Discurso durante a 190ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do transcurso dos 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SENADO.:
  • Comemoração do transcurso dos 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2013 - Página 76633
Assunto
Outros > HOMENAGEM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SENADO.
Indexação
  • PRONUNCIAMENTO, SESSÃO ESPECIAL, SENADO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ENTREGA, MEDALHA, HOMENAGEM, ULYSSES GUIMARÃES.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Presidente desta sessão, Vanessa Grazziotin, Srªs e Srs. Senadores, foi uma cerimônia, na primeira parte, extremamente simbólica, significativa, até pela presença aqui de muitos ex-Presidentes da República - o ex-Presidente José Sarney, o Presidente Lula, o Presidente Fernando Collor -, do Relator da Constituição de 88, Bernardo Cabral, do Ministro Nelson Jobim, de constituintes da nomeada de Renan Calheiros, Michel Temer, Henrique Eduardo Alves, e de um homenageado muito especial, porque, para mim, como jornalista, é muito caro, o jornalista Rubem Azevedo Lima.

            E, evidentemente, nesta cerimônia aqui, com a musa da Constituinte, a estimada Fafá de Belém, falou-se muito numa figura que já não está mais entre nós, mas que teve, incontestavelmente, um papel decisivo ao qualificar a Constituinte ou a Constituição de cidadã. Refiro-me a Ulysses Guimarães, o timoneiro da Constituinte de 88.

            A democracia plena e incontestável, Srª Presidente, a liberdade de expressão e a associação, o desejo de progresso econômico, o resgate da justiça social eram, naqueles dias de 88, ideias e aspirações. Depois de 25 anos, não são mais letra morta, mas o espírito vivo nas consciências de todos. Por isso estamos celebrando.

            Festejamos, com muito entusiasmo, os 25 anos da Constituição, porque acreditamos que este é o seu primeiro quarto de século. O maior símbolo da liberdade em nosso País é a crença coletiva de que a sua história avançará mais, no presente e no futuro, e que as novas gerações terão a chance que hoje temos: manter o protagonismo da sociedade na construção de um País verdadeiramente livre e democrático.

            A Carta de 1988 empoderou o povo.

            Esses 25 anos, na verdade, passaram muito rápido, tão rápido que quase não percebemos. Ainda assim, vimos as mudanças fundamentais que aconteceram em nosso País, Presidente Collor, quando V. Exª declarou lá fora, em Bonn - eu estava lá -, que os nossos carros eram carroças. Isso pode parecer pouco, mas é muito. Houve uma revolução na abertura da economia, que era, até então, muito fechada. Nossa democracia se consolidou, para além de todas as dúvidas, no continente e no mundo. Nossa estabilidade política é contemplada e admirada com respeito por nossos aliados de ontem e também de hoje.

            Muitos foram os caminhos abertos. Por eles nós chegamos à democracia plena, à estabilidade econômica - conquistada pelo ex-Presidente Fernando Henrique -, ao respeito aos direitos das minorias e aos contratos - o Presidente Lula assinou uma carta dirigida aos brasileiros para dizer que iria respeitar os contratos -, à alternância no poder em todos os níveis de governo. Essas são conquistas que só as grandes democracias podem sonhar, como mostrava aqui o Presidente José Sarney - tão tolerante que foi no exercício da Presidência, que convocou a Constituinte em 1985, que foi instalada em 1987.

            Dentre todas as liberdades sonhadas e conquistadas, nenhuma talvez seja tão fundamental e tão exemplar, na Carta de 1988, como a liberdade de expressão, Presidente Fernando Collor - e falo porque V. Exª, como eu, entre outras coisas, é jornalista.

            Antes mesmo do voto, vem a voz, e a voz tem poder. A voz que se queixa da injustiça, depois protesta nas ruas e, por fim, é ouvida nos parlamentos.

            Há poucos meses, a propósito, a sociedade brasileira foi novamente levada, pela voz livre de milhares de manifestantes, a ocupar as ruas de capitais e cidades do interior.

            Naqueles primeiros dias de Constituinte, lembramos bem, como parecia perigosa e frágil essa liberdade. Conhecemos bem a história, a nossa e a dos outros. Sabemos da voz tentadora daqueles que se apresentam como líderes, que tanto gostam de falar pelos outros. Conhecemos a índole dos que falam alto, não porque estejam revoltados, mas porque querem calar os demais.

            É esse o meu temor hoje, quando o vandalismo, a selvageria, a destruição e a violência contra o patrimônio público e privado são as armas usadas por manifestantes ensandecidos que não querem diálogo nem soluções para demandas sempre legítimas. Essa não é, decididamente, como muito bem manifestou o Presidente Lula, a democracia que queremos. Parabéns ao Presidente Lula, aliás, por ter dito isso e criticado o uso das máscaras para se esconderem, para dar o anonimato àqueles vândalos que destroem.

            Pela primeira vez em nossa história, contudo, a intenção de uma Assembleia Nacional Constituinte era começar do zero, enfrentar todos os riscos, dar a todos os brasileiros a chance de serem ouvidos, como tão bem pregou o Presidente José Sarney. Esse era o espírito também generoso que se espalhou pela legislação partidária, pelos regimentos da Assembleia Nacional e do Congresso, pelas amplas comissões temáticas e de sistematização: dar a todos a chance de serem ouvidos, especialmente as minorias, voz para os analfabetos, para os maiores de 16 anos, que tiveram direito ao voto - agora, deviam ter direito também à maioridade penal, porque é um direito de cidadania na sociedade em que nós estamos vivendo, pelo menos esse é o meu ponto de vista. É um protagonismo real transformado em lei, não retórico.

            O País talvez tenha pagado um custo por tantas discussões, por tantos debates, por tantas divergências e por muitas convergências. Muitos temeram pela estabilidade do Governo, mas Ulysses Guimarães nos lembrou de que ingovernável é a fome e a miséria; todo resto pode e precisa ser governado pelo diálogo e pela responsabilidade.

            A Constituinte terminou, a Carta foi promulgada, e nossa democracia seguiu o seu curso, em busca de dias que se revelam sempre melhores. Avanços e recuos, mas sempre avanços.

            Quando, hoje, assistimos pela TV às sessões ao vivo da Câmara, daqui, do Senado, das Assembleias Legislativas e mesmo de algumas Câmaras Municipais, das cortes superiores dos tribunais, em tempo real, nem nos damos conta do quanto devemos isso ao espírito da Carta de 1988.

            Hoje, quando lutamos no Congresso pelo voto aberto nas votações, sem temer pressões de governos ou das ruas, nem nos damos conta de que estamos trilhando pelo caminho aberto, pelo espírito também daquela Carta escrita há um quarto de século.

            Nada deve ficar oculto. Tudo deve ser dito e feito às claras, diante do povo, e o povo deve continuar a ser ouvido, a ser vigilante, um diálogo agora exaltado e multiplicado pelas redes sociais, ferramenta que tem contribuído muito para o protagonismo individual e coletivo.

            Falo com muito entusiasmo sobre a liberdade de expressão, porque sou Senadora do Rio Grande do Sul, mas toda a minha vida profissional foi dedicada à informação e à comunicação, Senadora Vanessa. Por vezes, pensamos que a liberdade de expressão é apenas uma necessidade política, mas quero dizer que esta é apenas uma parte da história, meu estimado e grande Líder Francisco Dornelles, que, na sessão inicial, foi homenageado e que eu represento com enorme alegria. É o que eu penso sobre isso.

            O político e o jornalista, em seu trabalho, certamente precisam da liberdade de expressão, mas também a mulher vítima da violência doméstica ou da discriminação no trabalho, temas tão caros para V. Exª, Senadora Vanessa.

            O cidadão que é mal atendido no posto de saúde ou na delegacia de polícia e que precisa de remédio também precisa de liberdade de expressão.

            Quem vive sob ameaça de violência, cidadão ou juiz, homem de bem ou policial, precisa da liberdade de expressão.

            Os que têm algum conhecimento relevante para a sociedade precisam da liberdade de expressão.

            Os que têm medo, os que sofrem, os que estão esquecidos, os velhos e os jovens, todos nós precisamos da liberdade de expressão.

            Daí o meu orgulho com o meu envolvimento com este processo constituinte. Eu não era Deputada nem Senadora, nem mesmo pertencia ao mundo da política. Eu estava participando, narrando como jornalista, ao lado do grande homenageado, hoje, Rubem Azevedo Lima, os passos trilhados na construção da Carta de 88 pelos Constituintes, hoje merecidamente homenageados por indicação do Presidente, Senador Renan Calheiros, iniciativa do Senador Vital do Rêgo, pelos movimentos sociais e pelos setores produtivos deste imenso e diversificado País.

            Naqueles dias, como em qualquer tempo, quando se discutia a relação entre política e informação, entre Governo e imprensa, surgiu a tentação da chamada regulação social.

            A liberdade de expressão é uma liberdade muito inconveniente e incomoda algumas figuras de todos os matizes e setores, alvos de alguma denúncia. Tem sempre alguém achando que sabe o que é melhor para a liberdade dos outros. Nenhum obstáculo, contudo, prevaleceu.

            Por isso, guardo muitas e boas lembranças das reuniões com lideranças de expressão, então e agora, diretamente envolvidas com esse debate; nomes que pertencem à história do Brasil, como Bernardo Cabral, que aqui esteve; Nelson Jobim, Delfim Netto, Miro Teixeira, como eu, jornalista.

            Em matéria de liberdades, o texto da Constituição brasileira certamente é hoje menos relevante do que o espírito que prevaleceu nos últimos 25 anos. São poucos os países que contam com o ambiente de liberdade como o que é vivido no Brasil. Isso não pode mudar.

            Um breve exame da situação de nossos vizinhos da América Latina é suficiente para constatar uma perigosa realidade, quando se trata de liberdade de expressão.

            Graças a esse espírito de liberdade, quando a internet chegou ao Brasil, já chegou livre, incontrolável, intributável, fora de qualquer marco. E agora estamos tendo a oportunidade de fazer este marco legal, trazendo ainda mais oportunidades de protagonismo para os que eram livres, ampliando o efeito das campanhas eleitorais, tornando os brasileiros líderes em participação nas redes sociais mundiais.

            Esses fatos podem parecer aos mais jovens coisas corriqueiras e inevitáveis, afinal nasceram com eles, aprenderam as novas tecnologias desde os primeiros anos de vida. Mas essa liberdade é o fruto de decisões tomadas há 25 anos; esses 25 anos que hoje comemoramos.

            Não venho aqui afirmar que a Constituição de 88 é uma obra perfeita, nem mesmo no campo da liberdade de expressão. O número de vezes em que foi objeto de emenda fala por si mesmo.

            Nesse aspecto, as medidas provisórias também merecem ser mencionadas. Instituídas pelos Constituintes para servir a um Governo parlamentarista, elas se transformaram num instrumento poderoso, um verdadeiro cheque em branco, conferido ao chefe do Poder Executivo. Nesse primeiro quarto de século, as medidas provisórias limitaram as atribuições do Poder Legislativo e comprometem, no meu juízo modesto, a própria democracia e o equilíbrio dos Poderes, Presidente Collor. Exigiram e exigem ainda hoje um grande esforço de reforma, na busca do melhor equilíbrio entre as prerrogativas dos poderes republicanos. Nós, aqui no Congresso, somos sufocados, diária e constantemente, pelas medidas provisórias.

            A reforma da Constituição é um tema que vem e vai ao sabor da conjuntura e também, às vezes, de Governos. Vez por outra, ouvimos sugestão de novas Constituintes, embora a atual tenha só 25 anos.

            Todos nós sabemos dos riscos dessas iniciativas. A experiência com a liberdade de expressão, defendida na Carta de 88, mostra como é necessário deixar o tempo - e o tempo é o senhor da razão - fazer o seu trabalho.

            Nós passamos; as leis ficam. As tecnologias mudam e estão mudando cada vez mais - e mais rapidamente, mais radicalmente. Antes, poucos falavam e muitos ouviam; hoje, o cenário se inverte. Por isso, o que não se pode mudar é o compromisso com a liberdade.

            Nesse aspecto, o espírito de 1988 revelou-se fecundo, e a árvore, como já se disse, é conhecida por seus frutos.

            Muito obrigada, Srª Presidente.

            Muito obrigada, Srªs e Srs. Senadores.

            Especialmente, muito obrigada aos telespectadores da TV Senado e aos ouvintes da Rádio Senado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2013 - Página 76633