Discurso durante a 197ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa com a votação de projeto de lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Expectativa com a votação de projeto de lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2013 - Página 79578
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, SISTEMA NACIONAL, POLITICAS PUBLICAS, DROGA, DEBATE, REPRESSÃO, USUARIO, DIFERENÇA, PUNIÇÃO, TRAFICANTE, VICIADO EM DROGAS, HOSPITALIZAÇÃO, TRATAMENTO.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, eu venho à tribuna, na tarde de hoje, para falar sobre um assunto de grande relevância, que deve ser objeto de apreciação da Comissão de Constituição e Justiça nos próximos dias e que tem uma enorme incidência na vida da população brasileira. Eu me refiro à votação do Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2013, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, sobre as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e trata do financiamento das políticas sobre drogas.

            Nós temos hoje, no Brasil, uma enorme preocupação da população com esse tema. Nas cidades, até mesmo nas cidades de menor porte, essa questão tornou-se um tema dos mais importantes no debate cotidiano. E nós temos hoje, no Brasil, uma situação de uso de drogas que já foi objeto de diversas pesquisas que mostram como se pode abordá-la de uma forma melhor.

            Em primeiro lugar, esse projeto que veio da Câmara trouxe uma série de mudanças na sua versão original, mas com alguns aspectos que eu acho são importantes de serem discutidos. Entre eles, a visão que se procura colocar ali de ressaltar muito o aspecto repressivo, o que, no que diz respeito aos usuários, eu entendo não ser a saída para esse enfrentamento.

            Pois bem, entre as propostas que entendo devam ser mexidas e discutidas, nós temos, por exemplo, a questão da ampliação do processo de apenamento dos envolvidos no uso das drogas. Nós temos uma visão de que hoje já temos as nossas cadeias, as nossas penitenciárias cheias, um espaço onde, inclusive, em vez de haver uma reeducação, o que há, muitas vezes, é um processo de aprendizado sobre como o preso deve se colocar nas atividades ilícitas que pratica. É, como se diz, uma verdadeira escola do crime. E, muitas vezes, um pequeno delito termina levando pessoas à prisão sem que haja uma solução efetiva para o problema que nós estamos abordando, que é o consumo das drogas.

            Pois bem, pesquisas várias têm mostrado, entre elas a do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, divulgada em junho passado, que 25% dos detentos do Brasil estão presos por crimes relacionados a drogas, sendo que, no universo feminino, essa proporção alcança 60% - até porque, no caso do público feminino, nós temos muitas vezes as mulheres presas porque terminam sendo intermediárias no tráfico, na condução de drogas até o ambiente do presídio, e, muitas vezes, flagradas, passam a ser objeto de apenamento.

            Nós entendemos que uma proposta que trate do tema das drogas deve ter como referência, em primeiro lugar, estabelecer algumas distinções importantes. É necessário estabelecer a distinção entre o que é o traficante e o que é o usuário ou dependente, para que nós possamos ter políticas específicas para tratar a questão.

            Do ponto de vista da repressão ao tráfico, naturalmente que nós temos que criar todas as condições para que os órgãos de repressão atuem no sentido de inibir esse tipo de prática, de atividade. Temos que ter, cada vez mais, eficiência não só nos processos de investigação, como também nos processos jurídicos que se dão posteriormente. Mas entendemos que se faz necessário estabelecer uma distinção entre o que é o traficante e o que é o usuário, sob pena de termos legislações que vão criminalizar aqueles que, em verdade, muitos na condição de dependentes, precisam muito mais de atendimento à saúde do que efetivamente de ação repressiva por parte dos órgãos de segurança.

            Outra coisa importante é que nós não podemos permitir nenhum retrocesso no que diz respeito aos avanços conseguidos na Política Nacional de Saúde Mental nos últimos anos, em que o tema dependência de drogas é relevante.

            Ao longo de muitos anos, neste País nós só tivemos uma alternativa para o tratamento das pessoas que sofrem de distúrbios mentais: era a internação pura e simples em hospitais psiquiátricos, na maioria das vezes, ou 100% das vezes, estabelecendo um isolamento do paciente em relação à sociedade, à sua família, utilizando-se pseudotratamentos que, muitas vezes, levavam à cronificação desses pacientes, e não ao controle das doenças e ao restabelecimento deles. Ao longo do tempo, tivemos um trabalho de conquista importante no enfrentamento desse modelo asilar.

            E esse processo, fruto de um luta bastante importante ao longo dos anos 90, parte dos anos 80 também, uma parte da primeira década do século XXI, produziram uma mudança profunda nesse sistema que hoje, inclusive, faz com que o Brasil seja reconhecido como um dos países que mais avanços apresentou nessa área das políticas de reforma da assistência psiquiátrica e de atenção à saúde mental. Hoje nós temos um sistema extra-hospitalar, ambulatorial bastante importante, que inclui os centros de atenção psicossocial, ações na área de ressocialização, como as residências terapêuticas, enfim, que precisam ser incentivados. Os CAPS, por exemplo, vários deles hoje atuam na área do atendimento às dependências químicas; são os CAPS-AD, que precisam ser estimulados, ampliados, porque o enfretamento a esse problema da dependência de drogas é, acima de tudo, um enfrentamento de um problema de saúde pública.

            Então, alguns temas são muito caros nessa luta, entre eles toda uma rediscussão sobre a questão do internamento compulsório ou internamento involuntário, que hoje já é tratado na Lei de Reforma da Assistência Psiquiátrica. Originalmente, nesse projeto, vinha na forma da internação compulsória. O Plenário da Câmara promoveu já mudanças importantes, eliminando essa possibilidade da internação compulsória, mas deixando em aberto, de certa forma, a possibilidade do chamado internamento voluntário, com um leque muito amplo sobre aqueles que têm a oportunidade ou a possibilidade ou o direito de requerer o internamento involuntário.

            Então, essa é uma questão que precisa também ser objeto. Acho que a internação involuntária precisa ser regulamentada, mas não na lei que trata do tema das drogas de uma forma mais ampla, e, sim, na lei que trata da reforma da assistência psiquiátrica no nosso País.

            Mas eu ouço o Senador Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Senador Humberto, V. Exª traz um tema de suma importância: a necessidade de que nós diferenciemos o usuário de substância entorpecente, que deve ser tratado de forma diferente, por óbvio, daquele que é traficante. No Projeto do novo Código Penal, que nós estamos relatando, cujo relatório será entregue no dia 2 de dezembro, nós estabelecemos essa diferença, sim. Mas, mais do que a diferença entre o usuário e o traficante, nós precisamos, dentro do que se denomina tráfico de substância entorpecente, estabelecer regras para o chamado cedente usual. Parece-me que nós temos, hoje, no Brasil, 550 ou 570 mil presos, sendo que a grande maioria destes está presa por envolvimento com tráfico de drogas. Não é o grande traficante, mas aquele que comete esse crime em determinado momento, mesmo não tendo qualquer ligação com nenhuma organização criminosa. Precisamos separar isso. A respeito da internação compulsória, também concordo que ela deve ser tratada em uma legislação especifica, não na que trata de drogas, porque a questão é psicossocial, e V. Exª, como profissional da área, conhece o assunto muito mais. Nós vamos debater esse tema em audiência específica para tratar do assunto na Comissão de Segurança, de que V. Exª faz parte. Aliás, hoje, às duas e trinta, teremos uma audiência com o Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, com o Secretario de Segurança do Estado do Rio de Janeiro e com a Drª Regina Miki, do Ministério da Justiça, para discutir esse tema. Parabéns pela vossa fala!

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu discurso. Fico muito feliz de ver que V. Exª, um dos Senadores mais influentes nesta Casa, defende esse ponto de vista, porque eu acredito que, muitas vezes, o senso comum impede uma maior reflexão sobre a questão.

            Entendo que teremos todas as condições de ter um relatório bastante avançado, não só pelo fato de o Senador Antonio Carlos Valadares, o Relator na Comissão de Constituição e Justiça, ser alguém que sempre, no relato de projetos, procurou ouvir todas as partes e se guiar pela ideia da construção do consenso, mas também pelo fato de estar discutindo com todos os segmentos envolvidos nessa questão.

            Ao final, tenho certeza de que vamos ter uma proposta onde o tema da saúde estará salientado e que mostrará que o problema das drogas precisa ser visto de uma forma muito ampla. Sou psiquiatra, sou defensor da reforma psiquiátrica, implementei vários pontos dessa reforma como Ministro da Saúde, mas entendo, até pela minha experiência profissional como psiquiatra, que nós não podemos abrir mão de qualquer forma de atendimento a essa população.

            Por isso, sou defensor da ideia da regulamentação e do reconhecimento das comunidades terapêuticas como espaços de acolhimento para essas pessoas dependentes e que possam atuar articuladamente com o sistema de saúde para nós termos possibilidade de maior reinserção social, para nós termos possibilidade fazer funcionar, por outros meios, aquilo que não funcionou para alguns.

            Eu estou fazendo essa primeira abordagem hoje, mas pretendo utilizar esta tribuna mais vezes para aprofundar e debater essa questão.

            Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, pela tolerância, e também aos demais colegas.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2013 - Página 79578