Discurso durante a 222ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao Plano Nacional de Educação e defesa de transformações mais vultosas na educação brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. HOMENAGEM.:
  • Críticas ao Plano Nacional de Educação e defesa de transformações mais vultosas na educação brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2013 - Página 90563
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. HOMENAGEM.
Indexação
  • CRITICA, PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, AUSENCIA, PROPOSTA, MELHORIA, EDUCAÇÃO BASICA, PAIS, DEFESA, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARCELO DEDA, GOVERNADOR, ESTADO DE SERGIPE (SE).

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, nesta semana, entre outras notícias que nós vimos tristes e ruins para o Brasil, obviamente, a maior de todas foi o falecimento do Governador de Sergipe, Marcelo Déda.

            Quem o conheceu sabe que era um homem que tinha princípios e que tinha combatividade. Duas coisas que faltam muito hoje naqueles que antes tinham combatividade e que antes tinham princípios. Ele carregou seus princípios e sua combatividade até o fim. Inclusive, a combatividade de lutar por sua própria sobrevivência de uma maneira heroica.

            Quero deixar aqui registrada a minha simpatia com a família, a minha simpatia com o povo de Sergipe e o meu respeito, meu carinho, minha saudade que vamos ter do Marcelo Déda.

            Mas, além dessa tragédia, de um nível pessoal, alguns indicadores brasileiros são de nos envergonhar. Nesta semana, nós soubemos que o Produto Interno Bruto está envergonhando a economia brasileira, nós soubemos que a posição do Brasil piorou internacionalmente na escala de corrupção e nós soubemos que a avaliação que se faz da posição do Brasil no cenário internacional da educação também piorou. Eu vou repetir: piorou! Não é verdade a comemoração que está sendo feita por aí por personalidades do Governo.

            Nós pioramos apesar de avançarmos um pouco, porque nós pioramos em relação aos outros. E isso é o que importa no cenário mundial hoje. Nós estamos ficando para trás apesar dos pequenos avanços. Duas coisas acontecem. As exigências de educação são cada dia maiores. E aí a gente avança um pouquinho, mas a exigência ficou maior e nós ficamos para trás. A segunda é que outros países estão fazendo seus esforços e nós insistimos em esforços medíocres.

            O triste é que, na mesma semana em que o Governo e o Ministro da Educação disseram que tivemos uma grande vitória (é falso, não é verdade, não houve essa grande vitória!), nós congressistas estamos nos debatendo para aprovar um Plano Nacional de Educação que é medíocre, que não tem a ambição de que o Brasil precisa. Não há a menor hipótese de se discutir um Plano Nacional de Energia com a mediocridade com que estão fazendo a educação ou um Plano Nacional de Infraestrutura, de melhorar logística, da maneira como estamos fazendo com a educação. Nenhum setor nós trataríamos com o mesmo desprezo com que estamos tratando a educação, seja quando se comemora ficar para trás, seja quando se debate, de maneira incansável, um Plano medíocre.

            Os resultados mostram que, em matemática, estamos em 58º lugar entre 65 países. Nós estamos atrás do México, do Uruguai, do Cazaquistão e de muitos outros países, cujo potencial econômico é muito menor do que o do Brasil. Até dizem que a gente melhorou... Melhorou 16 pontos, de 2006 a 2009, o que não é nada! Mas pior: de 2009 a 2012, em vez de 16 pontos, só crescemos cinco pontos. Isso quer dizer que, no próximo período, é possível que não se cresça nada! E aí, além de ficarmos para trás, porque os outros melhoraram mais, nós vamos ficar para trás em relação a nós próprios. E não despertamos! Não despertamos para o fato de que em matemática, por exemplo, nós temos uma cidade da China com 613 pontos, e nós com 391. Eu vou até repetir esse número: a nota que tiram nas escolas dessa cidade na China são de 613, as notas que tiram as nossas escolas são de 391. Quase a metade! E a média do mundo é de 494 para os países que foram estudados. Nós estamos quase 100 pontos abaixo da média, quase 300 pontos abaixo dessa cidade da China. E tem gente comemorando isso? Tem gente que não está despertando para a tragédia que isso significa no futuro do Brasil por falta de uma educação de qualidade e na tragédia de milhões de crianças brasileiras que ficarão para trás, sacrificadas, porque não fizemos o dever de casa por uma modéstia ridícula, por uma falta de ousadia, por uma falta de compromisso com a educação.

            Quando a gente analisa a nota de leitura, essa mesma cidade da China, Xangai, tem 570, a nossa é 410, e a média, 496. A média de países muito pobres é 496, e nós comemoramos?

            Eu creio que a vergonha primeira é da nota. Mas talvez a vergonha maior seja da declaração de que foi uma grande vitória. Até porque a nota não é culpa do Ministro de hoje, não é culpa do Governo atual, nem do governo anterior, nem do governo anterior a ele. A culpa é de uma história de abandono da educação. Então, não dá para jogar a culpa no Ministro pela nota. Mas dá para jogar a culpa no Ministro por dizer que isso é uma grande vitória e, com isso, acomodando a população brasileira numa situação trágica, vergonhosa, que nós atravessamos. A declaração é dele, a nota, não. A nota não é dele. A nota é de todos os governos que tivemos neste País abandonando a educação.

            No que se refere à ciência, a nota desta cidade da China, Xangai, é 580, a nossa é 400, a média, 501. Nós estamos abaixo da média em ciência, em leitura, em matemática. Mas não estamos um pouquinho abaixo, não. Nós estamos muito abaixo da média. Nós estamos descolados da média dos países que no mundo estão avançando. E tem gente comemorando. Tem gente dizendo que nós melhoramos.

            Nós melhoramos ficando para trás, porque melhoramos um milímetro em uma educação que caminha quilômetros. Nós avançamos milímetros num caminho que cresce cada vez mais, a ideia da exigência da educação. É como se a gente estivesse caminhando num caminho que fosse se alongando. Então, embora a gente avance, fica para trás, porque o caminho cresceu mais do que o que a gente avançou. E os países ao redor avançando mais do que nós. Ficando para trás duplamente. Ficando para trás porque nossa velocidade de avanço é menor do que o avanço do tamanho do caminho que temos que seguir e ficando para trás em relação aos outros países.

            E tem gente comemorando. Tem gente achando que foi uma grande vitória. Isso acomoda. E é esse acomodamento que está levando esta Casa aqui a se acomodar na discussão sobre o Plano Nacional de Educação.

            Eu não vou me satisfazer em votar nem o plano que veio da Câmara, nem o plano que foi feito num relatório aqui dentro do Senado, na Comissão de Economia, nem no relatório, que teve avanços, do Senador Alvaro Dias, porque eu não me contento com esse avanço ridículo, limitado e pequeno que estão querendo fazer para a educação.

            Eu vou apresentar uma emenda substitutiva. Sei que terá, talvez, só o meu voto, mas eu não quero que o meu nome fique registrado como votando numa proposta insuficiente, que não vai trazer o necessário avanço que o Brasil precisa fazer. E é tão claro esse avanço, é tão claro como fazer. Eu diria mais, é tão simples como fazer, embora não milagrosamente, de um dia para o outro, que me assusta que não se coloque isso no verdadeiro plano de revolução, de salto na educação brasileira.

            As próprias avaliações mostram o que deveríamos fazer. Essas médias brasileiras, ridículas, pequenas em relação ao mundo, seriam muito maiores se só entrassem no cômputo das notas as escolas públicas federais do Brasil. Se nós tivéssemos só as escolas públicas federais, segundo as contas que eu tenho feito com minha assessoria, nós estaríamos em 15º lugar, e não em 58º. Mas esqueçamos as minhas contas.

            A Folha de S. Paulo apresentou uma análise em que, levando em conta só as escolas federais, nós estaríamos iguais à Itália. O que não é uma situação trágica, embora não me satisfaça - nem satisfaz os italianos. Só no Brasil se está comemorando como vitória essa posição. Os outros países estão todos preocupados, se mobilizando. Os presidentes reunindo-se aos ministros para saber como é que avançam.

            Pois bem, se nós já temos aqui, na Casa da gente, a solução, provada, comprovada, de que as escolas federais nos colocam numa posição mais adiante, por que não colocamos todas as escolas do Brasil federais? Por que não fazemos isso? Nós já sabemos o que fazer.

            Eu vou apresentar uma emenda substitutiva propondo o caminho de o Plano Nacional de Educação ser a federalização da educação de base. Se nós transformássemos nossas escolas, pobres escolas municipais e estaduais, de pobres prefeitos, e prefeitos desiguais na renda de seus Municípios, em escolas federais, nós estaríamos, pelas minhas contas, em 15º lugar. Pelas da Folha de S. Paulo, em 32º lugar, igual à Itália.

            Isso é possível. Isso é possível e conveniente que se faça por cidade. Quando pegamos a China, por exemplo, é Xangai que está em primeiro lugar, não é a China inteira. Por que não fazemos isso com o conjunto de cidades brasileiras, para que essas cidades, enquanto as outras vão melhorando devagarinho, se transformem em referência mundial? E, depois que tivermos 200, 500, mil cidades comparadas às melhores escolas do mundo, todas as outras virão atrás.

            Por que é que a gente não faz isso? Por que é que a gente faz um Plano Nacional de Educação baseado no mesmo velho, carcomido, obsoleto, viciado sistema, em vez de pegar o Plano Nacional de Educação e usar para criar um novo sistema educacional? Que vai crescendo, enquanto o atual vai diminuindo; o atual sendo substituído pelo novo. Por que é que a gente não faz isso?

            E aí tem gente que diz que falta dinheiro. Faltaria dinheiro se a gente fizesse por milagre amanhã. Mas é impossível o milagre não por falta de dinheiro, mas por falta de professor com a máxima qualidade que a gente precisa; é impossível porque alguns dos nossos jovens já tiveram uma escola tão ruim nas primeiras séries que terão dificuldades em terem boas escolas nas séries seguintes. Isso é um processo que temos que implantar por cidades ao longo, digamos, de 20 anos. E o bonito disso é que não se tem que esperar 20 anos para ver o resultado; o resultado surge em dois anos em que se faz a transformação de uma cidade de escolas municipais em escolas federais; em dois anos, a gente mostraria o salto. Nas outras cidades, mais dois anos, em 20 anos a gente faria isso. E o total do custo disso, R$450 bilhões, que hoje equivalem a 10% do Produto Interno Bruto, portanto, dentro do que o Plano Nacional de Educação está querendo; e brigando só por isso, mais dinheiro, estaria dentro.

            Mas, se você considera que leva 20 anos e que nesses 20 anos o Produto Interno Bruto vai crescer, mesmo que a uma taxa pequena de 2%, que é muito menor do que a média brasileira, no final, Senador Paim, isso custaria 6,4% do PIB. Pagando R$9,5 mil ao professor, o que levaria o custo de um aluno, por ano, a R$9,5 mil, porque é uma coincidência muito interessante: para turmas de 30 alunos, o valor do salário mensal do professor equivale ao custo anual do aluno; 6,4%, é menos do que esse PNE vai propor.

            Eu não vou ficar preso a um plano que só se preocupa em dizer quanto por cento do Produto Interno Bruto será usado. Não vou ficar preso primeiro porque não sei se serão 10%, e por que não são 12%, ou 8%, e, se for 8%, por que colocar 10%? Além disso, no sistema atual, colocar 10% do Produto Interno Bruto é desperdiçar dinheiro; não é capaz de absorver dando um salto. O salto exige um novo sistema educacional, que vá sendo implantado ao longo de alguns anos.

            Eu vou apresentar essa emenda, já estava pensando nisso, mas fiquei mais decidido ainda ao ver a vergonhosa modéstia do Ministro da Educação ao dizer que tivemos uma grande vitória, em vez de até dizer que melhoramos, mas ficamos para trás, e pedir que o Brasil inteiro se mobilize. Eu não vou dizer que ele defendesse a federalização, como ele já defendia antes, quando eu conversava com ele; eu não vou dizer que ele defenda isso, mas traga outra proposta, diga: “Presidenta Dilma, nós não podemos continuar com essas pequenas melhoras, que no fundo representam derrotas quando comparadas com outros”. Derrota, quando comparadas com o caminho a seguir. Convoque uma reunião com todos os Ministros, vamos colocar a educação como eixo central, vamos buscar dar um salto. Eu defendo que seja pela federalização. Que outros defendam que seja de outra maneira, como transferir dinheiro diretamente para os prefeitos, mas o que não podemos é ficar comemorando, Senador Paim, ficar para trás. É mais ou menos, como todos gostam das metáforas futebolísticas, como se, em um campeonato, em uma Copa, a gente ficasse em 50º lugar e fizesse 100 gols, e na outra, em vez de 50º, a gente ficasse em 60º lugar, mas fizesse 105 gols. Alguém comemora o número de gols a mais ficando atrás no campeonato? Pois é isso o que o Ministro está fazendo com a educação brasileira.

            Eu decidi mais firmemente ainda aproveitar esses dias que ainda faltam para a votação, que será dia 11, para apresentar a minha emenda substitutiva. Ela vai ficar aqui como um registro de que pelo menos um Senador não se conteve com esse avanço, com esse retrocesso em relação aos outros, não se conteve com essa ridícula vitória, comparada com nós próprios, significando uma derrota comparada aos outros. Se estivéssemos votando a Abolição da Escravatura, eu não me contentaria com pequenos avanços. Eu ia querer apresentar uma emenda substitutiva da própria abolição, Senador Paim, mesmo que outros apresentassem reduzir as chicotadas dos escravos. Mas eu iria apresentar a abolição.

            E eu vou fazer isto: vou apresentar uma emenda propondo uma revolução; vou apresentar um plano para que, em 20 anos - e 10 é o primeiro prazo do plano - nós tenhamos nossas escolas comparadas com as melhores do mundo. Vou apresentar e deixo registrado. Quem sabe eu não tenha alguns votos ao lado dessa proposta em vez da aprovação de um plano tão tímido quanto foi a declaração do Ministro Mercadante ontem.

            É isso, Sr. Presidente. Eu manifesto aqui minha indignação com a comemoração inusitada e a minha disposição de continuar lutando não por um PNE, que é a continuação do mesmo com o nome de plano, colocando mais dinheiro, que ninguém sabe como vai ser usado, mas, sim, pela intenção deste Senado em levar adiante a revolução educacional de que o Brasil precisa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2013 - Página 90563