Pela Liderança durante a 223ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de um ano de falecimento do arquiteto Oscar Niemeyer.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Registro de um ano de falecimento do arquiteto Oscar Niemeyer.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2013 - Página 90812
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE MORTE, ARQUITETO, OSCAR NIEMEYER, PROJETO ARQUITETONICO, CAPITAL FEDERAL, INOVAÇÃO, CONSTRUÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO, DARCY RIBEIRO, LEONEL BRIZOLA, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • ALTERAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, INFRAESTRUTURA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, REFORMULAÇÃO, ENSINO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ontem e antes de ontem, muitos de nós prestaram homenagem aqui a essa grande figura humana que foi o Marcelo Déda. Ouvi o discurso do Senador Valadares e confesso que fiquei muito tocado, sobretudo pelo conhecimento que eu tinha dele.

            Falei sobre isso ontem, um pouco que fosse, mas hoje quero lembrar outro que nos deixou há um ano, que foi o grande arquiteto Oscar Niemeyer. Faz um ano hoje, e eu, como Senador pelo Distrito Federal; companheiro que fui, amigo de Darcy Ribeiro e de Leonel Brizola, dos CIEPs; reitor da UnB, como fui, que deve a ele grande parte das suas construções; não posso deixar de fazer uma referência a que há um ano morreu o maior arquiteto do Brasil e, certamente, um dos maiores do mundo inteiro.

            Ele foi o homem que materializou o sonho de Juscelino Kubitschek, não no traçado, que ficou por Lúcio Costa, mas no desenho da maior parte das nossas edificações.

            Em 5 de dezembro de 2012, o arquiteto não resistiu a complicações de uma infecção respiratória e acabou falecendo no Rio de Janeiro, dez dias antes de completar 105 anos muito bem vividos, muito produtivos.

            É impossível dissociar Oscar Niemeyer de Darcy Ribeiro, de Brizola e da melhoria da educação no Brasil. Curiosamente, a primeira dentre as obras mais célebres assinadas pelo arquiteto carioca é a sede do Ministério de Educação e Saúde, o antigo MES - que era assim que se chamava -, cujo projeto foi realizado em parceria com Lúcio Costa e o famoso suíço Le Corbusier, que teve grande influência na arquitetura de Niemeyer. Aquele prédio que está no Rio de Janeiro, até hoje, representa uma das maiores obras vanguardistas da modernidade arquitetônica que o século XX trouxe.

            Em 1982, Darcy Ribeiro, antropólogo e educador, propôs ao Governo do Rio de Janeiro, quando Leonel Brizola era o governador e ele era o vice, que, em lugar de multiplicar, conformadamente, aquela escola conservadora - como ele dizia nas suas palavras - e que fingia ensinar as crianças, que por sua vez fingiam aprender, era vital - Darcy Ribeiro dizia - que se promovesse uma revolução na educação deste País, dando a ele a escola verdadeira e honesta que seu povo merecia.

            Com a aprovação do Governador Leonel Brizola, o Prof. Darcy Ribeiro solicitou a Niemeyer um projeto arquitetônico capaz de conter os espaços necessários a uma escola em tempo integral e que possibilitasse, através de sua multiplicação, baixos custos e montagem rápida.

            Aqui uma coisa do Darcy que é preciso trazer: a ideia de que não vai ser possível revolucionar a educação de base no Brasil por dentro do atual sistema carcomido, viciado, deprimido que nós temos. Para fazer a revolução, será preciso criar um novo sistema, um sistema adicional, como era a ideia do CIEPs. O CIEPs não era uma melhoria da escola tradicional, era a realização de uma nova escola, enquanto se melhorava a escola tradicional. O gênio de Oscar Niemeyer produziu um prédio executado com peças pré-fabricadas e concreto armado, usando, para isso, a colaboração do grande arquiteto Leleco.

            A beleza e o impacto chegaram a encobrir o projeto pedagógico desenvolvido no interior. Eu próprio tive ocasião de debater muito isso e dizer ao próprio Darcy Ribeiro que foi um erro ter dado tanta ênfase à arquitetura, apagando a maravilha do processo pedagógico que estava sendo utilizado no Rio de Janeiro.

            Mesmo assim, aqueles prédios são fundamentais. Enquanto Niemeyer trabalhava no projeto arquitetônico, professores trabalhavam, sob a orientação de Darcy, na estrutura do programa especial de educação do projeto pedagógico dos CIEPs.

            Turmas de mil alunos estudaram ali durante os anos dos dois governos Brizola, no sistema educacional que foi desativado logo depois da saída de Brizola.

            Aquilo podia ter sido um exemplo. Se nós tivéssemos mantido, por esses quase 30 anos, o desenvolvimento dos CIEPs, Senadora Ana Amélia - e a senhora sempre diz que é filha de uma das “brizoletas” lá do Rio de Janeiro, que era uma escola simples, para aquela época, os CIEPs eram as brizoletas do século XX já em véspera do século XXI -, se aquela experiência tivesse sido mantida, se, no lugar daquelas escolas que ele fez, tivéssemos feito mais 200, 300, 500 e se fosse possível que o Presidente Collor tivesse levado adiante os CIACs - como ele levou, criando 500 no Brasil -, se ele tivesse feito 5 mil, 10 mil no Brasil, a realidade seria outra, porque as pessoas se acostumariam com a ideia de um novo sistema. As pessoas perceberiam que a melhora por dentro não vai conseguir dar o salto necessário. Aquelas unidades começaram a ser construídas, e, durante um ano, professores foram sendo treinados paralelamente para exercerem o trabalho em uma escola com oito horas de atendimento diário, que incluía desde o desenvolvimento de um currículo básico até atividades de animação cultural, estudos dirigidos e educação física. Não foi esquecido também, no projeto Niemeyer, no projeto Darcy, um centro de saúde e uma biblioteca em cada uma dessas escolas.

            É disso que a gente precisa hoje, Senadora. A gente precisa retomar essa ideia. Obviamente, não mais necessariamente com aquele prédio. Acho que não deve ser um prédio padrão para o Brasil inteiro. Existem características específicas. Além disso, temos um número muito grande de arquitetos no Brasil para não ficarmos presos a um só, mesmo com a genialidade de Niemeyer, se existir algum com essa genialidade. É preciso ampliar o número de arquitetos. Quanto ao desenho, é preciso até fazer com que as escolas disputem qual é a mais bonita entre elas, com 8 horas de aula ali dentro, com professores bem remunerados.

            Eu insisto que, para se fazer isso no Brasil inteiro, vai ser preciso ser feito pelo Governo Federal, como o Presidente Collor tentou na época. Collor tentou fazer isso, até porque, como ele costuma dizer, é filho de uma escola federal, uma escola de base que havia em Brasília no tempo em que ele era criança e adolescente.

            Então, nós precisamos retomar essa experiência. E eu aproveito o aniversário da morte de Niemeyer não só para lembrar o nome dele, mas também para lembrar essa obra e lembrar a urgência de retomarmos aquele projeto, diferente, adaptado, do século XXI, não mais no século XX, com equipamentos da modernidade de hoje, da chamada tecnologia da informação, e não com o quadro- negro daquela época, sem ficar preso ao desenho arquitetônico e priorizando o lado pedagógico.

            Eu passo a palavra à Senadora que tem um testemunho, não um aparte para fazer, com certeza.

            A Srª Ana Amélia (Bloco Maioria/PP - RS) - Senador Cristovam, eu, como bolsista de Leonel Brizola, com a qual pude concluir o ginásio e o 2º grau, lá na minha Lagoa Vermelha, no internato, penso que a revolução que ele fez deveria ter seguidores. O senhor é um deles, mas deveria haver milhares no Brasil. Reconheço também que o Presidente Lula fez um esforço grande na abertura de escolas profissionalizantes e universidades. Mas eu insisto com V. Exª também na história do ensino fundamental. Esse é o setor chave do processo do aprendizado e da educação. Eu quero só dar um depoimento. Estive visitando o Município de Sarandi, na região da produção do meu Estado, e fiquei muito feliz, Senador, porque o prefeito tem um cuidado especialíssimo com a creche: crianças de seis meses a cinco anos, creche que funciona o ano inteiro, não apenas dez meses, para filhos de mães que trabalham nas fábricas daquele Município.

(Soa a campainha.)

            A Srª Ana Amélia (Bloco Maioria/PP - RS) - E essa criança fica lá durante 8 horas. E há crianças que se tornaram adolescentes e já saíram. E o depoimento do gestor é que a família também muda, porque a criança passa a exigir mais cuidados com a sua higiene, com o seu cuidado, com o seu tema de casa, com todas essas questões, e isso é fundamental. E eu entrei numa creche daquelas. As crianças serão outras ao entrarem para a alfabetização, Senador Cristovam. Elas têm outro convívio, já estão socializadas no ambiente da escola, já têm uma coordenação motora melhor, já têm a compreensão da interpretação do que elas assistem ou do que ouvem contar a professora ou a orientadora. Então, isso é realmente fundamental. Aqui temos o nosso querido Deputado Osmar Terra, que tem se dedicado à primeira infância. Mas eu vejo que há muitas iniciativas no nosso País, de norte a sul, de leste a oeste, e V. Exª é um pregador dessa grande causa. Parabéns por sempre estar tocando nesse tema. Obrigada, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado à senhora, Senadora.

            Eu continuo, Presidenta, lembrando alguns pontos interessantes deste falar...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... baseado em uma entrevista dada pelo próprio Niemeyer.

            Primeira pergunta que fez o jornalista: “O senhor trabalhou com Darcy Ribeiro no projeto dos CIEPs, do Museu da América Latina e da Universidade Norte Fluminense; qual desses foi o mais importantes para o senhor?”

            O Niemeyer não teve dúvida:

O mais importante era o projeto dos CIEPs. Era algo que ia revolucionar o ensino. O Darcy lutou, o Brizola lutou, todo mundo lutou para fazer funcionar. Mas ele nunca foi desenvolvido como poderia ter sido. Era uma maneira simples de conduzir a juventude para o conhecimento.

            Vejam que frase: “Era uma maneira simples de conduzir a juventude para o conhecimento.” E conduzir a juventude para o conhecimento é tirá-la da droga, tirá-la da ineficiência, tirá-la do desemprego. Tudo isso teria acontecido. E eu me pergunto: por quanto tempo mais vamos adiar fazer o que é nossa obrigação - garantir uma escola da máxima qualidade para qualquer...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... criança brasileira, não importa a cidade onde viva, nem a renda dos seus pais.

            Outra pergunta: “O senhor acha que não houve continuidade meramente por questões políticas?” Ele respondeu:

Não houve tempo de se consolidar, e o governo compreender que era um projeto indispensável, de modo que acabou de repente. Mais importante do que o prédio era a ideia. Mas não sei como está funcionando no momento do ponto de vista do ensino.

            A ideia, meu caro Niemeyer, meu caro Darcy, continua, e eu estou aqui para defendê-la. Volto a insistir que não mais necessariamente prisioneiros do projeto arquitetônico, mas do conceito de horário integral, de uma escola nova substituindo uma antiga, e não da melhoria de uma escola, que, a meu ver, não vai ter como dar o salto.

            Nós temos, sim, que levar adiante essa ideia. Mas eu quero insistir que essa ideia não continuou porque ela foi estadual. Ela não foi nacional. Ela não foi federal. E o Estado muda de um...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... governador para outro com muita facilidade. Além disso, fica restrita a um lugar. E, no caso do Governo Federal, que tentou com os CIACs, o tempo foi muito curto. Não deu tempo de consolidar, nem mesmo num projeto de quatro anos, com 5 mil CIACs, como poderíamos ter tido.

            A outra pergunta: “O Sambódromo surgiu na cabeça de quem primeiro, do senhor ou do Darcy?”

Na minha não foi, deve ter sido na dele. [Vejam a generosidade que ele tinha.] Eu fiz o desenho. A gente conversava, ele explicava o que queria. Fiz o estudo, ele modificou o que quis. E a obra está feita, e é útil realmente. Sambódromo é a festa, feito carnaval, a festa do povo.

            E aqui vem um ponto muito interessante: “A ideia das salas de aula nos camarotes no resto do ano começou no início do projeto ou surgiu no meio do caminho?” Porque Darcy, até quando fazia o trabalho de desenvolver, de apoiar, de promover o carnaval, não esquecia educação...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - “Foi ideia de Darcy.”

            Estou quase concluindo Senadora.

Primeiro me lembro que, quando um prefeito da França esteve aqui, fomos mostrar o Sambódromo para ele. Quando eu disse que embaixo ficavam salas de aula, ele ficou espantado e disse: “Que ideia formidável aproveitar esta imensa correia para levar cultura ao povo”.

            “Mas depois parou também, não é verdade?” Aí ele responde, e eu termino:

Ninguém pensou em fazer um estádio com as aulas embaixo. Só mesmo Darcy poderia ter uma ideia dessas. Nesta nossa pequena conversa, você me deu uma ideia importante. O negócio das salas de aula devia ser mantido embaixo dos estádios.

            E eu pergunto: em quais dos estádios que estamos construindo estamos fazendo salas de aulas embaixo? Em quantos dos estádios estamos fazendo? Quantas das arenas serão escolas depois que terminar essa festa de três semanas chamada de Copa do Mundo?

            Darcy teve a ideia, Niemeyer viabilizou arquitetonicamente, e os dois nos deixaram o exemplo que não estamos seguindo.

            É uma pena, mas pensei que, um ano depois da morte de Niemeyer, valia a pena lembrar essa entrevista, valia a pena lembrar esse exemplo...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... e valia a pena provocarmos para seguirmos aquela ideia que, a meu ver, pode, sim, mudar a educação brasileira e parar a vergonha que tivemos esta semana ao ver a avaliação da educação brasileira no cenário nacional pelo critério chamado Pisa e também descobrirmos que, entre os países em desenvolvimento - não falo nos grandes -, entre os países chamados emergentes, das 100 melhores universidades do mundo, só quatro são brasileiras. Estamos atrás de diversos países tão pobres, digamos, em renda per capita, como nós, e até mais pobres, que tinham universidades melhores.

            Era isso, Srª Presidenta, que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2013 - Página 90812