Discurso durante a 227ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagens a Nelson Mandela.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens a Nelson Mandela.
Aparteantes
Eduardo Braga, José Agripino.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/2013 - Página 94066
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, NELSON MANDELA, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, LUTA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, APARTHEID, AFRICA, INFLUENCIA, MUNDO, PARTICIPAÇÃO, CERIMONIA, CHEFE DE ESTADO.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente desta sessão, S. Exª o Senador e Ministro José Pimentel, Srªs e Srs. Senadores, no dia 5 de dezembro de 2013, o mundo ficou menor. Perdemos Nelson Mandela, o último herói do século XX, que catalisou o sentimento mundial e não somente conciliou a si próprio com os causadores de seu martírio como também as aspirações de liberdade e justiça alicerçadas nos ideais da democracia. Seu falecimento consternou a África do Sul, e sua dor espraiou-se mundo afora.

            A prova mais contundente do sentimento dessa perda foi a grandeza das homenagens e a participação de cerca de uma centena de chefes de Estado na cerimônia oficial de exéquias do Presidente Mandela, ocorrida anteontem, dia 10, em Joanesburgo. Dela, tive a honra de participar, a convite da Presidente Dilma Rousseff, juntamente com os ex-Presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

            Foi um momento ímpar na vida de qualquer pessoa, não somente pelo significado histórico da solenidade, mas também pela constatação da magnitude do nome de Nelson Mandela para os diversos povos e nações do mundo. Nem o frio, nem a chuva incessante, nem o clima enevoado arrefeceram o ânimo e a disposição da população em reverenciar seu maior líder no grande estádio de Joanesburgo, nos arredores do bairro de Soweto, símbolo da luta contra o apartheid. Ali, presenciamos, lado a lado com uma numerosa população nas ruas, as emoções que retratavam a admiração de um povo órfão com a perda de seu líder.

            Todos os presentes, todos nós sentimos, naquele momento e na alma de cada sul-africano, um profundo misto de pesar, de reverência e de comemoração. Uma simbiose entre celebrações religiosas e festejos, entre orações e cantos, que tão bem caracterizam o espírito daquela população diante de seus símbolos morais, e que costuma demonstrar sua lamentação com uma alegria contida, mais ainda quando quer expressar o orgulho pelo reconhecimento mundial de seu maior ícone.

            Da mesma forma, Sr. Presidente, tive também a satisfação, no exercício da Presidência da República, em 1991, de conhecer, pessoalmente, Nelson Mandela e de ser o primeiro Presidente brasileiro a recebê-lo em nosso País após sua libertação de 27 anos de cativeiro. Isso se deu antes mesmo de ele ser agraciado, dois anos depois, com o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com o último presidente branco daquele país, Frederik De Klerk, e de ser eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, em 1994.

            Naquela ocasião, coube-me condecorar Nelson Mandela com a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco. A visita ao Brasil fazia parte de sua peregrinação para que as nações do mundo mantivessem as sanções econômicas ao país até que as divisões entre negros e brancos deixassem de existir, e que todos tivessem o direito a escolher os próprios representantes. Quando do nosso encontro, premonitoriamente declarei em público a minha honra em apertar a mão do homem que seria o símbolo do nascimento de uma nova África do Sul, fortalecida e racialmente integrada. Afinal, como hoje atesta e comprova o escritor e poeta sul-africano Zakes Mda, "Mandela deixou um legado altivo de liberdade, de direitos humanos, de tolerância e de reconciliação."

            Valorizava-se ainda mais aquele encontro por ser em solo de um país que tem suas raízes também fincadas no continente africano, e que recebia naquele momento seu melhor fruto, personificado na figura de Nelson Mandela. Assim, ele simbolizava a chama do consenso, da tolerância, do entendimento e, por fim, da conciliação e do congraçamento entre desiguais na busca de um momento de paz. Esse processo resultou na reedificação, como nós sabemos, de um país que, ainda hoje, almeja diminuir as diferenças, as injustiças e promover seu desenvolvimento social e econômico.

            Na cerimônia de Joanesburgo, veio também à minha mente o gesto de Mandela ao receber o Nobel da Paz, levantando o braço daquele que representava seus carrascos, como um símbolo maior de pacificação e, acima de tudo, de perdão. Afinal, levantar o braço do último representante do regime do apartheid, o sistema de seu martírio, foi uma clara demonstração de quem diz: “Eu te perdoei e aos teus e desejo que todos te perdoem”. Isso, vale lembrar, dito por um homem que foi líder de um partido que outrora pregava a força e a luta armada para derrubar o governo discricionário que dominava a África do Sul. Contudo, décadas depois, esse mesmo homem, já no seu último ano de mandato como presidente de seu país, declarava, na Assembleia das Nações Unidas, que - aspas - "precisamos lutar continuamente para derrotar esse traço primitivo de glorificação das armas” - fecho aspas. Eis aí o traço mais claro da evolução do pensamento de Mandela. Um único homem, sozinho, implantou o Soft Power em toda uma nação e que, até hoje, vem servindo de modelo para o resto do mundo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao ser condenado em 1962 por incitar uma greve, Nelson Mandela diria: "A lei me transformou em criminoso, não pelo que fiz, mas pela causa que defendia”. Dois anos depois, diante de um tribunal em Pretória, Mandela pronuncia uma de suas mais célebres frases, que resume e retrata com fidelidade sua própria vida:

Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra, Eu valorizo o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com as mesmas oportunidades. É um ideal pelo qual [continua Mandela] eu espero viver para ver realizado. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual eu estou pronto para morrer.

            Por esses e tantos outros marcos, Sr. Presidente, percebi a grandeza daquele homem que tive a honra de receber no Brasil, chegando de forma sobranceira e serena. Estavam juntos ali, em 1991, o primeiro Presidente eleito pelo voto da população, depois de três décadas sem eleições diretas, e o futuro presidente que sofreu, injusta e desumanamente, por quase três décadas no cárcere. Passou também pela minha memória a reflexão de todo o simbolismo daquele encontro, ainda sob os ares e os reflexos do fim da guerra fria de um mundo incoerentemente bipolarizado.

            Tudo o que vivi ao me encontrar com Nelson Mandela pode ser bem espelhado nas palavras do Presidente Barack Obama, ao falar em Joanesburgo durante a cerimônia do último dia 10 de dezembro. Disse ele:

Foi necessário um homem como Madiba [como ele é carinhosamente chamado pelos seus] para libertar não apenas o preso, mas o carcereiro, bem como para mostrar que vocês devem confiar nos outros, para que eles possam confiar em vocês; para ensinar que a reconciliação não é uma questão de ignorar um passado cruel, mas um meio de confrontá-la com a inclusão, generosidade e verdade. Ele [ele, Madiba] mudou as leis, mas também mudou os corações.

            Por esse aspecto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, constatamos como uma verdadeira revolução pode ser realizada sem armas, sem lutas e sem os períodos tão conflituosos vividos em outros países da África Austral. Tudo isso, graças a uma atitude de um homem e a um simples gesto humanitário: o de estender as mãos de um passado de renegado e aprisionado, em função de um presente de reflexão conjunta e de um futuro promissor. Um futuro em que, ao prevalecer a democracia, finalmente obteve-se o entendimento para lançar as bases de uma sociedade moldada nos preceitos da compreensão, da superação dos conflitos e da sublimação da carga do passado, e que poderia, caso falhasse, contaminar todo esse processo que o mundo deve a Nelson Mandela. Um processo que nos mostra ser possível transformar em regra, a exceção da prática política quando se trata de justiça e igualdade social. Mais do que um exemplo, Mandela pautou um estilo de fazer política, um modo de comportamento humanitário que até hoje repercute em todo o Planeta.

            Contudo, Sr. Presidente, Senador e Ministro José Pimentel, Srªs e Srs. Senadores, a morte de Nelson Mandela deve também suscitar em todos a reflexão sobre o colonialismo e a segregação racial.

            O Sr. José Agripino (Bloco Minoria/DEM - RN) - V. Exª me permite um aparte quando puder, Senador Collor?

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Com muita satisfação, ouço S. Exª o Senador José Agripino.

            O Sr. José Agripino (Bloco Minoria/DEM - RN) - Senador Fernando Collor, V. Exª, com muita propriedade, faz um pronunciamento na volta de sua viagem - claro, acompanhado da Presidenta Dilma e de ex-Presidentes como V. Exª, o Senador José Sarney e o ex-Presidente Lula - às exéquias do ex-Presidente, na verdade mais do que ex-Presidente, de uma figura do século XX que entrou pelo século XXI como um expoente da humanidade. O meu irmão foi embaixador na África do Sul - aliás, foi o seu primeiro posto como embaixador -, e eu tive a oportunidade de ir lá. E porque ele foi embaixador, tive a oportunidade de conhecer, com um pouco mais de profundidade, a história da África do Sul, de ir à África do Sul e, indo, saber quem foi Mandela. É um país que, no contexto da África, se sobressai anos-luz à frente dos outros. Isso se deve à colonização? Talvez. Com os Boers, com a colonização europeia, que fincou bases muito sólidas no desenvolvimento dos trunfos da economia da África do Sul - minérios, agricultura -, uma série de coisas. E uma pequena minoria branca dominava a economia do país, convivendo, em um regime de opressão, com uma imensa maioria negra. É onde entra Nelson Mandela. Ele passou mais de 25 anos preso.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Vinte e sete.

            O Sr. José Agripino (Bloco Minoria/DEM - RN) - É incrível o exemplo de Nelson Mandela. Vendo a Comissão da Verdade, Senador Collor, e as manifestações em torno da Comissão da Verdade, em alguns momentos de exposição de vinditas, de ir em busca de fatos a resgatar, mediante confrontação, valorizamos ainda mais o papel de Mandela, que tinha razões de sobra para ser o que ele não foi. Ele foi o grande conciliador! Foram 25, 26, 27 anos na cadeia, na prisão, injusta prisão! E ele saiu. Depois, evidentemente, de a minoria branca que dominava a economia do país perceber que nele estava a saída para a reconciliação do país, ele se junta a De Klerk, o então mandatário da África do Sul, fazendo um governo de transição, obrigando a minoria branca que mandava a reconhecer, na maioria negra, a necessidade da reconciliação de um país que tinha e que tem futuro. Tanto é assim que entre os emergentes, os BRICS, está incluída agora a África do Sul, pela força da união entre brancos e negros, à frente a figura de Mandela. E uma coisa curiosa: a minoria branca, bem educada, educada em Cambridge, em Oxford, em escolas de primeira categoria na Europa, que trouxeram para a Administração Pública da África do Sul o que a África do Sul pôde ser, é produto da miscigenação de brancos e negros, com os talentos dos negros participando hoje fortemente do Governo. Então, obra de quem? De Nelson Mandela, que, como V. Exª colocou, abriu o coração e fez, em nome do interesse da pátria, a conciliação nacional. E, com a força de um espírito poderoso, ganhador do Prêmio Nobel, impôs à grande maioria negra o espírito pacifista, a necessidade do entendimento, para que o país crescesse, para que o país fosse em frente. Eu conheci a África do Sul, Pretória e Joanesburgo, onde não existia ainda transporte coletivo. As pessoas andavam a pé quilômetros e quilômetros, porque eram negros. Os brancos tinham carro; os negros não tinham transporte coletivo. Hoje têm. Produto de quê? Do entendimento de que África do Sul é um país de brancos, que têm dinheiro para comprar automóvel, mas que a maioria negra tem direito a ter transporte coletivo de qualidade. Produto de quê? Entre outras coisas, da ação de Nelson Mandela, a quem V. Exª reverencia, dando testemunho da sua presença como ex-Presidente da República e da sua presença nas exéquias de um homem a quem eu reverencio de verdade.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Muito obrigado a V. Exª, Senador José Agripino, pelas palavras que contribuem em muito com o pronunciamento que ora faço.

            Ouço S. Exª o Senador Eduardo Braga.

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco Maioria/PMDB - AM) - Senador Fernando Collor, V. Exª vem à tribuna exatamente tratar de um tema que a Nação brasileira e o mundo todo o fizeram. E o Brasil o fez através dos seus representantes maiores, os nossos Presidentes vivos, presentes numa cerimônia cheia de simbolismo em torno de um líder que - como bem disse V. Exª, e como bem disse o Senador Agripino - tinha todas as razões de ser um líder construído em cima do ódio, do rancor, da desigualdade e de todos os conflitos raciais que aconteceram num dos episódios e num dos capítulos mais tristes da humanidade, conhecido como apartheid. Ao reverso disso, Nelson Mandela nasce e ressurge como um grande líder pela conciliação, pela capacidade de compreender e de construir uma nação a partir de uma grande luta social e racial, com profundas sequelas e com um derramamento de sangue enorme, além das injustiças praticadas.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco Maioria/PMDB - AM) - Quero, portanto, ao apartear V. Exª, prestar também homenagem a esse grande ser humano, a um grande líder político e, acima de tudo, um bom exemplo para convalidarmos uma Nação que tem expectativas futuras, que faz parte dos BRICS, que está entre os países emergentes e que, sem nenhuma dúvida, haverá de escrever páginas muito melhores a partir da passagem de Nelson Mandela pela terra. Portanto, cumprimento V. Exª, cumprimento a Presidenta Dilma pela iniciativa, o Presidente Lula, o Presidente Fernando Henrique e o Presidente Sarney, pela justa homenagem que prestamos, através de V. Exªs, ao grande líder Nelson Mandela.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Agradeço a V. Exª, Senador Eduardo Braga, pela suas palavras, que estão adicionadas e agregadas às palavras que hoje tenho a honra de pronunciar.

            Continuando e concluindo já, Sr. Presidente, a segregação, então, na África do Sul, que se tornou uma República em 1961, era combatida principalmente pelo movimento African National Congress, o ANC - criado em 1912 e hoje o partido que está no poder -, partido esse de que Nelson Mandela foi a mais importante e emblemática liderança. Porém, o fim do apartheid somente veio a ocorrer em 1994 - coincidindo com o final do mundo bipolar. Pressionado por manifestações e revoltas da população negra e as sanções impostas pela comunidade internacional, o governo aboliu a legislação segregacionista. Em 1994, nas primeiras eleições com participação da população negra, Nelson Mandela elegeu-se presidente, buscando a união nacional e a conciliação pela forma pacífica.

            Nesse cenário, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é interessante aqui observar o contraste entre a tendência de desenvolvimento social que ocorreu na África do Sul e no Brasil. Enquanto nosso País se inclinou pela integração, a África do Sul caminhou para a segregação, apenas recentemente corrigida. Assim, o Brasil - devemos ressaltar - é um exemplo de absorção de diferentes etnias e de imigrantes em uma nacionalidade única. Mas sublinhou a Presidenta Dilma Rousseff em seu discurso proferido em Joanesburgo, como representante que foi da América Latina nas exéquias do Presidente Mandela:

Da mesma forma que os sul-africanos choram com seus cantos Madiba Nelson Mandela, nós, nação brasileira, que trazemos, com orgulho, o sangue africano em nossas veias, choramos e celebramos o exemplo deste grande líder que faz parte do panteão da humanidade.

            Ainda no campo histórico, bem asseverou Elizabete Harman, da Chatham House de Londres, que "a morte de Mandela vai relembrar ao mundo e, sobretudo, aos sul-africanos os objetivos da união nacional, de coexistência pacífica e valores de liberdade." Contudo, ela mesma adverte que "o contexto da África do Sul de hoje não fará heróis como na época de Mandela.”.

            Heróis, Sr. Presidente, Ministro José Pimentel. Heróis! Um termo e um valor associados a outros ícones do mundo, como fez o presidente Barack Obama que, anteontem mesmo, na cerimônia em Soweto, descreveu Mandela desta forma:

O último grande libertador do século XX. Como Gandhi, ele viria a liderar um movimento de resistência - um movimento que, no seu início, tinha pouca chance de sucesso. Como Martin Luther King, ele daria uma voz potente às demandas dos oprimidos e à necessidade moral de justiça racial.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fato é que são cada vez mais raros homens que se tornam líderes, e líderes que se tornam heróis. Mais raro ainda são os heróis que se transformam em mitos. O homem Mandela se foi, mas seu mito se robustece. Em sua homenagem, devemos sempre lembrar o maior ensinamento que nos deixa, quando ele dizia: "A queda da opressão foi sancionada pela humanidade, e esta queda é a maior aspiração de cada homem livre".

            E, na sua grande humildade, o líder que tanto o mundo admirou escolheu, certa feita, os dizeres que gostaria de ter como epitáfio: "Aqui jaz um homem que cumpriu seu dever na terra.”.

(Soa a campainha.)

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força /PTB - AL) - Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado a V. Exª e aos Srs. e às Srªs Senadoras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/2013 - Página 94066