Discurso durante a 223ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque aos principais pontos do relatório de S. Exª sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2013, que trata da reformulação da Lei de Drogas.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Destaque aos principais pontos do relatório de S. Exª sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2013, que trata da reformulação da Lei de Drogas.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2013 - Página 90815
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • QUALIDADE, RELATOR, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, DROGA, CRESCIMENTO, NUMERO, USUARIO, SOLUÇÃO, PREVENÇÃO, TRATAMENTO, PARTICIPAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), SISTEMA UNICO DE ASSISTENCIA SOCIAL (SUAS), ADVERTENCIA, PREJUIZO, SAUDE, ROTULO, BEBIDA ALCOOLICA, PROIBIÇÃO, PROPAGANDA COMERCIAL, HORARIO ESPECIAL, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, DEPENDENCIA QUIMICA, NORMAS, DESTRUIÇÃO, PRODUTO, DIFERENÇA, JULGAMENTO, TRAFICANTE, DEDUÇÃO, IMPOSTO DE RENDA, DOAÇÃO, PESSOA FISICA.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, tive a honra de ter sido designado, pelo Presidente da CCJ, o Senador Vital do Rêgo, para relatar o Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2013, que trata da reformulação da Lei de Drogas do Brasil, que é a Lei nº 11.343, de 2006.

            O Projeto é de autoria do Deputado Osmar Terra e foi apresentado em julho de 2010. Na Câmara dos Deputados, foi relatado pelo Deputado Givaldo Carimbão e tramitou em conjunto com outras 16 proposições, que foram analisadas por uma comissão especial criada em maio de 2012. Essa comissão especial aprovou o projeto sete meses depois, na forma de substitutivo.

            A discussão do projeto foi ao Plenário da Câmara em maio de 2013, após a aprovação de regime de urgência para a matéria. Depois de muita discussão, Sr. Presidente, emendas de plenário, destaques, o projeto foi aprovado.

            O texto enviado ao Senado altera treze diplomas legais objetivando reformular a política sobre drogas em quatro grandes eixos: a estruturação do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad); a atenção aos usuários ou dependentes de drogas, que inclui as formas de tratamento e internação, bem como o acolhimento pelas comunidades terapêuticas; aspectos criminais e processuais penais; e o financiamento das políticas sobre drogas.

            Durante a instrução do projeto, promovemos a realização de uma audiência pública, no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em que estiveram presentes a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, o Conselho Federal de Psicologia, a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas, a Rede Justiça Criminal, o Professor Dartiu Xavier da Silveira, da Universidade Federal de São Paulo, o Fórum Brasileiro de Gestores de Políticas sobre Drogas, a Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial, o Colegiado de Conselhos Estaduais de Políticas sobre Drogas, a Rede Pense Livre e a Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas.

            No processo de elaboração deste relatório, apresentado ontem por mim à Comissão de Justiça, também recebemos em audiência diversas entidades da sociedade civil organizada, como: Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Viva Rio, Movimento Rio de Paz, Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), Rede Fale, Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas, Pastoral da Sobriedade, Cruz Azul no Brasil, Fazenda Esperança, Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada, algumas das quais apresentaram sugestões ao texto do projeto.

            Reunimo-nos, ainda, com o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e representantes do Ministério da Justiça (Secretaria Nacional Antidrogas e Secretaria de Assuntos Legislativos), Ministério da Fazenda, Casa Civil (Secretaria de Assuntos Jurídicos e Secretaria de Assuntos Governamentais), Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

            Como disse, na data de ontem, entreguei meu relatório à CCJ. Aguardamos, então, que o Presidente da Comissão, Senador Vital do Rêgo, possa incluir o projeto em pauta o mais breve possível, o que deve ocorrer entre os dias 17 e 18 deste mês.

            Sr. Presidente, eu gostaria de aproveitar este momento para apresentar os principais pontos do projeto e de meu relatório.

            Antes, porém, quero dizer que o projeto que esta Casa passa a apreciar surge em um momento oportuno. O crescimento alarmante do uso de drogas nos últimos anos, em especial do crack, torna urgente a necessidade de o Poder Público dar uma resposta mais efetiva para o problema. O assunto tem provocado inúmeras discussões, inclusive no âmbito do Parlamento, na busca por soluções. O Governo Federal lançou o programa "Crack, é possível vencer", com ações de prevenção, de cuidado do dependente e de erradicação do tráfico.

            No âmbito desse programa, no último mês de setembro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça divulgaram os resultados da maior pesquisa já realizada sobre o número e o perfil dos usuários de crack no Brasil, em que entrevistaram aproximadamente 25 mil pessoas residentes nas capitais do País.

            Os números apontam que existem cerca de 370 mil usuários de crack ou similares nas 26 capitais e no Distrito Federal, 50 mil dos quais crianças ou adolescentes. O número de usuários de drogas ilícitas em geral é quase três vezes maior: um milhão de pessoas. O Nordeste foi a região que apresentou, em suas capitais, o maior quantitativo de usuários de crack e/ou similares: 148 mil pessoas (das quais, 28 mil crianças e adolescentes).

            Segundo a mesma pesquisa, os usuários de crack são, em sua maioria, adultos jovens (70% com menos de 35 anos), do sexo masculino (79%), "não-brancos" (80%), que sobrevivem de trabalhos eventuais (bicos) ou como autônomos (65%). O tempo médio de uso identificado é de 91 meses (quase oito anos) nas capitais e 59 meses (cinco anos) nas demais cidades, e a quantidade média usada varia de 16 pedras (capitais) e 11 pedras (outras cidades) por dia.

            Um dado que nos chama a atenção na pesquisa é que 80% dos usuários da droga querem tratamento para deixar o consumo. Os agravos à saúde decorrem não apenas do uso da droga em si, como de comportamentos de risco que estão associados (a prevalência de HIV é cerca de oito vezes maior em usuários de crack do que na população em geral, e a de hepatite C é o dobro). Além disso, mais da metade das mulheres usuárias de crack já havia engravidado ao menos uma vez desde que iniciou o uso da droga.

            Esse quadro revela a oportunidade de se aprimorar o enfrentamento à questão das drogas com foco no atendimento do dependente, sem olvidar as ações preventivas e repressivas.

            A Organização dos Estados Americanos (OEA) tem enfatizado a necessidade de os países tratarem o consumo de drogas, definitivamente, como uma questão de saúde pública. A OEA, Sr. Presidente, sugere que os dependentes de drogas possam ter acesso ao tratamento em todos os níveis de atenção geral e especializada do sistema de saúde, com especial ênfase na identificação precoce e na intervenção breve no nível da atenção primária.

            O Projeto de Lei que estou relatando, PLC nº 37, de 2013, busca oferecer alternativas para melhorar a estrutura do atendimento aos usuários ou dependentes de drogas e suas famílias. Ele detalha os principais aspectos relativos ao tratamento e ao acolhimento de pessoas que usam drogas e da sua necessária reinserção social e econômica.

            O Projeto também dispõe sobre a articulação das ações realizadas nas três esferas de poder - federal, estadual e municipal -, que são de fundamental importância para o êxito das políticas de enfrentamento às drogas.

            Outros aspectos tratados incluem ações preventivas dos riscos associados ao uso de drogas, ações repressivas ao tráfico pelo endurecimento de penas e por alterações nos procedimentos processuais de apreensão e alienação de bens e destruição de drogas apreendidas, mecanismos de financiamento e auxílio financeiro a projetos relacionados à atenção a usuários de drogas.

            Sr. Presidente, se V. Exª me permitir terminar este discurso, passarei a destacar, brevemente, alguns dos principais pontos do relatório que entregamos à CCJ, divididos nos principais eixos do projeto.

            1 - Quanto à estruturação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

            O Sisnad atuará de forma articulada com o SUS e o SUAS.

            Ao Poder Executivo Federal competirá a coordenação geral do Sisnad e a repressão ao tráfico pesado. Aos Estados e ao Distrito Federal competirão ações focadas na atenção à saúde. Aos Municípios, prioritariamente ações de prevenção.

            Mantivemos as Comunidades Terapêuticas Acolhedoras como integrantes do Sisnad.

            Entre as alterações, garantimos a participação da sociedade civil no Plano Nacional de Políticas sobre Drogas e nos conselhos de políticas sobre drogas da União, dos Estados e dos Municípios. Permitimos que os conselhos estaduais e municipais tenham poder normativo para deliberar sobre essas políticas sobre drogas em sua esfera de atuação.

            2. Quanto às atividades de prevenção.

            Acrescentamos a exigência, nos rótulos das bebidas alcoólicas, de advertência sobre seus malefícios, segundo frases preestabelecidas pela autoridade competente.

            Um dispositivo semelhante a esse que estou incluindo aqui foi rejeitado na Câmara dos Deputados. Espero que o Senado Federal aprove esse dispositivo, que é essencial para a modificação do comportamento, da conduta dos nossos jovens, visando preveni-los quanto ao uso de drogas, quanto ao uso de bebidas em excesso. É por isso que essa advertência dos malefícios do álcool tem que constar no rótulo das bebidas. É lamentável que a Câmara dos Deputados tenha derrubado.

            Também ampliamos para todas as bebidas alcoólicas a proibição de propaganda na TV e no rádio das 6 às 21 horas. Isto é, das 6 da manhã até as 21 horas, pelo nosso Projeto, pelo nosso Substitutivo, será proibida a divulgação de bebidas alcoólicas, inclusive da cerveja, que hoje tem sua divulgação permitida.

            Essa restrição é aplicada apenas às bebidas com mais de 13 graus Gay-Lussac de teor alcoólico. Isto é, pela legislação atual, bebida que tenha um teor alcoólico de até 13 graus, não tem problema, pode ter sua divulgação a qualquer hora e a qualquer instante. Nós estamos restringindo essa divulgação.

            Nós sabemos que o combate ao tabaco, ao uso do fumo só foi reduzido pela metade, de 30% para 15%, devido justamente a essas limitações. Hoje é proibida a divulgação de cigarro na televisão. Nós não estamos proibindo, estamos restringindo o uso de divulgação na televisão para as bebidas acima até cinco graus Gay-Lusac.

            3. Quanto à reinserção social e econômica.

            Os programas de educação profissional e tecnológica, educação de jovens e adultos e alfabetização deverão receber pessoas atendidas por políticas sobre drogas.

            Eu sei que o Senado Federal vai ser muito assediado e pressionado, mas confio nos Srs. Senadores. A pressão dos lobbies da cerveja, dos vinhos vai ser grande, para que não haja essa limitação que estamos propondo no projeto.

            Os Serviços Nacionais de Aprendizagem (Senai, Senac, Senar e Senat) e estabelecimentos de qualquer natureza poderão, mediante instrumentos de cooperação, oferecer vagas a usuários e dependentes atendidos pelas políticas sobre drogas.

            Retiramos do projeto a cota de 3% de vagas em obras públicas. Por quê? Porque a previsão dessa cota tornaria os processos de licitações públicas ainda mais complexos e burocratizados, tornando-o mais caro para o Poder Público e onerando toda a sociedade de modo ineficiente. Ademais, em muitos casos, as obras públicas são realizadas em localidades distantes dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial, o que pode dificultar ainda mais, quando não comprometer completamente, a eficácia do tratamento da dependência de droga.

            Existem maneiras de promover a reinserção social, atribuindo menores custos à sociedade, como por meio de incentivos econômicos e programas específicos de inserção no mercado de trabalho, com os quais poderão colaborar os setores público e privado.

            É isso que propomos em substituição às cotas. O Poder Público encaminhará o usuário ou dependente ao Sistema Nacional de Emprego (SINE) e a programas de inserção no mercado de trabalho. Acrescentamos que esses programas deverão assegurar a proteção da intimidade do trabalhador contra qualquer forma de discriminação, por sua condição de usuário ou de dependente de drogas, ou que esteja passando por tratamento, a fim de se evitar o estigma e facilitar o processo de sua reinserção social e econômica, sem nenhum preconceito por parte de quem emprega e sem nenhuma revolta ou repulsa daquele usuário que está passando por tratamento e assistência do governo.

            4. Quanto à atenção à saúde do usuário ou dependente.

            Mantivemos a disciplina geral do tratamento do dependente, com prioridade para o atendimento ambulatorial individualizado. As internações, seja voluntária ou involuntária, deverão seguir critérios rígidos, só podendo ser determinadas por um médico responsável e realizadas em unidades de saúde e hospitais gerais. A internação involuntária terá prazo de no máximo 90 dias, o suficiente para a desintoxicação do dependente.

            No relatório, garantimos que a internação involuntária só será indicada após a utilização de alternativas terapêuticas e permitimos que a família determine a interrupção da internação, salvo risco imediato à vida própria ou de terceiros, avaliado pelo médico.

            Incluímos, ainda, um rol de direitos fundamentais do dependente de drogas submetido a tratamento, como: ter a devida atenção à saúde, receber informações sobre tratamentos disponíveis, escolher o tratamento, receber atenção psicossocial, não ser internado contra a própria vontade, presença médica, sigilo das informações prestadas.

            5. Quanto às Comunidades Terapêuticas Acolhedoras.

            Elas têm reconhecida a sua coexistência com os serviços governamentais e serão integrantes do Sisnad para desenvolver projetos que visem à abstinência, baseados na convivência entre os pares.

            Deverão realizar ou providenciar uma avaliação médica prévia ao acolhimento e elaborar um plano individual de atendimento, mas não poderão realizar qualquer forma de internação (voluntária ou involuntária).

            As normas de referência para seu funcionamento serão definidas pela Secretaria Nacional Antidrogas, vinculada ao Ministério da Justiça.

            5. Quanto aos aspectos criminais.

            O projeto permite que o pequeno traficante, a critério do juiz, receba uma punição menor que a aplicada ao traficante comum.

            Prevê novo procedimento para apreensão e destruição das drogas. Atualmente, nessa fase, apenas a destruição das plantações ilícitas é regulada por lei. A droga, em si, que é apreendida, só é destruída após o encerramento do processo judicial. De acordo com o projeto, caso haja prisão em flagrante, o juiz terá dez dias para determinar a destruição.

            O projeto estabelece novas regras para medidas assecuratórias sobre bens apreendidos do tráfico.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - Estou adiantando, Sr. Presidente, para não tomar o tempo dos demais oradores.

            Incluímos, no substitutivo que propusemos à CCJ, proposta que visa a conferir mais objetividade na distinção entre o usuário de drogas e o pequeno traficante.

            Aí que está o grande diferencial que deve ser observado pela legislação brasileira, a fim de que as prisões não se encham, não fiquem abarrotadas de pessoas que são confundidas com traficantes quando são usuários ou dependentes.

            Os critérios atuais revelam-se demasiadamente subjetivos. Expressões contidas na legislação de conteúdo indeterminado, como "circunstâncias sociais e pessoais" vêm servindo para reforçar estereótipos e preconceitos com usuários de camadas sociais pobres e excluídas.

            O tratamento penal resulta diferenciado, ainda que a situação, de fato, seja idêntica - uma pessoa presa com uma pequena quantidade de droga (maconha, por exemplo) acaba sendo enquadrada como traficante em uma favela e como usuária em um bairro de luxo. Desse modo, o aspecto mais relevante na diferenciação entre usuário e traficante é a condição socioeconômica do investigado. A porta da discriminação é aberta pela própria lei, ao permitir que o tráfico seja caracterizado não pela ação em si, mas por "circunstâncias sociais e pessoais" do acusado. Se for negro, se for pobre, é traficante, mas se for branco e morar no asfalto, é usuário. É uma distinção odiosa, que não pode continuar a persistir no nosso meio.

            A esse respeito, é emblemático que uma sentença judicial do Rio de Janeiro, Sr. Presidente, tenha negado a redução de pena prevista no §4º do art. 33, aplicável a réus primários, de bons antecedentes, que não se dediquem às atividades criminosas nem integrem organização criminosa, fundamentando-se na seguinte consideração - vejam: "quem vende drogas em favelas e/ou comunidades dominadas por facções criminosas não pode fazer jus a tal benefício". Esta, a sentença do juiz dizendo isso. Quer dizer, quem mora em favela não pode ser considerado réu primário.

            Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de Brasília, de 2009, que analisou 730 sentenças judiciais de primeira instância, 128 acórdãos de tribunais do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, 103 acórdãos do STJ e decisões do Supremo Tribunal Federal que tinham por objeto crimes de drogas, identificou que, nos flagrantes pela posse de maconha, 11% dos casos referiam-se a quantidades de até 10 gramas e 57% a quantidades de até 100 gramas. Quando houve a apreensão de cocaína, em 23% dos casos a quantidade apreendida foi de até 10 gramas e, em 48% dos casos, até 100 gramas.

            Assim, como nossa legislação não tem critérios objetivos, referenciados em uma determinada quantidade de droga, para diferenciar o pequeno do grande traficante, também não tem critério objetivo para diferenciar o pequeno traficante do usuário. Cremos que estabelecer esse critério será um grande ganho para nossa política criminal de drogas.

            Sr. Presidente, prometo a V. Exª que, logo após essa explicação, que é fundamental e que vai gerar um debate intenso no âmbito do Senado Federal, terminarei o discurso, pedindo a transcrição do restante dele nos Anais do Senado.

            Como dizia, cremos que estabelecer esse critério será um grande ganho para nossa política criminal de drogas.

            O que diferencia o usuário e o traficante, em qualquer caso, é a destinação da droga, seja qual for a quantidade. Se destinada ao comércio em geral, à mercancia ou até mesmo ao fornecimento a terceiros gratuitamente, caracteriza-se o crime de tráfico (art. 33). Se destinada ao consumo pessoal, caracteriza-se o ilícito do art. 28.

            No entanto, atualmente, a lei manda que, para determinar se a droga destinava-se ao consumo pessoal (ou seja, para que o acusado não responda como traficante), o juiz deverá considerar “a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente”. É assim que está na lei atual. Mas não diz quanto significa a referida quantidade. A lei diz que o juiz deverá considerar a quantidade da substância apreendida. Mas qual quantidade?

            Não temos dúvidas de que, nesse cenário, inúmeros usuários de drogas acabam presos e condenados como traficantes.

            O Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, ao proferir seu voto sobre os embargos de declaração no âmbito da Ação Penal nº 470 ("mensalão"), afirmou claramente que a Justiça toma decisões de forma seletiva, dependendo da classe social do réu. Ele disse:

Temos milhares de condenados por pequenas quantidades de maconha e pouquíssimos condenados por golpes imensos na praça. Para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas.

            A ampla margem de subjetividade na aplicação da lei é ruim para quem aplica a lei, para quem responde a um processo e para toda a sociedade.

            A prisão injusta de usuários e dependentes expõe nossa juventude ao ambiente penitenciário - e todos sabem como é o nosso ambiente penitenciário - e não traz qualquer perspectiva de produzir bons resultados na redução do consumo de drogas e no combate ao crime organizado.

            A lei de drogas de 2006 tornou mais dura a resposta penal ao tráfico e conferiu ampla subjetividade para a caracterização da destinação da droga para consumo pessoal. Isso fez dobrar, em seis anos, o número de pessoas presas por crimes relacionados a drogas. Passou de 65,5 mil pessoas, em 2007, para 138 mil pessoas em 2012. A taxa de ocupação de nossos presídios já atinge 177%, ou seja, está próxima do dobro da capacidade.

            Apesar do crescente encarceramento, o tráfico de drogas não foi controlado e tampouco verificamos a redução do consumo de drogas no País. Ao contrário, o tráfico introduziu o crack no Brasil, e, nos últimos anos, essa droga tornou-se uma realidade em pelo menos 70% dos Municípios do País, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios. O consumo de cocaína no País também cresceu substancialmente...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - ... nos últimos seis anos, de 0,7% para 1,75% da população entre 15 e 64 anos, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas - 2013, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

            Portanto, estou seguro de que chegou a hora de propormos uma mudança.

            O que propomos é eliminar os termos de conteúdo indeterminado, tais como “as circunstâncias sociais e pessoais”, e estabelecer critérios de quantidade máxima para cada droga, tendo como objetivo principal diferenciar o usuário do traficante, de maneira objetiva, separando claramente o mundo do consumo do mundo do crime.

            Para isso, sugerimos que seja presumida a destinação da droga para consumo pessoal caso a droga apreendida seja o suficiente para o consumo médio de cinco dias. Quem definirá a quantidade específica para cada droga é o órgão competente do Poder Executivo da União. Se houver prova (como o próprio testemunho policial no flagrante) de que a droga destinava-se a fornecimento, ou ao comércio, mesmo em pequena quantidade, será caracterizado o tráfico.

            Essa proposta não é nossa invenção. Ela foi sugerida pela Comissão de Juristas que foi instalada no Senado em 2011 para elaborar um anteprojeto do Código Penal, resultando na apresentação do PLS nº 236, de 2012, pelo Presidente José Sarney, que designou essa Comissão. Também foi apresentada por meio de emenda na Câmara dos Deputados. O critério fundado em determinada quantidade é adotado de diversas formas em inúmeros países, como Portugal - lá, são dez dias, e, aqui, estamos propondo cinco dias de consumo -; Espanha; México; Alemanha - para a cannabis -; República Tcheca; Estados Unidos, nos Estados que autorizam o uso medicinal da cannabis; Canadá, entre outros.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - Ressaltamos, Sr. Presidente, que a previsão de uma referência objetiva baseada em uma pequena quantidade de droga não tem o condão de liberar o consumo ou o porte dessa quantidade reduzida, o que se daria apenas mediante proposta de descriminalização de drogas, que é o que não estamos fazendo aqui. Mantemos o porte de droga para consumo pessoal como ilícito penal. O que buscamos apenas é criar um referencial mais simples e direto aos aplicadores da lei, a fim de facilitar a caracterização do crime de posse de drogas para consumo pessoal e de incentivar que o crime de tráfico passe a ser caracterizado com mais clareza quando envolvendo pequena quantidade de droga.

            Acredito que esse critério, Sr. Presidente, significará um avanço na política de repressão ao tráfico de drogas. Ele estimulará a Polícia, sem constranger sua atuação, a investigar e prender os fornecedores de drogas, fazendo com que o sistema punitivo se direcione fundamentalmente ao que interessa reprimir, que é o tráfico de drogas. Sem o traficante, não haverá usuário. Barrando o traficante, evitaremos a distribuição da droga para os usuários. O que os usuários ou dependentes precisam é de atenção do sistema de saúde e de assistência social.

            Sr. Presidente, falta só meia página. Posso terminar, então? (Pausa.)

            Quanto ao financiamento das políticas sobre drogas, mantivemos a possibilidade de a pessoa física deduzir do Imposto de Renda devido as doações diretamente efetuadas no apoio a projetos de construção e manutenção de instituições de recuperação de usuários ou dependentes de drogas.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - Acolhemos a sugestão do Governo Federal, para especificar que essa dedução será limitada a 30% da doação e a 6% do Imposto de Renda devido e não se aplicará a doações feitas por pessoas jurídicas. Suprimimos também a possibilidade de deduzir do Imposto de Renda as doações efetuadas aos fundos de políticas sobre drogas.

            São esses os pontos que eu gostaria de destacar do Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2013.

            Estou seguro de que a nova configuração que se pretende dar às políticas sobre drogas no País faz avançar o tratamento que o País dá ao problema. Com mais investimentos em ações preventivas que informem a população sobre os riscos associados às drogas, com mais ações de reinserção social e econômica, com oferta de serviços de saúde para o tratamento da dependência química, com o reconhecimento legal das comunidades terapêuticas e com a repressão penal mais racional, esse projeto vem em boa hora.

            Que façamos o debate e possamos entregar à sociedade, Sr. Presidente, uma nova perspectiva para a redução do consumo e do tráfico de drogas!

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado pela sua tolerância. V. Exª, como médico, sabe da importância do que estamos falando.

            O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. Bloco União e Força/PTB - RR) - Perfeitamente!

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE) - Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2013 - Página 90815