Discurso durante a 215ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o documento “Tire suas Dúvidas sobre a PEC do Trabalho Escravo”.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS HUMANOS, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Comentários sobre o documento “Tire suas Dúvidas sobre a PEC do Trabalho Escravo”.
Aparteantes
Anibal Diniz, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2013 - Página 88047
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS HUMANOS, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, AUTORIA, COMISSÃO NACIONAL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, REFERENCIA, ESCLARECIMENTOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ASSUNTO, COMBATE, TRABALHO, ESCRAVO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado.

            Sr. Presidente, Srªs. Senadoras, Srs. Senadores, caro amigo Senador Mário Lacerda, que nos orgulha com a sua visita, chegou às minhas mãos um pequeno documento chamado “Tire suas Dúvidas sobre a PEC do Trabalho Escravo”. Acho que V. Exª vai gostar da leitura desse documento, Senador Paulo Paim.

            Este documento é organizado pela Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e tem o papel muito interessante de esclarecer diversos pontos que têm colocado dúvidas sobre essa proposta de emenda à Constituição que criminaliza o trabalho escravo.

            Vou ler algumas das 15 dúvidas e as respostas que são dadas aqui.

            A primeira pergunta é: “Em poucas palavras, o que é o trabalho escravo?”

            Até 1888, era fácil definir trabalho escravo. Era o trabalho realizado por aquelas pessoas compradas, vendidas e condenadas a um trabalho forçado ao longo de toda a sua vida, pelo menos, creio, até 1885, quando veio a Lei dos Sexagenários.

            Pois bem, o que é o trabalho escravo hoje?

É quando o trabalhador não consegue se desligar do patrão por […] violência, quando é forçado a trabalhar contra sua vontade, quando é sujeito a condições desumanas de trabalho ou [quando] é obrigado a trabalhar tão intensamente que seu corpo não aguenta e sua vida pode ser colocada em risco. Trabalho escravo não é apenas desrespeito a leis trabalhistas ou problemas leves. É grave violação aos direitos humanos.

            Segunda pergunta: “O conceito de trabalho escravo é frágil?” Muitos têm levantado essa ideia de que é frágil dizer que um determinado trabalhador está sob condições de trabalho escravo. A resposta dada pela Comissão diz:

Não […] [o conceito de trabalho escravo não é frágil]. O artigo 149 do Código Penal, que prevê de dois a oito anos de cadeia para quem se utilizar dessa prática, é de 1940 e foi reformado em 2003 para ficar mais claro. Ele prevê o crime em quatro situações: [um] cerceamento de liberdade de se desligar do serviço, [dois] servidão por dívida, [três] condições degradantes de trabalho e [quatro] jornada exaustiva.

            Então, o conceito de trabalho escravo não tem nada de frágil; é um conceito sólido. É, como, aliás, costuma-se dizer hoje, robusto. Quatro indicadores muito claros, Senador Paim, do que é o trabalho escravo.

3) Quem concorda que o conceito atual é bom?

Tribunais já utilizam, sem problemas, o conceito de trabalho escravo. A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal tem aceitado processos por esse crime com base no artigo 149 [do Código Penal]. A Organização Internacional do Trabalho e a relatora para formas contemporâneas de escravidão das Nações Unidas […] elogiam o conceito brasileiro (ao contrário do que querem fazer crer algumas declarações de parlamentares [e outros políticos] que distorceram suas palavras e documentos). O governo federal, as empresas do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (que reúne as maiores empresas do país) e organizações sociais brasileiras defendem a manutenção do atual conceito de trabalho escravo.

            É aquele conceito que eu li antes, baseado nas quatro situações que vou reler: cerceamento de liberdade de se desligar do serviço - isso é escravidão -; servidão por dívida - isso é escravidão -; condições degradantes de trabalho - isso é escravidão -; jornada exaustiva - isso é escravidão.

            Quarta pergunta: “Vale a pena ceder um pouco no conceito para aprovar a PEC?” Ou seja, vale a pena tirar alguns dos itens que definem trabalho escravo para poder aprovar a PEC e ir em frente? Não. Não justifica.

Não. [Não justifica]. Todo o sistema de combate ao trabalho escravo no País está fundamentado no atual conceito de trabalho escravo. Se ele for alterado, o sistema desmorona e milhares de trabalhadores ficarão sem receber seus direitos. Além disso, pela Constituição, o Brasil não pode retirar proteção do trabalhador, o que aconteceria com mudanças no conceito [de trabalho escravo, como alguns estão querendo condicionando a aprovação da PEC a essas mudanças].

            Nós estaríamos tirando direitos. A Constituição não permite reduzir direitos. Ela incentiva um aumento de direitos.

            Quinta pergunta: “‘Condições degradantes de trabalho’ é um termo impreciso [que é o que muitos têm dito], não?”

Não, de forma alguma. O que está tutelado no art. 149 não é apenas a liberdade, mas [...] a dignidade da pessoa humana. Somos seres humanos porque nascemos iguais em direito à mesma dignidade. E, portanto, temos os mesmos direitos fundamentais que, quando violados, nos arrancam dessa condição de dignidade e nos transformam em coisas, instrumentos descartáveis de trabalho. Ou seja, é importantíssimo que se mantenha a punição para quem desrespeita a dignidade do trabalhador, sujeitando-o a condições de alojamento, alimentação, trabalho, saúde e segurança desumanas.

            Sempre que se desrespeitar, Senador Paim, a quem darei a palavra, com muita satisfação, daqui a pouco, sempre que se desrespeitar a dignidade do trabalhador sujeitando-o a condições de mau alojamento, má alimentação, trabalho desgastante, saúde ruim e segurança desumana estaremos em condições degradantes de trabalho. E isso não é um termo impreciso.

6) “Jornada exaustiva é um termo impreciso, não? Não [...]. Jornada exaustiva não é trabalhar por muitas horas seguidas. Caso contrário, um médico ou um jornalista de plantão estariam nessa situação.

            Até mesmo nós, aqui, de vez em quando, quando chegamos a virar a noite, estamos trabalhando. Mas isso não é jornada exaustiva.

            “Jornada exaustiva não tem a ver com a duração da jornada, mas como a saúde e a segurança do trabalhador são negadas durante essa jornada.”

            Nós viramos noite aqui, mas paramos para tomar um cafezinho, descansamos um pouco. Então, é uma jornada longa, não é uma jornada exaustiva. É diferente jornada longa de jornada exaustiva.

Jornada exaustiva caracteriza-se quando o trabalhador é submetido, de forma sistemática, a um esforço excessivo, com tal sobrecarga de trabalho e sem tempo suficiente para se recuperar fisicamente que pode ter danos à sua saúde ou estar [mesmo] em risco de morte.

            Isso é jornada exaustiva, quando o trabalhador, sem tempo de se recuperar, tem a sua saúde comprometida.

Na jornada exaustiva, nega-se o direito de trabalhar de forma a proteger sua saúde, garantir o descanso e permitir o convívio social [inclusive com a família]. Assume importância a análise do ritmo de trabalho imposto ao trabalhador, quer seja pela exigência de produtividade mínima por parte do empregador, quer seja pela indução ao esgotamento físico como forma de conseguir melhora na remuneração ou a manutenção do emprego.

            Há trabalhador que, para manter o emprego, se suicida, às vezes sem perceber que está se suicidando pelo excesso de trabalho.

Um bom exemplo são as duas dezenas de cortadores de cana de açúcar que morreram, de tanto trabalhar no interior do Estado de São Paulo nos últimos anos.

            Nem estou falando do Nordeste.

            Isso é, com clareza, jornada exaustiva.

7) Há produtores rurais que foram autuados por trabalho escravo devido à distância entre beliches, espessura do colchão, falta de copos para beber água, de carteira assinada e de um local adequado para refeições.

A resposta que o Movimento tem dado:

Esse é um argumento facilmente desconstruído. Quando um auditor fiscaliza um produtor, ele emite autos de infração sobre todos os problemas encontrados. Mas não é auto de infração de colchão fino que configura o trabalho escravo. Quando ouvir um produtor ou parlamentar dizer isso, pergunte sobre os outros autos de infração recebidos, sobre os quais nunca alguém quer falar. Além do mais, não é apenas um auto que caracteriza trabalho escravo, mas um pacote deles, mostrando as péssimas condições dos trabalhadores.

            Dizer que eles são considerados submetidos ao trabalho escravo por causa de uma ou outra coisa que incomoda não é verdade. Quando alguém tem sido denunciado por manter trabalho escravo é porque o auto é muito mais complexo e carrega muito mais força.

8) O atual conceito causa insegurança jurídica porque ninguém sabe o que é trabalho escravo.

Não, isso é uma falácia. A tentativa de mudar um conceito conhecido e aplicado é que vai levar à insegurança jurídica.

            Vou repetir, Senador Benedito.

A tentativa de mudar um conceito [atual] é que vai levar à insegurança jurídica, com milhares de processos tendo que tomar um novo rumo, trabalhadores desconhecendo seus direitos, produtores rurais na dúvida de que decisão tomar. Até porque qualquer mudança, seja no art. 149 [do Código Penal], seja em lei específica, será questionada, não apenas junto ao STF, por reduzir a proteção [...], mas também nas Nações Unidas [...].

            O que é melhor? Um produtor reconhecer esse conceito como vitalício e se adequar, abolindo o trabalho escravo na sua unidade de produção, ou uma guerra jurídica de anos? Qual é melhor? É melhor se adequar e sair dessa zona cinzenta em que alguns acham que estão por falta de clareza jurídica.

            Eu tenho mais alguns pontos para ler, mas, antes, quero passar a palavra ao Senador Paulo Paim, que tem tudo a ver com tudo isso.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Cristovam, eu serei muito rápido, até para que todo o Brasil assista à sua quase conferência sobre o tema. E V. Exª tem autoridade para isso. V. Exª é chamado em todo o mundo para falar. Não estou aqui bajulando, mas relatando fatos. Eu quero só me somar, de forma muito tranquila e simples, ao seu pronunciamento dizendo que nós ficamos, a bem dizer, 12 ou 13 anos para aprovar a PEC que combate o trabalho escravo, que diz que o proprietário em cuja propriedade alguém for flagrado em regime de escravidão, no campo ou na cidade, perde a propriedade. Muito bem, esse é o grande saldo positivo que nós vamos aprovar este ano, com certeza. Agora, querer regulamentar o trabalho escravo da forma que está seria dizer que o trabalho escravo é legal. Querem que legalizemos o trabalho escravo. Nós não vamos legalizar. E V. Exª é muito feliz por, didaticamente, estar explicando ao País. Há as normas da OIT, há definição clara do que é trabalho degradante, do que, de fato, é jornada ostensiva excessiva, que faz com que o trabalhador fique de segunda a domingo, eu diria, porque eu sei que um dia eles ainda deixam, porque não tem sábado, trabalhando de sol a sol e entrando noite adentro. Isso é exaustivo. É gritante que não há quem consiga aguentar isso. Mal e mal almoça com a marmita ali no colo, no lugar onde ele está; é cuidado até quando vai ao banheiro; é controlado - nós sabemos que é assim. E, ainda, muitas vezes, quem fez isso de repente some e diz que o proprietário da terra, no caso, se for aprovado, não é o responsável; responsável é quem estava operando em cima daquela propriedade. Não tem isso! A responsabilidade solidária existe e vai acontecer. Então, não dá; não dá; não dá. Meus cumprimentos a V. Exª. Nós não queremos legalizar o trabalho escravo; com essa PEC nós queremos é proibir o trabalho escravo. E V. Exª é muito feliz quando diz - e aqui eu termino, mas vou repetir o que V. Exª disse, porque é importante: por favor, saiam da zona cinzenta; tenham os seus trabalhadores dentro do regime que a CLT garante; paguem e não vão se incomodar nunca. Pelo contrário, vão valorizar a sua terra; vão valorizar o que produzem e o que exportam, até porque, lá fora, já existe uma campanha para combater os produtos brasileiros que forem denunciados nos organismos internacionais por terem origem em áreas onde existe o trabalho escravo. Parabéns a V. Exª! Sempre é uma alegria e até uma ousadia, eu diria, a minha em fazer um aparte a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Paim. O seu aparte enriquece o meu pronunciamento, até porque traz inspiração para algumas coisas.

            Eu lembrava aqui, se eu não estiver muito enganado, que a escravidão, em três séculos e meio, não foi nunca legalizada. A lei foi para abolir. A escravidão nunca foi regulamentada, a não ser quando veio o Ventre Livre, quando veio o Sexagenário. Agora a gente querer regularizar sob a desculpa de que é indefinido o conceito de “jornada exaustiva”? Não é indefinido!

            Eu, raramente, trabalho menos de dez horas por dia, Senador - raramente! Mas eu mudo o que estou fazendo. Eu estou aqui, depois estou escrevendo um artigo; estou dando uma aula. E, se eu sentir um pouquinho de cansaço, eu paro, relaxo, volto depois. Então, eu tenho uma jornada longa, mas não exaustiva. E, se for de vez em quando, não é porque estão me obrigando; é porque, por alguma pressão pessoal, eu sinto necessidade de realizar.

            Então, jornada exaustiva é jornada exaustiva, sim!

            Continuando, Senador - e quero dizer que isso daqui não fui eu que escrevi; estou lendo um documento organizado pela Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, da qual eu me sinto parte.

9) Por que se usa a expressão “trabalho análogo ao de escravo”? Porque o trabalho escravo foi formalmente abolido no dia 13 de maio, e o Estado passou a considerar ilegal um ser humano ser dono de outro.

            Então é análogo porque não é exatamente como era naquela época, em que as pessoas eram donas de outras.

10) O que vocês chamam de trabalho escravo é apenas a cultura da região ou desrespeito à legislação trabalhista.

            Não; trabalho escravo não é um desrespeito apenas à legislação trabalhista nem é vinculado a determinada região, como alguns dizem que é do Nordeste - não! Os dez trabalhadores de cana que eu listei aqui, que morreram, eram de São Paulo.

Todo e qualquer crime deve ser combatido, com maior força exatamente onde for mais usual a sua prática. (...) Além do mais, essa suposta “cultura da região” é compartilhada apenas por aqueles que concordam com o trabalho escravo, uma vez que a população mais pobre, vítima da escravidão, tem lutado desde a década de 70 para que seus direitos sejam efetivados.

            E eu diria mais, a imensa maioria dos empresários não prática isso. São raros os que praticam isso.

11) Por que, ao invés de resgatar trabalhadores, o Governo Federal não faz visitas prévias para esclarecer os empregadores, dando um tempo para que eles se adequem?

Se trabalho escravo fosse apenas um desrespeito à legislação trabalhista, isso seria possível, como ocorre quando são flagrados trabalhadores sem carteira de trabalho assinada ou com problemas mais leves de saúde e segurança, (...). Mas trabalho escravo é um crime contra os direitos humanos, atentando contra a dignidade ou a liberdade do trabalhador.

            Dizer, Senador Paim, que a gente deveria esclarecer quem tem trabalhador nessas condições é o mesmo que dizer que, em vez de proibir tortura, a gente deveria alertar quem tortura. É o mesmo que dizer que, em vez de prender um pedófilo, a gente deveria alertá-lo para que não cometa esse tipo de coisa. É o mesmo que dizer que a gente deveria alertar alguém que trafica drogas e não criminalizá-lo.

12) A culpa não é do empregador e sim de gatos, gerentes e prepostos. (...).

O empresário é o responsável legal por todas as relações trabalhistas de seu negócio [e não o gato que traz o trabalhador]. A Constituição Federal de 1988 condiciona a propriedade ao cumprimento de sua função social. (...)

13) Gostaria de alguns números sobre trabalho escravo.

Desde 1995, quando o Governo Federal criou o sistema público de combate a esse crime, mais de 45 mil pessoas foram libertadas do trabalho escravo no Brasil [ou seja, de 1995 para cá, 45 mil]. No mundo, a estimativa da OIT é que sejam, pelo menos, 20 milhões de escravos. Não há estimativa confiável do número de escravos no [nosso Brasil]. Na zona rural, as principais vítimas são homens, entre 18 e 44 anos. Na zona urbana, há também uma grande quantidade de sul-americanos, principalmente bolivianos. Nos bordéis há mais mulheres e crianças nessas condições. Dada a grande quantidade de escravos analfabetos [praticamente todos eles são analfabetos], verifica-se que trabalho escravo também é filho do trabalho infantil.

            E eu quero dizer que, para mim, trabalho infantil é trabalho escravo! Repito: trabalho infantil é trabalho escravo! Lugar de criança é na...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco apoio Governo/PDT - DF) - Lugar de criança é na escola e brincando e com a família.

            Embora seja possível considerar que certas atividades produtivas, como treinamento, sejam uma forma também de escola.

            A penúltima pergunta:

Todas essas histórias sobre trabalho escravo mancham o nome dos produtos brasileiros no exterior?

Pelo contrário, o que mancha o nome do Brasil no exterior é saber que aqui há trabalho escravo, que o Brasil faz parte desse conjunto de países. Ao contrário, o Brasil é reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, pelo governo dos Estados Unidos e outros países, como referência global no combate ao trabalho escravo e na adoção de um conceito de escravidão contemporânea, que protege a liberdade e a dignidade do ser humano. Empresas signatárias, e são muitas, do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que estão entre as maiores do país, têm relatado que adotar políticas corporativas de combate à escravidão em suas cadeias produtivas tem contribuído com a abertura de novos negócios no exterior.

            Hoje, Senador Anibal, há compradores que não aceitam comprar produtos que tenham características de trabalho escravo.

            Para ter uma boa imagem não é parar de falar nisso; é acabar o motivo de se falar nisso.

            E finalmente, a última pergunta é: “Quero votar para defender a dignidade e a liberdades dos trabalhadores. Como eu faço?”

            Aqui é uma pergunta quase que para nós próprios, Parlamentares.

            “Primeiro, vote a favor da PEC 57-A/1999 [ou seja, 14 anos], a Proposta de Emenda Constitucional que prevê o confisco de imóveis flagrados com escravos”.

            Da mesma maneira que há o meu projeto que confisca propriedades com trabalho infantil, eu já vi um que confisca propriedades com produção de drogas.

            Essa é a melhor maneira de resolver o assunto.

E vote pelo substitutivo ao projeto do Senador Jucá, a ser apresentado pelo governo. [Ou seja, o substitutivo apresentado pelo Governo ao projeto do Senador Jucá.] Dessa forma, os trabalhadores e as trabalhadoras do País vão se lembrar de você como uma pessoa que contribuiu de forma fundamental para a dignidade desta e das futuras gerações.

            Este é o documento, Senador, que eu tomei a iniciativa de ler. Longo, mas que eu achei que valia à pena trazer para os Anais desta Casa.

            Eu creio que a Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil é uma entidade que não devia mais...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... existir neste País, nem no mundo, até porque está fazendo 125 anos, no próximo maio, o fim da tolerância com a escravidão.

            Este documento, a meu ver, merecia ser lido, mas, apesar do tempo que eu já levei, eu gostaria de passar a palavra ao Senador Anibal Diniz.

            O Sr. Anibal Diniz (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Cristovam Buarque, eu quero dizer que estava ouvindo há pouco, pela Rádio Senado, esse seu pronunciamento, que, como bem classificou o Senador Paim, é um tratado, uma conferência a respeito do tema. V. Exa é um Senador que goza da simpatia do Brasil. O Brasil inteiro tem um respeito, uma deferência toda especial pelo Senador Cristovam Buarque, justamente porque as causas que V. Exa defende são causas que tocam o coração do Brasil. E esse seu pronunciamento de hoje é um pronunciamento que chama a atenção deste Senado, dos Srs. Senadores, das Sras Senadoras para, justamente, fazermos valer aquilo que o Brasil já adotou há tanto tempo, que é o fim da escravidão. E V. Exa esclareceu muito bem que, ainda que não se trate de trabalho escravo, pode ser considerado análogo ao trabalho escravo. E, exatamente por isso, temos que buscar o caminho para que o Brasil tenha uma imagem limpa, transparente. Hoje, nas economias mais avançadas, já se exige selo de certificação para a aquisição de determinados produtos. Se um produto é fruto de um trabalho que não conta com todos os direitos assegurados aos seus trabalhadores, pode ser que ele não ganhe o selo de certificação e, assim, passe a não ter competitividade no mercado. Então, inclusive, até do ponto de vista do sucesso econômico, é importante que nós tenhamos permanentemente nos nossos produtos um selo de certificação de que os trabalhadores envolvidos na confecção daquele produto, na produção daquela mercadoria são trabalhadores que...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Anibal Diniz (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - ... têm os seus direitos assegurados pelos empregadores. Então, creio que nós podemos, sim, dar essa grande contribuição para o Brasil, fazendo um esforço concentrado para que, neste final de ano legislativo, consigamos, ainda, por em pauta e, quem sabe, votar essa PEC do Trabalho escravo, justamente para que haja punição exemplar para aqueles que insistem em não reconhecer os direitos dos trabalhadores em nosso País.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Aníbal.

            Quero concluir dizendo que não pensem que eu rompi com uma nota só, a da educação, e que fiz um discurso sobre a escravidão. Quero dizer que a verdadeira abolição da escravidão passa pela educação de todos.

            É fundamental votar no substitutivo do governo para abolir as formas de escravidão no Brasil, mas elas poderão voltar. A forma de, realmente, erradicarmos a escravidão é que a escola do filho daquele que está em trabalho escravo seja a mesma do filho daquele que contrata o trabalho escravo. Se formos analisar quem é o trabalhador em condição análoga à de escravo, vamos ver que a imensa maioria, a quase totalidade, é de analfabetos. Vamos ver que nenhum deles terminou o ensino fundamental e que, para quem termina o ensino médio, é praticamente impossível cair em trabalho análogo ao de escravo. E, certamente, não há um universitário no trabalho escravo.

            Então, vamos dar uma boa educação, que a gente resolve esse problema de vez. Até lá, vamos aprovar a PEC nº 57-A, de 1999.

            Era isso, Sr. Presidente Paulo Paim. Alegra-me muito que V. Exª esteja aqui. Esqueci-me de dizer uma coisa: além de analfabetos, em geral, são descendentes de negros aqueles que estão em condição análoga à de escravo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2013 - Página 88047