Pela Liderança durante a 225ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Presidente da África do Sul, Nelson Mandela; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO, POLITICA DE EMPREGO.:
  • Homenagem ao ex-Presidente da África do Sul, Nelson Mandela; e outro assunto.
Aparteantes
Alvaro Dias, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2013 - Página 92869
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO, POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, NELSON MANDELA, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • COMENTARIO, EMENDA, SUBSTITUIÇÃO, PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, QUALIDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, POPULAÇÃO, MELHORIA, SALARIO, PROFESSOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Ruben Figueiró, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nesses últimos dias, Senador, o mundo assistiu - e, para surpresa nossa, assistiu como se fosse natural - à imensa solidariedade internacional em torno de uma figura humana.

            Nós tomamos como natural essa solidariedade geral, em todas as partes do globo, em relação a Nelson Mandela. Mas esse é um fenômeno muito raro. Eu creio que nunca aconteceu isso. Quando Gandhi sofreu o atentado e faleceu, não havia as comunicações que há hoje, além disso era uma coisa da Índia, uma parte do mundo a que a Inglaterra inteira era contra, porque queria manter o império. Quando Luther King foi assassinado, ainda assim, era uma questão de uma parte do mundo. João Paulo II era uma questão do Ocidente. A maior parte da população é budista, é hinduísta.

            O que houve com Mandela é um fato inusitado em relação a qualquer outro personagem histórico, e tenho certeza de que o Senador Paim está de acordo comigo. Por isso cabe a pergunta: o que fez Mandela chegar ao ponto de ser Mandela? Por quê? Qual é a diferença dele?

            Nós podemos ir atrás, por exemplo, do heroísmo: 27 anos isolado, e resistindo, resistindo. Nós podemos ir para o lado da integridade física, mental, política de sair do isolamento de 27 anos íntegro. Nós podemos ir ao lado do seu espírito de bondade, a ponto de se relacionar bem com seu carcereiro, de visitar a viúva do primeiro-ministro que o mandou para a prisão, sem mágoas. Nós podemos falar da sua lucidez, de como ele decidia, como falava; do seu apego ao legítimo. Mesmo quando a legalidade lhe deu direito a uma reeleição, ele preferiu ficar sintonizado com a legitimidade de um só mandato. Nós podemos falar da sua empatia - e eu tive a chance de estar com ele duas vezes -, da empatia do seu aperto de mão ou da sua voz na rádio ou da sua aparição na televisão, conquistando todos.

            Nós podemos falar de muitos aspectos que fizeram Mandela ser Mandela, mas nada disso, Senador Paim, nada disso teria dado a dimensão que ele adquiriu se ele não tivesse tido a possibilidade e a competência de abolir o apartheid na África do Sul.

            Se ele tivesse morrido na prisão, ficaria como herói, seria um homem grande, mas não teria a imensidão que adquiriu. A imensidão veio do sucesso da sua luta, ao fazer com que naquele país o acesso fosse igual para brancos e negros, no sentido de brancos e negros poderem andar na mesma calçada, o que não podiam antes; de irem ao mesmo banheiro público, o que era proibido; de tomarem o mesmo ônibus ou se sentar nos assentos que estivessem vagos, independentemente de serem reservados para brancos ou negros; da possibilidade de crianças brancas e negras estudarem juntas ou de doentes brancos irem ao mesmo hospital de negros e vice-versa.

            O tamanho do Mandela vem das suas características pessoais, mas também da coincidência histórica de ele ter conseguido ser o Presidente que aboliu o apartheid racial na África do Sul, fazendo dele essa figura imensa, unanimidade mundial.

            A tarefa dele foi cumprida, e ficou tarefa para os que vierem depois: a tarefa de abolir a apartação, porque o apartheid é a segregação entre raças, a apartação é a segregação entre classes sociais. Na África do Sul, ele conseguiu fazer com que brancos e negros tenham acesso ao mesmo, mas pobres e ricos ainda não têm acesso ao mesmo. E essa não era uma tarefa dele. É uma tarefa dos seus seguidores, dos seus continuadores fazer com que a escola que, antes separava brancos e negros, e que já não separa, graças a Mandela, agora não separe ricos e brancos.

            E a África do Sul está fazendo esse esforço. A África do Sul está caminhando para o dia em que o acesso será igual também entre classes sociais na área de educação. Para isso, diferentemente de nós, eles têm um ministério preocupado apenas com a educação das crianças. Eles não estão com um ministério que mistura crianças e universitários, em que os universitários sempre ganham. Eles têm um ministério próprio para a educação de base. E, segundo, Senador Paim, eles têm um sistema nacional de educação. Eles não deixaram o sistema ser municipalizado de tal maneira que seja desigual ao longo do território sul-africano.

            Nós ainda não fizemos isso. Nós não fizemos um ministério que cuida da educação de base. Nós ainda reagimos à ideia da federalização da educação. É como se estivéssemos à espera do nosso Mandela, porque o nosso apartheid racial, explícito terminou com a República, um ano depois da abolição da escravatura. Teoricamente, brancos e negros têm acesso aos mesmos lugares no Brasil, diferentemente da África do Sul pré-Mandela, só que, em 125 anos de República, que vamos completar no próximo ano, nós não demos os passos para que, no Brasil, haja o mesmo direito de acesso entre ricos e pobres na escola sobretudo.

            O próprio Mandela tem uma frase muito boa em que ele diz: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”

            Obviamente, “para mudar mundo” significa fazer com que nenhuma criança tenha carimbado se vai para uma escola boa ou não. A África do Sul tinha um carimbo, a cor, como o Brasil tem um carimbo, a conta bancária do pai.

            Cada criança que nasce no Brasil é carimbada se vai ter uma boa escola ou se não vai ter uma boa escola, ainda que algumas escapem disso. Mas vem um carimbo. E o carimbo não é exatamente pela raça; é pela classe social. E como a maioria dos pobres brasileiros é de negros, o carimbo termina ainda contendo um rasgo de raça, de classe social, de cor, e não apenas de conta bancária.

            Eu creio que temos falado muito nesses dias em homenagem a Mandela, mas a grande homenagem a Mandela seria dizer: nós estamos presentes no Brasil para acabar com a apartação, como o senhor acabou com o apartheid, fazendo com que nenhuma criança nasça carimbada se vai ter ou não vai ter uma boa escola. Algumas vão ter, outras, não, pelo talento, pela vocação, pela persistência, mas não será um carimbo; será uma vontade própria, um desejo próprio, uma característica específica, mas não um carimbo.

            Esta seria a grande homenagem a Mandela: fazer com que, 125 anos depois da proclamação da República, acabemos com o carimbo que nós colocamos na testa de cada criança ao nascer, dizendo se ela vai ter uma boa escola ou não.

            Eu quero dar a minha contribuição, Senador Ruben. Por isso dizia há pouco ao Senador Alvaro Dias que apresentei uma emenda substitutiva ao Plano Nacional de Educação.

            Senador Alvaro, na hora de votar, se a minha emenda não for considerada, o que é muito provável, vou votar no seu parecer, que nós aprovamos na Comissão de Economia, mas com a sensação de um Parlamentar abolicionista que, em 1871, votasse na Lei do Ventre Livre, mas tendo apresentado a sua proposta de abolição. A gente votaria pela Lei do Ventre Livre, votaria pela Lei do Sexagenário, mas o desejo mesmo seria a abolição.

            Para mim - e posso obviamente estar enganado do ponto de vista técnico -, essa abolição viria de um programa que fizesse todas as escolas do Brasil públicas com a mesma qualidade, com salários iguais para os professores, com um concurso que selecionasse igualmente os professores de cada cidade, com exigências iguais para os professores em qualquer cidade, com equipamentos da mesma qualidade. Não vejo outra maneira de se fazer isso a não ser colocando a educação de base nas mãos do Governo Federal, para quebrar a desigualdade brutal que nós temos entre as cidades. É tão grande a desigualdade entre a receita dos Municípios quanto é a desigualdade entre pessoas ricas e pobres no Brasil.

            Na sexta-feira, eu dei entrada, por coincidência no dia seguinte à morte de Mandela, a uma emenda substitutiva. Não sei dizer por que não dei entrada antes, por que não discuti isso antes. As coisas foram levando a isso, e eu preferi apresentar emendas parciais, pequenas emendas. Quando se discutiu o projeto na Comissão de Economia, elas não foram aceitas; quando discuti na Comissão de Educação, não fui oportuno. Eu agora vou dar entrada à minha proposta. Há pouco deixei um exemplar com o Senador Ricardo Ferraço, deixei outra proposta com o Senador Alvaro Dias e vou mandar uma para cada Senador. Que pelo menos fique registrado que eu votarei a favor da Lei do Ventre Livre que o Senador Alvaro Dias traz com o seu parecer, mas o meu desejo mesmo seria uma lei de abolição da apartação educacional no Brasil.

            É um gesto que eu já venho fazendo há tempo. Por coincidência, termina sendo um gesto de simpatia, de homenagem a essa figura que foi a maior de todas no horizonte de vida da gente. Acho que eu nasci um ano antes da morte de Gandhi. Posso dizer, então, que é a mesma geração. É claro que Martin Luther King foi assassinado, e nós estávamos já adultos. Essas são duas das maiores figuras, mas nenhuma foi igual a Mandela e nenhuma certamente será no horizonte de vida da gente.

            Sr. Presidente, antes de encerrar, gostaria de passar a palavra ao Senador Paim e, depois, ao Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Cristovam, eu não poderia deixar de fazer um aparte. Eu sei que hoje a Senadora Ana Amélia e outros Senadores usaram a tribuna e fizeram também a justa homenagem a Mandela. Como estava aqui na sexta, eu o fiz na sexta, mas não poderia deixar de fazer um aparte a V. Exª. Uma das frases, de fato, de Mandela é essa que V. Exª usa com muita propriedade: a revolução mesmo, a revolução do combate à miséria, na busca por justiça, como disse Mandela, passa pela educação. Mas há uma frase da atual esposa dele, da atual companheira, que o acompanhou até o último minuto, com um carinho enorme - e o mundo reconhece. Ela disse que um dia Mandela falou o seguinte para ela: “Aquilo que conta na vida não é o simples fato de termos vivido; é a diferença que fizemos na vida dos outros.” Acho que essa frase tem uma profundidade muito grande. Se V. Exª me permitir, tem outra dele que eu li também e que vou ler aqui aproveitando o seu aparte. Disse Mandela:

Quando penso no passado, no tipo de coisas que me fizeram, fico furioso, mas, mais uma vez, isso é apenas um sentimento. O cérebro sempre domina e diz-me “tens um tempo limitado aqui nesta terra e deves tentar usar esse período para transformar o teu país naquilo que ele mais deseja”.

Ou seja, vá abolindo o sentimento de vingança e saia de forma propositiva para transformar o teu país naquilo que é o teu sonho. Mandela era isso, Mandela era magnífico. Era um libertador, um homem que conseguiu reunir o mundo em torno de si e teve esta grandeza: chegou ao poder não pelo poder nem ficou brigando pelo poder. Ele sai do poder, não se preocupa em fazer sucessor, não é candidato e sai pelo mundo a pregar aquilo que ele acredita que é a igualdade, a liberdade, a justiça, a partir, claro, da história que ele mesmo escreveu na semeadura bonita do jardim da vida, que ele podou, cuidou, zelou, que foi a África do Sul. Meus parabéns a V. Exª. É um aparte simbólico, mas não poderia deixar de fazê-lo pelo carinho que eu tenho pelas suas posições. Muito obrigado, Senador Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Paim.

            Passo a palavra ao Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (Bloco Minoria/PSDB - PR) - Senador Cristovam Buarque, lembro-me de afirmação de Mandela no contexto desse debate sobre educação. Disse ele: “Recuso-me a falar de futuro sem que estejam presentes os que o viverão.” Creio que essa frase deve nos inspirar no momento de votarmos, quarta-feira, o Plano Nacional de Educação. Nós estaremos deliberando sobre o futuro do País. Estaremos deliberando, tendo como objetivo os jovens que viverão esse futuro. V. Exª ousa, quer avanços significativos e importantes. Nós procuramos compatibilizar o desejo de avançar mais com as possibilidades de aprovar alguns avanços. E veja que fizemos no nosso relatório 101 alterações em relação ao documento que recebemos. O Senador Vital do Rêgo me afirma que, no substitutivo que pretende apresentar em nome do Governo, acolhe 48 das alterações que propusemos. Mas há muito a se rejeitar, e certamente nós não estamos melhorando o sistema educacional ao recusarmos avanços importantes. Se não podemos chegar onde V. Exª advoga chegar, pelo menos um pouco antes, mais próximo de onde V. Exª deseja chegar. E é o que tentamos com o nosso relatório, que terá certamente o apoio de V. Exª. Mas nós lamentamos, é uma grande oportunidade que desperdiça o Senado. Certamente nós estaríamos embalando o sistema educacional do País a um momento mais adequado diante da grandeza deste País. Enfim, Senador Cristovam, vamos aguardar a quarta-feira, mas desde já o nosso desencanto em relação ao desperdício de oportunidade, uma vez que nós poderíamos decretar um salto de qualidade extraordinário no sistema educacional do Brasil. Vamos desperdiçar essa oportunidade? Aguardamos a quarta-feira.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Sr. Presidente, em relação ao que falou o Senador Alvaro, eu quero dizer, Senador Alvaro, que o seu trabalho foi exemplar. Se eu tivesse sido o relator, eu não conseguiria fazer mais. Por isso eu prefiro me guardar para ser o provocador, e não o relator. É uma opção. Então, não tenha dúvida, eu vou votar com o seu relatório, mas vou deixar minha marca, tentando fazer com que alguns aceitem e que se discuta se não seria o momento.

            E lamento se forem feitos recuos diante da proposta a que V. Exª chegou. É como se a sua proposta, como eu disse, seja a da Lei do Ventre Livre; e eu quero a da abolição. Mas a proposta que estão querendo apresentar é uma Lei do Ventre Livre que só começaria depois do segundo filho; o primeiro filho continuaria escravo. Nós não podemos deixar um recuo em relação a sua proposta.

            Finalmente, Senador, eu quero chamar a atenção aqui para algo que eu disse: O Mandela se fez imenso por ter conseguido abolir o apartheid; não foi a prisão apenas.

            A nossa Presidenta Dilma foi presa. Ela esteve anos presa. Não foram 27 anos, mas ficou anos. E olhe que o que ela sofreu na prisão - não conheço detalhes da prisão do Mandela - pode ter sido pior do ponto de vista da tortura, mas ela não conseguiu, não quis, não levou adiante o fim da apartação no Brasil. Ela não fez, nesses três anos, o dever de casa para que o acesso à educação fosse igual para crianças ricas e crianças pobres. Não daria tempo, em quatro anos, de fazer em todo o Brasil, mas daria tempo de ter feito pelo menos em umas 400 cidades brasileiras, pelo menos da maneira como eu proponho que esse programa vá sendo implantado. Mandela ficou na história por tudo que ele foi, mas, sobretudo, pela vitória, pelo gesto, pela capacidade, pela firmeza, pela vontade de acabar - como acabou - com o apartheid.

            Vamos nós acabar com a apartação, que é menos brutal do ponto de vista racial - embora tenha um conteúdo também racial -, mas é igualmente brutal do ponto de vista da exclusão.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2013 - Página 92869