Pela Liderança durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa de reabertura dos debates sobre a inconstitucionalidade da Lei da Anistia.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Expectativa de reabertura dos debates sobre a inconstitucionalidade da Lei da Anistia.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2013 - Página 74777
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), REABERTURA, DEBATE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INCONSTITUCIONALIDADE, LEI DE ANISTIA, IMPUNIDADE, PRESCRIÇÃO, CRIME, TORTURA, DITADURA, REGIME MILITAR, PEDIDO, EXTRADIÇÃO, CRIMINOSO, ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, senhores que nos ouvem pela Rádio Senado, que nos assistem pela TV Senado, meus senhores e minhas senhoras, na última semana, o Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, deu a mim razões de orgulho. E me permita aqui quebrar o sigilo do voto - sigilo esse que já deveria ter sido quebrado há muito tempo por esta Casa - que proferi em S. Exª para Procurador-Geral da República.

            Aliás, S. Exª o Dr. Rodrigo Janot tem dado razões para ter orgulho do voto que dei a ele para Procurador-Geral da República, e a medida tomada por S. Exª na semana passada foi uma dessas razões.

            O Sr. Procurador-Geral da República, no caso envolvendo um argentino acusado de crimes contra a humanidade, acusado de crime de tortura, de quem era pedida a extradição pelo governo argentino, se manifestou ao Supremo Tribunal Federal dizendo que crimes como a tortura e a morte são imprescritíveis.

            O caráter dessa decisão, Sr. Presidente, torna decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, que foi contrária à ação de descumprimento de preceito fundamental movida pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2010 contra a Lei nº 6.683, de 1979, essa ação movida pela OAB e que foi derrotada pelo STF ressuscita o debate em relação à inconstitucionalidade da Lei 6.683, de 1979, ressuscita o debate sobre a inconstitucionalidade da Lei da Anistia.

            Sobre este tema já vim aqui à tribuna e, só para reportar novamente aos fatos: a Lei da Anistia é de 1979, e, como o próprio número da Lei já a descreve, Lei nº 6683/79, ela é tida e dita pelos seus defensores como - abre aspas - “um acordo feito pelos estentores, nos momentos do encerramento do período autoritário, entre os algozes da ditadura e entre as vítimas da ditadura”. Então, a anistia teria sido, no dizer destes, que são, na verdade, os algozes da ditadura, o acordo possível.

            Na verdade, a Lei da Anistia, a Lei nº 6683/79, foi a imposição feita pela ditadura naquele momento. Nunca é demais lembrar - e eu já destaquei aqui desta tribuna -, a Lei nº 6683/79 foi imposta pelo partido do governo na época, pela Arena, por 207 votos a favor contra 201. Não era a anistia que era reivindicada nas ruas; não era a anistia que a sociedade brasileira exigia; não era a anistia ampla, geral e irrestrita, não era a anistia que defendia Teotônio Vilela - que leva, inclusive, o nome de uma das alas aqui do Senado Federal; não era a anistia defendida por Teotônio Villela; e não era a anistia defendida, naquele momento, pela sociedade brasileira. A anistia que foi aprovada no Congresso Nacional foi a anistia imposta pela ditadura.

            E para que serviu aquele projeto de lei aprovado naquele momento, que se transformou na Lei nº 6683/79? Ora, ele serviu, naquele momento, única e exclusivamente, para quem tinha cometido crimes na ditadura. A ditadura sabia que o momento da abertura estava chegando; que os seus momentos estavam chegando ao fim.

            Já no Governo do Presidente Geisel, proclamava-se que era chegado o momento da abertura lenta, gradual e segura. E, por conta disso, sabia-se que as atrocidades praticadas nos porões da ditadura, sabia-se que as atrocidades praticadas durante o regime autoritário, sabia-se que, em algum momento, aqueles que as praticaram iriam pagar por isso. Por conta disso, esses que praticaram crimes tinham que ser resguardados pela lei. Foi por isso que foi aprovado aquele projeto naquele momento. Foi por isso que não houve nenhum preso político libertado por aquele projeto. Não, não houve. Os presos políticos que foram libertados ou foram pelo transcurso da pena, pela evolução da pena, pela progressão da pena, ou foram pela própria liberalização do regime. Os exilados que voltaram foram, esses sim, pelo resultado da anistia. A lei aprovada serviu, sim, como salvo-conduto para aqueles que mataram e torturaram durante o regime.

            Terminada a ditadura, o Brasil não teve a sua catarse coletiva, não teve o encontro com a sua consciência. Lembremos sempre - eu já disse isso desta tribuna várias vezes -, nós somos talvez um dos poucos, se não a única das democracias que fizemos a transição de regimes autoritários para democracias que não tivemos o nosso sentimento de encontro com a verdade. A nossa catarse, o nosso encontro com o nosso próprio ego, o nosso encontro de catarse coletiva necessária, nossos irmãos latino-americanos o fizeram. Outros, de 84 países que tiveram processos traumáticos, tiveram esse encontro; nós não tivemos. Para isso nós tivemos, a muito custo, só 23 anos depois da nossa Assembleia Nacional Constituinte, somente 27 anos após a eleição de um governo democrático, somente 27 anos depois da eleição de um governo civil, e somente 22 anos depois da eleição de um governo democrático eleito pelo voto popular, somente tanto tempo depois é que tivemos a instalação da nossa Comissão Nacional da Verdade.

            E só tanto tempo depois é que tivemos o restabelecimento de um debate sobre a necessidade de revermos esta Lei nº 6.683, de 1979.

            Mas por que sua insistência, Randolfe, nesse tema? É só para mexer nas chagas do passado? Não, é primeiro para dialogar com o presente, é fundamentalmente para conversarmos com o futuro. Não é somente pelo o que aconteceu no passado nos porões de uma ditadura; é também por isso. É também pelo o que aconteceu no passado nos porões de uma ditadura, para que, primeiro, nunca mais aconteça, porque a maior garantia que podemos ter para que não ocorra de novo é que aqueles que cometeram atrocidades, em um período de exceção, tenham a certeza de que, se estiverem de novo sob um período de exceção, no restabelecimento da democracia, pelos crimes que eles cometerem sob o arbítrio eles pagarão, eles pagarão pelos crimes que cometeram durante o arbítrio.

            Então, primeiro, é por isso. Segundo, porque se cometem crimes e torturas também na democracia. O caso mais clássico disso é o caso do ajudante de pedreiro Amarildo, que assistimos ao drama, hoje, pela televisão, assistimos, dia a dia, pela televisão. O caso do Amarildo é o caso de um desaparecimento forçado na democracia, de tortura na democracia, de morte na democracia.

            Por isso, crimes dessa natureza não podem prevalecer. Não pode existir em nosso ordenamento jurídico uma lei que anistie torturador. Na nossa ordem jurídica, nos números da nossa ordem jurídica, que já estão em mais de doze mil e tantos, não pode haver uma lei sob o número 6.683 que, no seu escopo, na interpretação dela, na prática queira dizer: quem torturou e matou, em um período da nossa história, está imune.

            Por isso, em decorrência disso, é fantástico o entendimento do Dr. Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República. Ele subverte o entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal de 2010, porque, em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil moveu uma ação de descumprimento de preceito fundamental sobre essa lei que aqui epigrafei.

            Esta ação de descumprimento de preceito fundamental foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, naquele momento, sob essa alegação: a alegação, naquele momento, foi de que a lei da anistia, a 6.683, a que citei, teria sido resultado de um acordo para a transição democrática. Naquele momento, três dos sete Ministros da Corte, decidiram pela manutenção da legislação por considerá-la - quero citar aqui - bilateral, fruto de um acordo político feito sob a ditadura em 1979, resultado de um amplo debate no País.

            Ora, reitero, não foi fruto de um amplo debate. Em uma ditadura, não existe amplo debate. Em uma ditadura, existe imposição de um lado. Não existia, em 1979, no País, um amplo debate. Existia uma posição, a posição majoritária de um partido e a posição majoritária de quem mandava. Ainda estávamos sob a égide de um regime autoritário, e tivemos a imposição do partido majoritário, que, por uma minoria de sete, oito votos, fez impor a sua vontade no Parlamento. Então, ela não foi bilateral e não foi fruto de um acordo político, com a devida vênia aos Ministros de então.

            Ocorre que existem fatos novos que levam a um novo entendimento por parte do Supremo Tribunal Federal e que levam a um novo entendimento por parte de S. Exª o Procurador-Geral da República - melhor dizendo, que leva a um novo entendimento não, porque sei que, desde o início, era esse o entendimento do Dr. Rodrigo Janot. Então, há fatos novos. O Dr. Rodrigo Janot leva o seu entendimento para a Corte Suprema, e me parece que existem fatos novos que levam a um novo entendimento, a um novo entendimento por parte dos Ministros da Suprema Corte. São esses os fatos novos: o primeiro é essa situação, essa decisão nova do Ministério Público Federal - a decisão não é nova, a concepção não é nova por parte do Dr. Rodrigo Janot, porque conhecemos sua notória posição em defesa dos direitos humanos, e não esperaria dele posição diferente dessa. Mas a posição do Ministério Público Federal, nesta questão, é já uma posição inédita.

            O Ministério Público Federal, nesse pedido de extradição referente a um policial argentino que é buscado na Argentina por crimes de lesa-humanidade, argumenta claramente, nesse caso, à PGR que a pretensão punitiva não está prescrita nem na Argentina e nem no Brasil, porque os crimes de tortura não se prescrevem nem no Brasil e nem na Argentina, porque são crimes contra a humanidade. O primeiro aspecto é esse.

            O segundo aspecto é um fato que é posterior a 2010, Sr. Presidente: a Corte Interamericana de Direitos Humanos, precisamente em dezembro de 2010, condenou o nosso País - e é uma lastima isso, é motivo de vergonha para nós brasileiros -, mas o nosso País tem uma condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela execução de 70 guerrilheiros do Araguaia, entre 1972 e 1974. Essa sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos pede ainda que o Brasil identifique e puna os responsáveis pelas mortes e ressalta ainda a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que a lei da Anistia não pode ser usada para impedir a investigação de crimes do período.

            Ora, Sr. Presidente, há dois fatos novos que devem servir à lume e à reflexão e que eu peço que sirva à reflexão por parte do Supremo Tribunal Federal.

            Recebo também, com grata satisfação, com alegria e com jubilo, a notícia de que a minha querida Ordem dos Advogados do Brasil, Ordem que eu diria que não navegou na boa raia, quando não teve uma posição contra a aprovação da PEC 37 - mas águas passadas não movem moinho -, mas Ordem que, agora, navega na justa e adequada posição quando se manifesta favorável a reapresentar uma nova arguição de descumprimento de preceito fundamental ao Supremo Tribunal Federal. Faz bem a Ordem dos Advogados do Brasil, e espero que assim proceda. E espero que sirva para reanálise - já concluo, Sr. Presidente, - por parte dos Ministros do Supremo estes dois fatos: o novo parecer, a nova posição, a posição agora apresentada pela PGR - Procuradoria-Geral da República, pelo Ministério Público Federal, nesse caso aqui apresentado; e a posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o nosso País, uma condenação que pesa, que está sobre os nossos ombros, uma sentença que diz, ainda, que quer que o Brasil identifique e puna os responsáveis pelas mortes, e que ressalta que a Lei nº 6.683 não pode ser usada para impedir investigações sobre quem cometeu crimes durante o período da sangrenta ditadura que se abateu sobre o nosso...

(Interrupção do som.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Já concluo, Sr. Presidente.

            Este Parlamento também não pode em silêncio ficar.

            Existem dois projetos de revisão da Lei da Anistia: um projeto na Câmara dos Deputados, o PL nº 573, de 2011, de autoria da Deputada Luiza Erundina; e outro projeto aqui, no Senado, o PLS nº 237, de 2013, de minha autoria. Esses projetos pedem a revisão da Lei da Anistia.

            Há sobre os ombros do Brasil uma condenação da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, motivo de vergonha para todos nós. Mas ainda bem que, no Brasil, nós temos alguns motivos de orgulho. E motivo de orgulho é esse parecer do Procurador Rodrigo Janot.

            Que nós possamos tirar chagas do nosso caminho, como essa lamentável Lei nº 6.683, que mantém torturadores no caminho de nossa história!

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2013 - Página 74777