúcar, no século XVII, em Pernambuco, porque a commodity açúcar, realmente, subindo de preço, tudo dava certo, e parecia que era eterno, até porque todos achavam que a escravidão não ia acabar nunca.

            Mas, no mundo de hoje, em que a gente vê um produto novo todos os dias, em que a gente vê que a produtividade está, sobretudo, na criação de novos produtos, até mais do que na maneira de produzir os produtos, o que sempre foi a ideia da produtividade... A produtividade, tradicionalmente, era o quanto um trabalhador produz em renda. Não é mais. Hoje, é quanto os inventores criam. Já não é mais tempo de ficar comemorando o tal do “made in Brazil”. É tempo de a gente colocar o “created in Brazil”, criado no Brasil. E nós estamos muito atrás.

            Uma das razões pelas quais a USP caiu é a nossa baixa produção de novos produtos, nossa baixa relação com o setor empresarial. As universidades estão ruins, embora sejam mais. No Brasil, nós comemoramos o inchaço, não comemoramos a saúde. As universidades incharam. As universidades não ficaram melhores e maiores, como a gente deve querer também. E o problema central está na educação de base.

            Quando a gente olha a lista das duzentas melhores que saiu na Folha de S.Paulo e vai país por país, vemos que tem uma coisa que unifica. Falam idiomas diferentes, a renda per capita é diferente de um país para outro, as culturas são diferentes, mas tem uma coisa que é comum: todos fizeram o dever de casa da educação de base. Todos, sem exceção. E nós não o fizemos.

            Eu até acho que amanhã a USP se recupera. Pode chegar a ser uma das cem melhores, mas só vai ter uma USP no Brasil. Aí, de repente, a Unicamp também chega, mas serão apenas duas. Por quê? Porque elas vão ser as universidades onde entram os melhores alunos do Brasil inteiro. Aí conseguem ser boas. Mas as outras vão ficando ruins.

            Uma coisa que faz com que caia é o fato de termos criado tantas universidades que os alunos não precisam mais ir para São Paulo para estudar. Então, alguns bons alunos ficam lá. Mas um ou dois bons alunos não fazem uma universidade. Todos é que fazem uma universidade.

            Imaginem se esses 14 milhões de analfabetos, todos eles, tivessem tido uma boa educação de base. Imaginem se todos falassem inglês. Uma das condições para se ter uma boa universidade hoje é que se fale inglês dentro da universidade. Senão, ela perde competência e competitividade para fora.

            Imaginem se esses 14 milhões de analfabetos tivessem tido uma boa educação de base, se soubessem idiomas, se falassem bem o português, se soubessem matemática, se tivessem noções de geografia, de história, de biologia... Se esses 14 milhões estivessem dentro das universidades, nós não estaríamos desse jeito. Se fosse 1% desses 14 milhões, já seriam 140 mil.

            Seriam 140 mil bons cérebros. Mas nós abandonamos esses 14 milhões, nós os jogamos para fora, incineramos seus cérebros, porque um analfabeto pode ser muito inteligente, mas não consegue fazer um curso universitário. Pode ser muito sensível, mas não consegue fazer um curso universitário. Um analfabeto não é pior do que um doutor, do ponto de vista moral. São até melhores, em geral, mas não conseguem fazer um curso universitário, não conseguem gerar o conhecimento necessário para o futuro.

            Nós não fizemos o dever de casa. E isso é trágico. E continuamos sem nos preocupar com isso.

            Vou fazer uma confidência aqui, Senador Paim. A última frase que eu disse ao Presidente Lula como Presidente, numa reunião no gabinete dele, de onde eu saí para aeroporto para pegar um voo para Portugal e me encontrar com ele e sua comitiva na Índia, foi “Presidente, nós não estamos fazendo o dever de casa”. E eu vi a cara dele. Ele não gostou. A razão, Senador Paim, tem a ver com o senhor. Não se preocupe, pois vou dizer o porquê. É que se discutiam as cotas. Estávamos eu, a Ministra Matilde e mais um grupo. E o Presidente, corretamente, perguntou: “será que, em vez de cotas raciais, não é melhor uma boa educação de base para todos”? E eu, na hora, respondi: “sem dúvida, Presidente, mas vai levar 20 anos para fazer o efeito sobre os negros brasileiros, que são da camada mais pobre”. Levaria 20 anos se nós estivéssemos fazendo o dever de casa.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Mas não estamos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Mas nós não estamos.

            Cá para nós, de fato, um ministro dizer que o governo não está fazendo o dever de casa na sua pasta pode até justificar, sim, sua demissão. Eu sei que ele saiu dali e eu fui me encontrar com ele na Índia. Mas, quando ele voltou, ele disse ao Ministro Gilberto Carvalho que não dava para me manter. Eu acho que aquela foi uma das coisas, mas eu estava certo.

            Presidente Lula, Presidenta Dilma, nós não estamos fazendo o dever de casa no que se refere à educação de nossas crianças. E aí não fazemos o dever de casa nas universidades, porque fazer universidade não é criar universidade. Fazer universidade é manter universidade. E manter não é só dar dinheiro, mas é ter cérebros ali dentro, sobretudo de alunos. Sabem por que o aluno é mais importante que o professor? Porque um aluno bom puxa o professor ou então o demite. Se o aluno é bom e a gente não consegue um professor bom, o aluno vai buscar no exterior, como a gente está buscando médico. Agora, quando o aluno é ruim, ele puxa a universidade para baixo, porque se acomoda. O bom professor, quando o aluno é ruim, pode até fazer de conta que dá aula e ir para o gabinete dele pesquisar, produzir, porque ele não fica dando aula com o exercício pleno do que faria se os alunos fossem bons.

            Hong Kong, por exemplo, é uma cidadezinha, mas tem três universidades entre as duzentas melhores. É uma cidade, gente, não um país. Singapura é uma cidade. Eu não fui olhar no Google, mas Singapura deve ter três ou quatro milhões de habitantes e tem duas universidades entre as duzentas melhores. A Coréia do Sul é a que tem mais universidades. Comparada com o Brasil, ela é muito pequena, mas tem quatro universidades.

            Eu não estou comparando com as 77 dos Estados Unidos, com não sei quantas do Reino Unido, mas com um desses países. Não se justifica. O Brasil não pode ter menos que dez universidades entre as melhores, porque temos 200 milhões de habitantes, porque somos o 7º PIB do mundo. Não se justifica, Senador Mozarildo, termos menos de dez.

            Esses outros países que têm muitas universidades são pequenos. Ou seja, na hora de escolher, escolhem entre poucos. A gente escolhe entre um número muito maior.

            Nós somos os melhores em futebol não é só porque a bola é redonda para todos, mas porque nós temos 200 milhões de habitantes, sendo que 100 milhões deles jogam futebol, esporte masculino. Então, por que não fazemos isso também na educação? Por que não fazemos a educação redonda para todos? Por que, no Brasil, rico tem escola redonda e pobre tem escola quadrada? E o caminho a gente sabe. O caminho é toda escola ser pelo menos igual às 420 escolas federais que o Brasil já tem. Basta espalhar essas escolas pelo Brasil.

            E isso, depois de vinte anos, porque não se faz de repente, custaria 6,4% do Produto Interno Bruto, pagando-se R$9,5 mil de salário mensal a um professor, o que faz com que o custo de cada aluno seja de R$9,5 mil por ano. É menos do que a maior parte da classe média paga na escola particular, onde a mensalidade já está em R$1 mil. A nossa custaria R$600,00, R$700,00, R$800,00, que seja.

            Se a gente sabe, por que não faz? Em parte, porque não dá voto. Colocar uma universidade dá voto. Os pais comemoram o menino que entra na universidade, mas não se comemora, não se faz festa para o menino que termina o ensino médio. Não dá a euforia, o orgulho, e aí não dá voto.

            A Presidenta teria que ter um gesto de preocupação, até para despertar a população, até para despertar esta Casa, que não desperta para o problema que significa aumentar o analfabetismo e diminuir a qualidade das universidades na ordem das melhores do mundo. Esses dois movimentos tinham que estar ocorrendo em sentido contrário! Mas a Presidenta não desperta, não vem aqui, não fala aqui, não comenta, não faz uma fala, não pede desculpas pelo fato de que nós não fizemos nesses anos todos.

            E não é o Ministro que tem que fazer isso. O Ministro está aí há quatro ou cinco meses. Como é que ele vai ser culpado disso? Não. Nada. Nada. O Ministro Mercadante não tem nenhuma culpa nessa situação. A culpa não apenas da Presidenta Dilma, mas é também do Presidente Lula. Mas não é apenas do Presidente Lula, pois é também do anterior, Fernando Henrique, e de toda a história do Brasil. Mas isso passou, esses caras passaram. Agora é ela a nossa líder. É ela que tem a responsabilidade. Aliás, mais do que a responsabilidade, ela tem a obrigação de manifestar a sua indignação com isso.

            Presidenta, é muito ruim ver os serviços de espionagem americanos lendo as cartas da gente, mas é muito pior ver 14 milhões de adultos incapazes de ler a carta que o pai escreveu, que a mãe escreveu, que o filho escreveu, que o amigo escreveu, que a namorada escreveu, que o namorado escreveu. A vergonha do Brasil não é pelo fato de os americanos lerem nossas cartas, mas por 14 milhões de brasileiros não conseguirem ler cartas de brasileiros, escritas para eles próprios.

            E a Presidenta não se manifesta com qualquer indignação sobre isso. É como se não estivesse acontecendo no Brasil, mas em outro planeta. E nós aqui não estamos fazendo o que deveríamos.

            Por isso, creio que temos a obrigação de, pelo menos, levar adiante o que o Senador Luiz Henrique propôs aqui, que é colocarmos como próximo tema da Comissão do Futuro, Senadora Ana Amélia, que é membro ativo dessa Comissão... O Senador Luiz Henrique propôs que a próxima atribuição da Comissão fosse responder como, daqui a 30 anos, o Brasil poderá estar com algumas universidades entre as melhores do mundo. O que nós precisamos fazer para isso? Que dever de casa precisamos fazer para não passar por esse constrangimento?

            Eu não tenho a menor dúvida de que um dos pontos fundamentais para termos universidades boas é termos analfabetos de menos, é termos todos os alunos brasileiros terminando o ensino médio, um ensino médio de alta qualidade. Aí a universidade fica boa, porque ela fica precisando de pouco.

            Fico aqui deixando clara, Senador Mozarildo, não só a preocupação que o Senador Luiz Henrique manifestou e que eu também tenho, não só a possibilidade, o risco de ver o País submergir, em vez de emergir, como se tem dito nos últimos anos.

            Eu fico envergonhado não por, como brasileiro, ler isso e perguntar o que os políticos estão fazendo comigo. Eu fico mais envergonhado ainda é por, como político, não estar conseguindo fazer nada para mudar isso. Não estou conseguindo, ou por omissão, que não é o caso, ou por incompetência, incompetência de fazer com que as ideias que a gente tem virem realidade. Pelo menos de uma coisa eu não tenho de me envergonhar: eu não vou desistir de continuar essa luta. Eu não vou desistir de continuar dizendo que o Brasil pode e o Brasil deve, que o Brasil precisa e que é possível no Brasil. É possível, é preciso e se sabe como fazer. E vou continuar convencendo, lutando, falando, brigando, porque um dia vai acontecer. Não sabemos se vai acontecer conosco ou não, mas vai acontecer. A realidade das coisas vai levar a que, em algum momento, este País desperte. O que não pode é um país que está querendo ser campeão de futebol, ganhar medalha, fazer copa, fazer olimpíadas, ver, de um lado, aumentar o analfabetismo e, de outro, diminuir a qualidade das universidades. As duas coisas estão ligadas, uma está ligada à outra. A gente não pode deixar que isso continue e não pode, sobretudo, parar de lutar para que isso não continue.

            Era isto, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2013 - Página 69045