Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para a importância da Lei Maria da Penha no combate à violência contra as mulheres.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA, FEMINISMO.:
  • Destaque para a importância da Lei Maria da Penha no combate à violência contra as mulheres.
Aparteantes
Wellington Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2013 - Página 70303
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA, FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, AUTORIA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), REFERENCIA, CONTRIBUIÇÃO, LEI MARIA DA PENHA, RELAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Senador João Vicente. Obrigada, Senador Presidente desta Casa e Presidente desta sessão, Senador Renan Calheiros.

            Eu quero aqui também saudar todos os nossos colegas Senadores e nossas colegas Senadoras.

            Eu quero aqui hoje me dirigir aos ouvintes da Rádio Senado e aos telespectadores da TV Senado para falar de um tema muito importante, de um recente estudo da pesquisadora Leila Posenato Garcia, do Instituto de Pesquisa Aplicada, o Ipea, que foi amplamente divulgado na mídia e atualizou os dados sobre a mortalidade violenta de mulheres, noticiando que a Lei Maria da Penha não reduziu essas mortes. Quero falar sobre isso, porque é um assunto que merece uma análise também da nossa parte.

            Na verdade, o estudo traz importantes contribuições para a elaboração de políticas públicas, em conformidade ao já detectado pela CPMI que investigou a violência contra a mulher, da qual fui relatora. No entanto, considero problemática, Senador Wellington, a afirmação de que a Lei Maria da Penha não previne as mortes de mulheres.

            Conforme estudo do Ipea, no período de 2001 a 2011, houve um aumento do número de mortes femininas registrado no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. O número de óbitos de mulheres passou de 44.231 para 54.107. Isso é um alerta, porque as mortes de mulheres continuam aumentando e devem ser objeto de intervenção dos Poderes Públicos, como recomendado pela CPMI da Violência contra a Mulher.

            As mortes registradas no Sistema de Informação de Mortalidade são por agressões, que incluem traumatismos acidentais, lesões autoprovocadas intencionalmente, agressões e eventos cuja intenção é indeterminada, isto é, causas mais amplas do que a violência doméstica praticada por parceiro íntimo ou familiar, que é o objeto da Lei Maria da Penha. Esse é o primeiro ponto a ressaltar. Repito: o SIM não traz dados desagregados que permitam dizer que todas essas mortes foram decorrentes de violência doméstica e familiar.

            Aspecto que considero relevante no estudo do Ipea é que ele traça um perfil das vítimas mulheres. Segundo aponta o estudo, 52,5% das mulheres mortas tinham entre 20 e 39 anos, ou seja, em plena juventude e em idade reprodutiva; 47,5% foram de mulheres pardas e 7,5% de mulheres negras. Esse dado revela a maior vulnerabilidade das mulheres pardas e negras quando comparadas às mulheres brancas, cujo percentual foi de 44,2%. Além disso, 45,4% das mulheres possuíam baixa escolaridade, ou seja, tinham até sete anos de estudo.

            Outro aspecto significativo apresentado é que um terço dos óbitos ocorreu nos finais de semana, em um percentual que chegou a 35,5%; destes, 19,7% foram no domingo. Isso reforça as recomendações da CPMI para que as Delegacias da Mulher tenham plantão nos finais de semana, pois as mulheres morrem mais nos sábados e domingos, num percentual de 36% dos óbitos.

            Veja bem, Senador Wellington, infelizmente, nos finais de semana, os companheiros, os maridos, muitas vezes, consomem bebidas alcoólicas, o que potencializa uma atitude machista desses homens e, ao chegarem a casa, agridem suas mulheres, suas companheiras.

            Além disso, as armas de fogo foram responsáveis por 52% das mortes de mulheres, demonstrando a necessidade de que as medidas protetivas de suspensão ou restrição do porte de armas previstas na Lei Maria da Penha sejam, de fato, efetivadas.

            Além disso, Sr. Presidente, chamo a atenção para o fato de que é preciso rediscutirmos mais aprofundadamente o porte de armas em nosso País, pois, além das mulheres, jovens negros morrem massivamente, vítimas de armas de fogo.

            Ademais, o domicílio foi o local onde 27% das mortes ocorreram, revelando que o lar, a própria casa, não é um lugar seguro para as mulheres. Este dado é corroborado por inúmeros outros estudos e pelas denúncias do movimento feminista e de mulheres.

            O Sr. Wellington Dias (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - V. Exª me permite um aparte?

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Antes de prosseguir, eu lhe concedo a palavra, Senador Wellington.

            O Sr. Wellington Dias (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Eu serei breve. Primeiro quero parabenizar V. Exª e dizer do destacado trabalho que faz aqui na luta por vários temas importantes, mas, principalmente, em relação às causas das mulheres. Um deles, no combate à violência contra a mulher. Ainda hoje, aqui, na Presidência do Senado, nós recebemos a Frente Parlamentar contra a impunidade, que ali foi apresentada pela Deputada Keiko - esteve lá o Senador Pedro Taques, eu também tive a oportunidade de estar lá, com o Senador Renan -, quando várias entidades entregaram mais de 150 mil assinaturas pedindo uma legislação que possa cuidar da impunidade. Quer dizer, arma de fogo, bebida, trânsito, impunidade, ou seja, alguém que vai, mata e espanca e nada acontece, e isso vai só se agravando. Eu queria dizer que longe de pensar, nesse aspecto, nessas várias formas, que a Lei Maria da Penha não funcionou. É claro que ela funcionou. Olhando para aquilo que são objetivos específicos, sem sombra de dúvida, seria muito pior a situação se não tivéssemos a Lei Maria da Penha. Por isso, eu também comemoro. Com certeza, bebida e trânsito devem ter crescido assustadoramente, porque essa é uma realidade nos Estados. Muito obrigado.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - Obrigada, Senador Wellington. Tenho certeza que V. Exª é um grande defensor da luta das mulheres, principalmente no que se refere à violência contra as mulheres. Eu quero aqui também lhe agradecer como membro da Comissão de Direitos Humanos que tem se empenhado e tem nos ajudado neste trabalho. Muito obrigada também pela sua intervenção.

            No que concerne às regiões onde houve um registro maior de mortes, o Centro-Oeste contabilizou 5,96% e o Sudeste 5,87% desses óbitos para cada 100 mil mulheres. Nessa nova atualização, o Estado do Espírito Santo, que é o meu Estado, superou a taxa de 11%, o que é alarmante, bem acima da média nacional.

            Ressalto que todos esses aspectos convergem para os resultados apontados no Relatório da CPMI da Violência contra a Mulher e ajudarão na elaboração de medidas protetivas. No entanto, quero pontuar e problematizar a afirmação de que a Lei Maria da Penha não reduziu as mortes de mulheres.

            Em primeiro lugar, é importante salientar que a legislação penal não é instrumento adequado para a prevenção de nenhum comportamento criminoso. Por exemplo, Sr. Presidente, temos tipificado penalmente o sequestro e o homicídio, dentre outros delitos. A simples tipificação não impede o cometimento do delito. Por que, então, é importante a tipificação? A tipificação é importante porque é uma afirmação simbólica de que há comportamentos que não têm aceitação social, que são rejeitados pela sociedade e que seu cometimento será punido.

            Assim, a lei penal tem uma importância simbólica para a convivência social. Essa é a razão pela qual a CPMI propôs a tipificação do feminicídio. É importante nominar como feminicídio a morte de mulheres em razão de gênero. Com isso, chama-se a atenção da sociedade para um crime com um nítido recorte de gênero. Ressalte-se que o IPEA apoia nossa proposição.

            Um segundo aspecto, que eu quero aqui ressaltar e pelo qual considero problemática a afirmação de que após a vigência da Lei Maria da Penha não houve mudanças significativas na redução das taxas de feminicídios, é o fato de que o registro de agressões no SIM - como mencionei inicialmente - é amplo, incluindo diversas modalidades de agressão e nem todas estão relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher.

            Assim, mesmo com as correções efetuadas pelo estudo, penso que a afirmação, apesar de sua contundência, deveria ter sido antecedida de pesquisas que de fato analisem especificamente as mortes de mulheres em conformidade ao estabelecido na legislação de violência doméstica.

            O próprio Ipea, Senador Inácio Arruda, no estudo realizado, afirma que: "Os óbitos por agressões foram selecionados a partir dos códigos das causas básicas existentes na CID-10 (Catalogação Internacional de Doenças), não sendo possível definir se foram causados por violência contra a mulher".

            Tanto é assim que o Ipea está propondo que o Ministério da Saúde crie um mecanismo específico para registrar as mortes decorrentes de violência doméstica. Considero absolutamente importante essa proposição que se encontra na Câmara dos Deputados, pois só assim os dados de mortes ocasionadas por violência doméstica e familiar poderão ser mais bem analisados.

            Assim, faço aqui o meu apelo ao Ministério da Saúde para que estude a possibilidade de criar um mecanismo no registro do Sistema de Informações sobre Mortalidade para aferir sua relação com a violência doméstica e familiar.

            Isso, no entanto, não invalida o estudo do IPEA, mas problematiza a sua afirmação quanto à Lei Maria da Penha.

            Como se sabe, a Lei Maria da Penha criou importantes medidas de proteção às mulheres em situação de violência doméstica - as Medidas Protetivas de Urgência - que têm por finalidade responder imediatamente a uma situação de risco e de gravidade em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

            Essas medidas são várias e podem ser concedidas simultaneamente. Muitas mulheres são protegidas pelas medidas, mas há notícias também de que algumas, apesar de possuírem medidas protetivas, são mortas pelos companheiros ou ex-companheiros. Isto revela a necessidade de que as medidas precisam ser garantidas, através da prisão preventiva do agressor ou da atuação policial, quando houver quebra da medida.

            Além disso, a Lei Maria da Penha prevê uma série de medidas de prevenção que também necessitam ser implementadas pelos poderes públicos e instituições privadas. Por exemplo, é importante que os meios de comunicação não reforcem os estereótipos femininos e promovam uma comunicação que estimule a igualdade entre homens e mulheres; além disso, o atendimento policial às mulheres deve ser especializado; as campanhas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher devem ter caráter permanente; a capacitação dos profissionais do sistema de justiça em relação às questões de gênero, raça ou etnia também deve ser permanente; a inclusão nos currículos escolares de conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero, raça, etnia e violência doméstica e familiar contra a mulher deve pautar a política de educação formal de Estados e Municípios.

            Estas medidas integradas de prevenção previstas no art. 8º da Lei Maria da Penha não necessitam de imensos recursos, apenas de vontade política e compromisso, mas são de extrema importância, pois atuam na base e na formação de valores éticos e morais.

            A Lei Maria da Penha possui um olhar tridimensional sobre o fenômeno da violência contra as mulheres, ou seja, um olhar que abarca a prevenção, a assistência e a punição. É muito importante, para a efetivação dessa legislação, que essas três dimensões andem juntas e que sejam conjuntamente promovidas pelas instituições públicas e privadas.

            Assim, Sr. Presidente, a Lei Maria da Penha tem dado uma grande contribuição à formulação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, à mudança do paradigma jurídico de tratamento dessa violência para a segurança das mulheres. Por isso vejo como temerária a afirmação do Ipea, sem que estudos mais detalhados e específicos tenham sido realizados para comprovar ou não a eficácia da Lei Maria da Penha na redução das mortes de mulheres.

            Desta forma, enquanto não forem implementadas todas as medidas de prevenção, assistência e contenção da violência contra mulheres e enquanto não forem atacados os problemas que impedem a plena aplicação da lei, parece problemático afirmar, tão categoricamente, a ineficácia da lei.

            A violência de gênero é um problema profundo na sociedade, enraizado na socialização de homens e mulheres, reforçado pelos estereótipos, pela desigualdade entre homens e mulheres em todos os espaços públicos e privados, pela cultura machista ainda presente na sociedade brasileira.

            A Lei Maria da Penha é um instrumento importantíssimo para a remoção dessa violência e deve ser aliada a outras ações de enfrentamento às diversas formas de violência contra as mulheres. Nenhuma legislação sozinha poderá mudar uma cultura, mas com ações concretas de homens e mulheres que não toleram a violência e a cultura machista e com um arcabouço legal, a exemplo da Lei Maria da Penha, teremos condições de construir um país onde a igualdade e o respeito entre homens e mulheres sejam o código de conduta vigente.

            É isso, Sr. Presidente, que tinha para o momento. Eu quero agradecer a atenção de todos vocês ao nosso pronunciamento de hoje.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2013 - Página 70303