Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 16/10/2013
Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Referência à carta enviada por S. Exª ao Secretário Estadual da Segurança Pública de São Paulo, que dispõe sobre o enquadramento legal dos atos praticados por manifestantes, e apelo para que as manifestações populares sejam pacíficas.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SEGURANÇA NACIONAL.:
- Referência à carta enviada por S. Exª ao Secretário Estadual da Segurança Pública de São Paulo, que dispõe sobre o enquadramento legal dos atos praticados por manifestantes, e apelo para que as manifestações populares sejam pacíficas.
- Aparteantes
- Aloysio Nunes Ferreira.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/10/2013 - Página 72441
- Assunto
- Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SEGURANÇA NACIONAL.
- Indexação
-
- LEITURA, ARTIGO, PROFESSOR, DIREITO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), CARTA, AUTOR, ORADOR, DESTINATARIO, SECRETARIO, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, CRITICA, AUTUAÇÃO, PARTICIPANTE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, PEDIDO, PACIFICAÇÃO, AUSENCIA, VIOLENCIA, MANIFESTAÇÃO.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, Senador Renan Calheiros, eu gostaria, hoje, de assinalar aqui a carta que enviei ao Secretário Estadual da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, nos seguintes termos:
Senhor Secretário,
Cumprimentando cordialmente V. Exª, encaminho cópia anexa de artigo da lavra do Prof. Dalmo de Abreu Dallari, publicado n’O Estado de São Paulo de 12 de outubro passado. A matéria versa sobre o enquadramento de dois jovens - Humberto Caporalli e Luana Bernardo Lopes - em crimes tipificados pela Lei de Segurança Nacional, o que caracterizamos como um grande equívoco.
Como sabemos, a lista de crimes tipificados pela lei não pode receber interpretação ampliativa, sendo que, em tal relação, não se encontram os atos de vandalismo, supostamente praticados pela dupla de manifestantes. Não podemos conceber que a ação de dois jovens possa lesar ou expor a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a federação e o Estado de Direito; ou a pessoa dos chefes dos Poderes da União. Nosso País possui legislação vigente - Código Penal e Código de Processo Penal - muito mais apropriada para tratar de questões relacionadas com as ações violentas de manifestantes.
Gostaria, também, de lembrar a V. Exª que estou no aguardo de poder receber o relatório feito pela Corregedoria Militar, relativo à apuração dos episódios ocorridos no processo de reintegração de posse da área do Pinheirinho, em São José dos Campos, conforme havia sido acordado com V. Exª.
Certo de sua atenção para o caso do enquadramento dos manifestantes, pelas consequências negativas que podem dele advir, despeço-me.
Cordialmente,
Senador Eduardo Matarazzo Suplicy
O artigo do Prof. Dalmo de Abreu Dallari diz o seguinte:
No quadro das ocorrências violentas que se registraram em São Paulo e no Rio de Janeiro recentemente, um aspecto particular, relativo à busca de punição dos participantes e responsáveis pelos atos de vandalismo, provocou a reação, entre perplexa e indignada, de pessoas que consideraram absurdo o enquadramento de dois dos acusados na Lei de Segurança Nacional, a Lei 7.170, sancionada em 1983, na fase final da ditadura militar. Foram publicadas várias manifestações contra esse enquadramento, enfatizando o fato de se aplicar agora uma lei sancionada pela ditadura.
Existem aí dois equívocos que devem ser esclarecidos. Em primeiro lugar, é absolutamente equivocado entender que todas as leis sancionadas durante a vigência do período ditatorial deixaram de vigorar no Brasil com a promulgação da Constituição democrática de 1988.
Do ponto de vista jurídico, o ponto essencial é verificar se aquelas leis são compatíveis com as normas constantes da Constituição de 1988. As leis ou artigos de lei que foram contrários a dispositivos da Constituição perderam automaticamente a vigência e eficácia e não poderão mais ser aplicados.
Segundo expressão corrente entre os juristas, para aplicação de normas legais anteriores, é preciso verificar se elas foram recepcionadas pela nova Constituição, ou seja, se são compatíveis com os preceitos da nova Constituição. As leis anteriores que não afrontarem as novas disposições constitucionais continuam em vigor e devem ser aplicadas com a mesma força das leis sancionadas posteriormente.
Para que se perceba o alcance dessa orientação, basta lembrar algumas leis de grande impacto social, sancionadas durante o período ditatorial e que continuam em vigência, devendo ser aplicadas normalmente como integrantes do sistema legal brasileiro. Assim, a Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados a bens de interesse público, tem sido aplicada e deve continuar sendo, sem questionamento de sua validade jurídica. Nessa mesma linha, pode ser lembrada a Lei n° 7.244, de 7 de novembro de 1984, que dispôs sobre a criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, inovação de grande importância prática. Essas leis, como tantas outras, são absolutamente compatíveis com a nova Constituição e por isso mantiveram sua vigência e eficácia, não havendo nenhuma restrição pelo fato de terem sido sancionadas durante o período ditatorial.
Outro ponto que merece especial consideração é o equívoco do enquadramento dos atos de vandalismo em disposições da Lei de Segurança Nacional da ditadura, a Lei n° 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Esse enquadramento foi equivocado, porque os atos praticados pelos acusados não apresentam os requisitos expressamente fixados naquela lei para configuração dos crimes. Com efeito, a Lei n° 7.170 define como crimes os atos que se enquadrem numa das seguintes hipóteses: “Lesar ou expor a perigo: I. a integridade territorial e a soberania nacional; II. o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III. a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.
Os atos de vandalismo praticados pelos acusados e pelos grupos a que eles estão ligados são danosos para a ordem pública, a convivência civilizada e a integridade do patrimônio público e privado, e devem ser punidos os que deles participam direta ou indiretamente. Mas, apesar da violência, são atos de mero vandalismo e suas consequências são de alcance muito limitado. Não existe a mínima possibilidade de que essa violência primária crie o risco de perda de parte do território brasileiro ou da soberania nacional, ou de comprometimento do regime representativo e democrático, assim como da Federação e do Estado de Direito. Tais violências não têm também a mínima repercussão sobre a segurança e a integridade pessoal dos chefes dos Poderes da União. Assim, pois, o enquadramento dos acusados nessa lei foi evidentemente equivocado.
A punição dos vândalos ostensivos, dos que participam diretamente da prática das violências, é uma exigência da ordem jurídica, assim como a punição dos que, a distância, ocultamente, proporcionam os meios para que eles pratiquem esses crimes. Mas para sua punição poderá ser usada a Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre o processamento criminal dos delinquentes.
A par disso, o próprio Código Penal contém dispositivos aplicáveis a essas ocorrências, como, por exemplo, os artigos 163 a 167, que definem como crime “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”, assim como o artigo 228, que trata expressamente da formação de quadrilha ou bando como atividades criminosas. Houve equívoco no enquadramento dos atos criminosos, como também na recusa da validade jurídica de uma lei porque herdada do período ditatorial. Mas isso não tem nenhuma influência sobre a possibilidade jurídica de punição dos criminosos, em benefício da convivência pacífica e civilizada do povo brasileiro.
Assim conclui o Prof. Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor emérito da Faculdade de Direito de São Paulo.
Considero esse artigo muito ilustrativo, para que todos os manifestantes tenham consciência do que diz a lei sobre as limitações daquilo que deve ser o procedimento civilizado e adequado por parte de todos que se manifestam.
Ainda hoje, na Comissão de Constituição e Justiça, o Senador Aloysio Nunes Ferreira, com quem nós temos aprendido - eu aprendo diariamente no diálogo com V. Exª -, mencionou, em certo momento, que não adiantaria eu propor que esses jovens lessem Leon Tolstói e a história de Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr. Mas eu quero insistir, com todo carinho e com amizade...
O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Permite-me, Senador?
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ... Senador Aloysio Nunes, eu acabo de ler aqui as ponderações do Prof. Dalmo de Abreu Dallari, que informa exatamente quais são os artigos da lei - não as leis da ditadura militar, mas as que estão em vigência hoje - que definem efetivamente como contravenção à lei os atos de vandalismo, de violência, pelos quais as pessoas têm que assumir as suas responsabilidades, podendo ser detidas e tudo.
Eu quero aqui insistir...
O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Permita-me só um breve aparte?
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Com toda a honra.
O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Eu ouvi o discurso de V. Exª, que tem a opinião de que esses atos de vandalismo deveriam ser enquadrados em outra lei, a lei que define a organização criminosa. Eu nada tenho contra a leitura da biografia de Mahatma Gandhi, tampouco de Leon Tolstói, de quem sou leitor apaixonado. Apenas acho que eles deveriam ter um tempo para se dedicar a essa leitura com mais tranquilidade, na cadeia. Deveriam ser presos, efetivamente, cumprir pena, com base nessa lei que V. Exª sugere, e, com toda tranquilidade, na cadeia, se abeberar dos ensinamentos de Mahatma Gandhi, de Leon Tolstói, de Martin Luther King e de outros. Apenas isso. Agradeço a V. Exª pela oportunidade de fazer o aparte.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Agradeço o seu aparte, Senador Aloysio Nunes.
Efetivamente, quero transmitir aos membros dos black blocs, dos anônimos e a todos os jovens que têm participado dessas manifestações que a grande maioria, os professores no Rio de Janeiro, os professores em São Paulo se solidarizaram com eles, assim como os bancários, os estudantes, aqueles que reivindicam melhorias de condições, inclusive do ponto de vista do meio ambiente, porque a USP Leste está num lugar que se verificou estar contaminado. Então, é necessário um novo local e assim por diante. Eles gostariam até que o processo de eleições na Universidade de São Paulo seja um processo de eleição direta, que essas pessoas fizessem as suas manifestações e reivindicações, como a maioria está fazendo, por meios pacíficos da não violência.
Se examinarem a história de Tolstói, as suas recomendações, e a de Mahatma Gandhi, de Martin Luther King Junior, vão observar a forma mais eficaz com que essas pessoas conseguiram comover a humanidade, os povos de seus países para conquistar as metas que tanto queriam, como a independência da Índia, a lei dos direitos civis, a lei dos direitos iguais de votação. Essas metas foram conquistadas, finalmente, e, sobretudo, por causa dessa ação de não violência. Então, eu quero aqui reiterar e também explicar a minha disposição de estar em diálogo com esses jovens para transmitir a eles que esse é o procedimento mais adequado e natural.
Tantas vezes quantas eles quiserem me procurar, como alguns têm feito - eu, inclusive, fui ao encontro deles -, quero debater com eles sobre as formas de transformação do Brasil e aplicação dos instrumentos que possam ajudar o Brasil a se tornar uma nação efetivamente civilizada e justa.
Assim, Sr. Presidente, esse é o meu apelo a todos esses jovens que, muito justamente, querem participar, querem ser ouvidos. Mas, busquem as formas de não violência. Essa é a minha recomendação.
Muito obrigado, Sr. Presidente.