Discurso durante a 22ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Comemoração do centenário de nascimento de Vinicius de Morais.

Autor
Inácio Arruda (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento de Vinicius de Morais.
Publicação
Publicação no DCN de 15/10/2013 - Página 2092
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, POETA, COMPOSITOR, DIPLOMATA, JORNALISTA, REFERENCIA, AMIZADE, TOM JOBIM, MUSICO.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/ PCdoB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia a todos.

     Quero cumprimentar nosso Senador Jorge Viana, que, para a nossa felicidade, teve oportunidade de tomar “uma” com Vinícius de Moraes e companhia, “umas e outras”. (Risos.)

O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT-AC) - No fundo, Senador, com todo respeito, já que quebrei o protocolo e o Regimento de uma vez só, ele trocou o uisquinho que tomava por uma cachaça de péssima qualidade que nós, estudantes, tínhamos na mão. Mas tudo isso era dentro da universidade, em Assis, no interior de São Paulo, quando estudávamos em Rancharia.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/ PCdoB-CE) - Mas ele lhe viu tão animado com aquela cachaça que deve ter pensado: “Só pode ser muito boa!” (Risos.)

     Então, quero cumprimentar o nosso colega, amigo e também quase conterrâneo Penna, porque sua mãe é lá do Crato. O Deputado Penna, do Partido Verde, comigo trabalhou a ideia de realizar esta homenagem.

     Portanto, Penna e Inácio unem-se em homenagem a este gigante da cultura, da arte, da diplomacia e da política, porque era, eminentemente, político desde sempre.

     Quero cumprimentar o Sr. Pedro Henrique Di Martino, representando nossa Ministra Marta Suplicy; a Primeira Secretária da Delegação da União Relações Exteriores, George Torquato Firmeza, cearense também - muito prazer, nosso amigo; e o Marcel Powell, que aqui representa este mundo dos artistas, dos compositores, dos cantores, de todos que foram parceiros deste extraordinário Vinícius de Moraes. Ele é um extraordinário violonista que nos brindou com três canções belíssimas. Meus parabéns Marcel! Foi uma excelente apresentação.

     Caros amigos que nos honram com sua presença neste plenário do Senado Federal, em sessão do Congresso Nacional, esse senhor Vinícius de Moraes, e como se diz por aí no plural mesmo, nasceu em 19 de outubro de 1913, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Filho de Lydia Cruz de Moraes e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, Vinícius foi o segundo de quatro irmãos - Lygia, Letícia e Helius completam a família.

     Em 1917, Vinícius começa o ensino primário na Escola Afrânio Peixoto. Em 1924, ingressa no ensino secundário no Colégio Santo Inácio, de onde sai em 1929 com o diploma de Bacharel em Letras. Em 1928, com os irmãos Paulo e Haroldo Tapajós, compõe suas duas primeiras canções, Loura ou Morena e Canção da Noite, que alcançam grande sucesso.

     Na Faculdade de Direito da Rua do Catete, onde ingressa em 1930, Vinícius irá conhecer aqueles que serão os grandes incentivadores da primeira fase de sua poesia, marcada por um forte sentimento religioso e metafisico: Otávio de Faria, San Thiago Dantas,

Hélio Viana, Plínio Doyle, entre outros - todos ligados à corrente católica da literatura de então. Alguns não escondiam sua simpatia pelo integralismo, versão brasileira do movimento fascista internacional.

     Os primeiros livros de Vinícius saem em rápida sucessão, e o alçam logo à categoria dos mais importantes poetas brasileiros. Em 1933, ano em que se forma em Direito, publica O Caminho para a Distância. Em 1935, com o segundo livro, Forma e Exegese, vence o Prêmio Nacional de Literatura Felipe d’Oliveira. Em 1936 publica, em forma de separata, o poema Ariana, a mulher, e trabalha por algum tempo no Departamento de Censura Cinematográfica, como representante do Ministério da Educação. Aí se consolida o seu amor pelo cinema. Nesse mesmo ano conhece Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, que seriam seus amigos por toda a vida.

     Em 1938, ano de publicação do livro Novos Poemas, Vinicius é agraciado com uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford. Permanecerá na Inglaterra até o final de 1939, quando se inicia a Segunda Guerra Mundial.

     De volta ao Brasil, trabalha como jornalista e crítico cinematográfico, antes de ingressar na carreira diplomática, por concurso público, em 1943, mesmo ano de publicação de mais um livro, Cinco Elegias.

     Em 1942, acompanhando o escritor americano e militante socialista Waldo Frank, Vinícius faz uma grande viagem pelo interior do Brasil. Essa viagem acarretará uma guinada no seu pensamento estético, social e político. Dirá Vinícius mais tarde: “Comecei a viagem como um homem de direita e terminei como um homem de esquerda. Era um mundo novo que se abria. (...) No plano político, principalmente. Comecei a ver as coisas. Vi a miséria do Nordeste, os mocambos do Recife, as palafitas do Amazonas, as casas de habitação coletiva da Bahia, a lama, a podridão, o abandono. Aquilo me escandalizou, precipitou uma tomada de consciência”.

     Em 1946, Vinicius será designado para o seu primeiro posto diplomático no exterior, atuando como Vice-Cônsul em Los Angeles, nos Estados Unidos. Muitos outros postos e viagens virão. Em 1953, Vinícius será nomeado Segundo Secretário da Embaixada Brasileira em Paris, cargo que exercerá até 1957, quando será transferido para a Delegação Brasileira junto à UNESCO. No final de 57, será removido para a Embaixada Brasileira em Montevidéu, onde permanecerá lotado até 1960. Em 63, retomará o seu posto junto à Delegação da UNESCO, em Paris, retornando definitivamente ao Brasil em 1964.

     Ainda em 1946, Vinícius publica, em edição de luxo, aquele que é considerado, inclusive por ele mesmo, um dos seus melhores livros, Poemas, Sonetos e Baladas, onde alcança uma síntese das várias vertentes de sua poesia e se aproxima definitivamente de uma posição estética mais voltada para o cotidiano e a vida comum. Nesse livro se encontram alguns dos seus poemas mais conhecidos, como O Dia da Criação, Soneto de Fidelidade, Balada do Mangue, Poema de Natal, Soneto de Separação, entre outros.

     Em 1949, João Cabral de Meio Neto produz, em sua prensa manual em Barcelona, uma edição de cinquenta exemplares do poema Pátria Minha.

     Os seguintes livros de autoria de Vinícius de Moraes foram publicados a partir de 1950: Antologia Poética (1954); Livro de Sonetos (1957); Novos Poemas II (1959); Para Viver um Grande Amor - crônicas e poemas (1962); Para uma Menina com uma Flor - crônica (1966); O Mergulhador (1968); A Arca de Noé - poemas infantis (1970); Poesia Completa e Prosa, organizada por Alexei Bueno, já pós-morte, em 1998.

     Vinicius escreveu, ainda, as peças teatrais Orfeu da Conceição, 1956, As Feras, 1961, Procura-se uma Rosa, 1961, em colaboração com Pedro Bloch e Gláucio Gil, e Cordélia e o Peregrino, em 1965.

     Em 1956, Vinícius lançará aquele que é seguramente um dos mais contundentes poemas políticos já escritos em nossa língua: O Operário em Construção.

     Aliás, está ali atrás o Pedro Oliveira, testemunha de quando Vincius declamou, na assembleia dos metalúrgicos em greve, na Vila Euclides, num silêncio total, aquele poema extrordinário, aquela peça extraoridinário que é O Operário em Construção, com os operários olhando boquiabertos para as verdades que, num poema extraordinário, Vinícius ditava a cada página.

     Em 1956, durante a montagem de sua peça Orfeu, Vinícius começará a trabalhar com um músico ainda desconhecido do grande público: Antonio Carlos Brasileiro Jobim. Nasce aí uma das maiores parcerias da música brasileira - e, não tenho medo de dizer, da música internacional.

     Da parceria com Tom Jobim, cito apenas alguns clássicos, que já formam parte da memória artística e sentimental do povo brasileiro - e que já ouvimos e sentimos aqui na nossa sessão de hoje: Eu sei que vou te amar; Se todos fossem iguais a você; Insensatez; Água de beber; A felicidade; Chega de saudade; Caminho de pedra; Eu não existo sem você; O morro não tem vez; Derradeira primavera, e, claro, Garota de Ipanema, uma das músicas mais gravadas em todo o mundo.

     Em 1958, os dois parceiros gravam um disco com músicas suas, interpretadas por Elizeth Cardoso, com acompanhamento de João Gilberto. Os versos arrojados de Vinícius, os arranjos inovadores de Tom Jobim e a batida inconfundível do violão de João Gilberto marcam o nascimento da Bossa Nova, que, em poucos anos, conquistará o mercado internacional e se estabelecerá como um dos movimentos musicais mais influentes do século passado - ainda inovadora e influente no início deste.

     Mas Vinícius não era de se estabilizar, de se contentar com aquilo que já foi alcançado, e logo estará participando, com o próprio Jobim e com outros parceiros, da abertura de novos caminhos para a música brasileira. Atendendo a convite do Presidente Juscelino Kubitschek, assina, com Jobim, a Sinfonia da Alvorada, épico musical que homenageia a nova Capital e os trabalhadores que a construíram.

     Com Baden Powell, e aqui na presença de seu filho, compõe a série extraordinária dos afro-sambas, que incluem, entre outras, as músicas Berimbau, executada agora há pouco, Consolação, Canto de Ossanha, Amor e Solidão, Canto de lemanjá e Canto de Xangô - todos clássicos indiscutíveis da nossa música e que marcam um dos momentos mais altos da valorização da cultura de origem africana em nosso País. Além dos afro-sambas, Baden e Vinicius nos legaram muitas outras obras-primas inesquecíveis.

     Carlos Lyra completa o trio dos mais importantes parceiros de Vinicius nesse tempo. Mais uma vez, vem uma sequência estonteante de composições de altíssima qualidade: Você e eu; Minha namorada; Samba do carioca; Pau-de-arara; Sabe você, para citar apenas algumas. Com Carlos Lyra, ativo militante do CPC - o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes --, Vinicius compõe, em 1963, o Hino da UNE, marcando para sempre sua presença nas lutas da juventude brasileira.

     Outras canções viriam, com uma lista impressionante de parceiros que vai de Pixinguinha e Ary Barroso a Edu Lobo e Francis Hime, de Garoto e Adoniran Barbosa a Moacir Santos e Chico Buarque. Sem contar as músicas que compôs sozinho, letra e música de Vinicius de Moraes: Valsa de Eurídice, também aqui executada pelo filho do Baden Powell, que nos honra com sua presença, e digo que aqui você está em nome de todos esses que acompanharam Vinícius por toda a vida, Serenata do Adeus, Pela luz dos olhos teus, entre outras.

     Em 1969, Vinícius seria diretamente atingido pela truculência da ditadura militar, que, por um ato infame determinado pelo ditador de plantão - cujo nome não merece ser lembrado nesta cerimônia --, o exonerou do Itamaraty. Essa infâmia só seria reparada 41 anos depois, por iniciativa do Chanceler Celso Amorim e do Presidente Lula, que encaminharam uma mensagem ao Congresso Nacional, que foi transformada na Lei n° 12.265, de 21 de junho de 2010, promovendo Vinícius de Moraes, post mortem, ao cargo de Ministro de Primeira Classe da carreira de Diplomata do Itamaraty. Cito trecho da Exposição de Motivos que acompanhou o projeto de lei:

“Pode-se afirmar, sem qualquer dúvida, que o

extraordinário trabalho artístico desenvolvido

por Vinícius de Moraes durante décadas fez

dele, mais do que divulgador ímpar do Brasil,

um verdadeiro embaixador da cultura brasileira.

Nada mais justo do que prestar-lhe o devido

reconhecimento, elevando-o, também, como

servidor público e diplomata, à posição que

merece ocupar.”

     Em 1970, Vinícius conhece o seu último grande parceiro, aquele que o acompanharia até o final da vida e que dividiria com ele o enorme sucesso popular que o poeta alcançará nos seus dez últimos anos: Antonio Pecci Filho, o Toquinho. Da vasta obra da dupla, cito apenas algumas, sem pretensão de abarcar as mais emblemáticas: Tarde em Itapoã; A terra prometida; O filho que eu quero ter; Aquarela; A vida tem sempre razão; São demais os perigos desta vida; O velho e a flor; Como dizia o poeta; Carta ao Tom 74; Testamento. Paro por aí.

     Vinícius morreu em 9 de julho de 1980, 3 meses antes de completar 67 anos de idade. Poucos viveram tão intensamente o tempo que lhes foi dado.

     Hoje, por ocasião do seu centenário, homenageamos o autor de tantos versos que serão guardados para sempre no coração do povo brasileiro, como um dos tesouros da língua portuguesa.

     Homenageamos o filho de D. Lydia e seu Clodoaldo.

     Homenageamos o marido de Beatriz, Regina, Lila, Maria Lúcia, Nelita, Cristina, Gesse, Marta e Gilda.

     Homenageamos o pai de Susana, Pedro, Georgiana, Luciana e Maria.

     Homenageamos o amigo de tantos amigos, o parceiro de tantos parceiros, o irmão de todos nós.

     Ao longo da sua obra, Vinícius nos forneceu algumas definições exemplares de si mesmo, e é com elas que encerro este pronunciamento. Dizia ele de si:

“Este é o homem da mulher, o homem da carne,

 o homem da terra”

“Amo na vida as coisas que têm sumo

E oferecem matéria onde pegar”

“Poeta e diplomata. O branco mais preto do

Brasil, na linha direta de Xangô.”

Acrescento: um legítimo filho do povo brasileiro.

Saravá, Vinícius de Moraes.

     Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 15/10/2013 - Página 2092