Discurso durante a 221ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Celebração do 113º aniversário do Laudo Suíço.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL.:
  • Celebração do 113º aniversário do Laudo Suíço.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2013 - Página 90061
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, CELEBRAÇÃO, DATA, MARCO REGULATORIO, DEFINIÇÃO, DISPUTA, TERRITORIO, ESTADO DO AMAPA (AP), FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, BRASIL, VITORIA, BRASILEIROS, DIREITOS, TERRITORIO NACIONAL, NECESSIDADE, GOVERNO, ATENÇÃO, RECIPROCIDADE, COOPERAÇÃO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Osvaldo Sobrinho, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, os que nos ouvem e nos assistem pela Rádio e pela TV Senado, venho um pouco tarde à tribuna, mas ainda na semana, para lembrar a data que se celebrou na passagem do último sábado, 1º de dezembro, data que tem uma importância central para o meu Estado do Amapá. No último sábado, 1º de dezembro, no Amapá, Sr. Presidente, celebramos o 113º aniversário do Laudo Suíço. O Laudo Suíço é o marco diplomático da definição, da celebração, da consolidação do território entre os Rios Oiapoque e Araguari, que correspondem a dois terços do território do Estado do Amapá, como terras do Amapá.

            Passou-se à história essa definição de nossas fronteiras - aliás, a consolidação da fronteira brasileira só se dá no final do século XIX e início do século XX - como uma obra meramente diplomática. E se passou à história a data de 1º de dezembro como uma obra única e exclusivamente do notável diplomata brasileiro, nome emérito de nossa diplomacia, José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco. É verdade que a obra do 1º de dezembro é uma obra diplomática. É José da Silva Paranhos quem participa do laudo arbitral de Berna, quem, com a sua genialidade, participa do embate diplomático contra a república francesa, o embate diplomático arbitrado pela República Helvética da Suíça, quem, com muita astúcia e com um conjunto de documentos, em especial uma obra que apresenta para esse embate diplomático com os franceses, obra pertencente a um outro célebre diplomata e historiador Joaquim Caetano da Silva, conhecida como O Oiapoque e o Amazonas, traduzida para o francês L’Oyapock et l’Amazone. É através dessa obra e um conjunto de cartas diplomáticas e de mapas do século XVII, XVIII e XIX que provam, consolidadamente, que os territórios localizados entre os Rios Oiapoque e Araguari eram terras brasileiras e não francesas.

            Mas a consolidação desse território foi feita, principalmente, graças ao esforço e ao sangue de brasileiros que lá foi derramado, para que aquela terra fosse brasileira. E dessa história é necessário aqui fazer este registro.

            É importante, então, nos reportarmos cinco anos antes da data de 1900, quando se dá o embate diplomático da Conferência Helvética, da Conferência Suíça. Em 8 de junho de 1895, Sr. Presidente, o Barão do Rio Branco escreveu uma carta ao Ministro do Exterior. O Barão do Rio Branco, naquela data - 8 de junho de 1895 -, tinha sido vencedor, pela parte do Brasil, em um outro embate diplomático, que tinha garantido às regiões das missões em um embate com a República da Argentina como Território brasileiro.

            Dizia, nesta carta, o Barão ao Ministro do Interior do então Governo do Presidente Campos Sales que tinha uma questão diplomática com a França; que era necessário ter uma atenção especial por parte da diplomacia brasileira.

            Nos anos seguintes a 1895, o Barão se dedicou a um trabalho gigantesco: o reconhecimento de que a ampla maioria das terras amapaenses era Território brasileiro. Para isso, foi necessário o próprio Barão se convencer da necessidade do arbitramento do laudo da mediação por parte da Federação Helvética, que fez esse reconhecimento em 1º dezembro de 1900, que é a data da celebração do tratado em que o juiz comum, acertado entre a República Francesa e a República Brasileira, consolidou esse território como Território brasileiro.

            Em abril de 1899, como já disse, depois de longos estudos, o Barão entrega à república suíça, à Federação Helvética da Suíça, que tinha sido designada como república que iria arbitrar a questão com a França, a documentação para o embate diplomático que se realizaria um ano e meio depois.

            A história do Amapá antecede quatro séculos dessa data, Sr. Presidente. E a história da presença europeia no Amapá antecede a própria chegada portuguesa.

            É Vicente Pinzón que chega às terras amapaenses antes mesmo da chegada portuguesa. Em fevereiro de 1500, Vicente Pinzón já aportava na região que depois viria a ser conhecida como Capitania do Cabo Norte.

            Em 1637, quando é criado o Estado do Maranhão, foi entregue a Bento Maciel Parente a Capitania do Cabo Norte, uma das capitanias criadas na designação das capitanias hereditárias no primeiro momento da colonização brasileira.

            Naquele momento, no final do século XVII, a presença francesa nos arredores da colonização portuguesa já era sentida. No final do século XVII, os franceses fundam a Vila de Caiena e, logo em seguida, a cidade de Caiena, com o Cavaleiro de Ferroles, o futuro Marquês de Ferroles. A presença francesa ao norte da ocupação portuguesa passou a ser uma presença incômoda para nós e passou a ser objeto de contestação e questionamento nos séculos e nos anos seguintes.

            Em 1733, é firmado o Tratado de Utrecht. O Tratado de Utrecht definia como limite entre a ocupação e a colonização portuguesa e a ocupação francesa um rio que teria sido encontrado na primeira excursão de Vincent Yáñez Pinzón em fevereiro de 1500, um rio denominado como Rio Vincent Yáñez Pinzón ou Rio l´Oyapock ou Rio Oiapoque. Esse era o limite definido pelo Tratado de Utrecht de 1733, tratado celebrado entre as coroas portuguesas e francesas.

            Esse tratado seguidamente, após o século XVIII, passou a ser desrespeitado. O ápice do desrespeito a esse tratado foi pouco antes da nossa independência em 1815. Nesse ano, com a guerra ocorrendo na Europa e com a fuga da família real portuguesa para o Brasil, uma das atitudes de represália por parte da família real portuguesa, já aqui no Brasil, foi invadir a então Guiana Francesa e invadir Caiena. Em 1815, o Tratado de Utrecht passou a ser desrespeitado na sua totalidade.

            O século XIX, com a descoberta do ouro na região do Amapá, ao norte do Rio Araguary, foi o século do desrespeito total aos termos do Tratado de Utrecht. Não se sabia onde era o chamado Rio Vincent Yáñez Pinzón, não se sabia onde era o chamado Rio l´Oyapock, definido no Tratado de Utrecht de 1733.

            Esses conflitos se acirram de igual forma e, de igual forma, havia um total desrespeito por parte das autoridades do Império brasileiro ao que ocorria ali, que se chegou ao momento de, como ação diplomática francesa, incentivar a criação de uma república independente naquela região. Foi quando se criou na região, entre os rios Vincent Yáñez Pinzón e o Rio Araguary, uma república independente denominada República do Cunani, uma república com bandeira própria, com selo próprio, com moeda própria. Tratava-se, na verdade, de uma iniciativa francesa de cunhar, de construir ali uma república que fosse aliada dos franceses, para retirar de lá o sentimento de nacionalidade brasileiro e ter emancipada aquela região, então com mais afinidade com o Brasil, tendo a constituição de uma república, de uma nação, afinada com os interesses franceses.

            A reação brasileira deu-se na segunda metade do Século XIX. Foi com a constituição da segunda República do Cunani e com o surgimento de uma figura chamada Francisco Xavier da Veiga Cabral, uma figura desconhecida da História brasileira e muito conhecida da História amapaense. Essa é uma figura que foi fundamental para definir esse território, essa área do Amapá, como Território nacional, como Território brasileiro. Francisco Xavier Cabral, o Cabralzinho, foi fundamental para constituir a segunda República do Cunani - uma República independente, mas identificada com os interesses brasileiros - e para organizar uma reação brasileira.

            É aí que ocorre, em maio de 1895, sob o pretexto de liberar um partidário da França, o Capitão Trajano, a invasão, por parte de tropas francesas, da Vila do Espírito Santo do Amapá. Inicia-se uma chacina que resulta na morte de 38 mulheres, crianças e idosos, na cidade da Vila de Espírito Santo do Amapá. Desse confronto resultou, também, um conflito pessoal entre Cabralzinho e o Capitão Lunier, líder das tropas francesas.

            Esse conflito, essa chacina na Vila do Espírito Santo do Amapá, ganhou repercussão internacional. Repercutiu na Europa, virou notícia, inclusive, do Le Monde. É essa repercussão que levou à necessidade de a diplomacia brasileira resolver o impasse que ocorreu na fronteira entre o Amapá - ainda região do Pará -, na fronteira da Guiana Francesa com o Brasil.

            Esse impasse, Sr. Presidente, só é resolvido diplomaticamente a partir do laudo arbitral mediado pela Confederação Helvética, em 1o de dezembro de 1900. Mas, Sr. Presidente, a resolução, portanto, não foi através da mediação do Barão. A resolução só ocorreu devido ao conflito acontecido em 15 de maio de 1895. O 1o de dezembro, é necessário aqui lembrarmos o 15 de dezembro, que foi lembrado no último sábado, 113 anos após, só ocorreu porque em 15 de maio de 1895 houve, primeiro, o necessário destemor de brasileiros e o sangue derramado de brasileiros na cidade de Espírito Santo do Amapá, que enfrentaram corsários franceses. O Amapá é um canto do Brasil que é brasileiro devido ao destemor de seus cidadãos em ser brasileiros e devido à disposição de brasileiros que lá viviam em derramar seu sangue para ser Brasil.

            E 113 anos depois, Sr. Presidente, nós vivemos uma relação com a França que talvez não seja dos mesmos conflitos de outrora, mas que também traz rusgas semelhantes às de outrora. Garimpeiros nossos convivem com atividades ilegais dentro do território francês. Brasileiros são maltratados dentro do território da Guiana Francesa. A região da fronteira do Oiapoque com a França tem sido uma região de fortes conflitos, de severos conflitos.

            Há pouco tempo, nós estávamos prestes a fazer a inauguração de uma ponte, a ponte binacional entre o Brasil e a França, entre o Amapá e a Guiana Francesa. Essa ponte, cuja inauguração - ainda bem - foi adiada, traria um conjunto de contradições e controvérsias. A primeira dessas controvérsias na inauguração era que iríamos inaugurar essa ponte sem nenhum acordo para a cooperação mútua entre os países, ou seja, a ponte seria somente de cooperação por parte dos franceses para o Brasil e não de brasileiros para com a França. A ponte seria celebrada sem nós termos o conjunto de tratados entre Brasil e França assinado aqui no Congresso Nacional.

            Em bom tempo, em bom momento, foi suspensa a data de inauguração da ponte binacional entre Brasil e França, porque me parece inadequado fazer inauguração de uma ponte só pela inauguração de um monumento, se não estão acertadas as relações entre o Brasil e a França.

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) -Permita-me só para concluir, Sr. Presidente.

            E se não estão acertados os tratados de cooperação entre o Brasil e a França, se as relações na fronteira entre a Guiana Francesa e o Amapá não estão concretamente estabelecidas, não adianta uma ponte entre o Brasil e a França se essa ponte entre o Brasil e a França não for de cooperação mútua, se essa ponte não for para ter transporte de veículos da França para o Brasil e de veículos do Brasil para a França, de comunicação entre brasileiros e franceses e de franceses e brasileiros. Não adianta a cooperação se for pela metade.

            Por isso, Sr. Presidente...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - ... considero, 113 anos depois que o sangue de brasileiros e a competência do Barão do Rio Branco no Laudo Arbitral Suíço, da Confederação Helvética da Suíça, nos deu ganho de causa no embate para com os franceses e depois que o sangue de brasileiros foi derramado lá para confirmar que o território entre os Rios Araguari e Oiapoque, que o Rio Oiapoque era, de fato, o rio de Vicente Yañez Pinzón, a região da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa continua a ser uma região de conflitos a ser resolvidos e precisa ser, fundamentalmente, uma região que tem que superar a fase do conflito para ser, de fato, uma região de cooperação e de prosperidade para as duas regiões.

            Tanto o Amapá quanto a Guiana Francesa são Estados que estão distantes do poder central de Brasília e de Paris, não há sentido crescerem distantes um do outro. Só há sentido se o desenvolvimento for de cooperação, mas, para isso, será necessário que os governos centrais de Brasília e de Paris deem atenção para as necessidades que existem na fronteira e não deem atenção somente eventual, indo para lá para fazer inaugurações de monumentos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2013 - Página 90061