Discurso durante a 231ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Balanço sobre o ano de 2013; e outro assunto.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Balanço sobre o ano de 2013; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2013 - Página 97976
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • CRITICA, RELAÇÃO, ATUAÇÃO, SENADO, ANO, VIGENCIA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Rollemberg, ontem, o Presidente Renan Calheiros fez um balanço de sua gestão na Casa durante este ano que está para terminar.

            Quero me unir às Srªs e aos Srs. Senadores que o cumprimentaram pelas medidas administrativas adotadas. Algumas duras, é verdade, mas todas necessárias.

            Desse ponto de vista, não há dúvida de que o Senado agiu bem. Como não tenho dúvida também do empenho no trabalho dos Srs. Senadores e das Srªs. Senadoras no ano que finda.

            Não há como negar a seriedade com que esta Casa lança-se às atividades. Há um desdobramento, uma multiplicação diária do empenho dos colegas para atender a tantas exigências do mandato. Posso discordar das prioridades eleitas pela Casa e por meus pares, mas não posso deixar de reconhecer a devoção, o desvelo das Srªs Senadoras e dos Srs. Senadores. Posso discordar, mas não há como negar que esta é uma Casa de respeito e de trabalho.

            Isto posto, peço vênia para olhar o ano que passou com os olhos das ruas, com os olhos do povo nas ruas.

            Antes, quero eu mesmo fazer um aparte ao meu pronunciamento.

            Ontem, neste plenário, quando se devolvia o mandato de Presidente da República a seu pai, João Belchior Goulart, João Vicente disse que Jango fora derrubado não por causa daquele arrazoado tão repetido pelos golpistas e por nossa inefável mídia. Jango foi derrubado por causa de sua proposta de reformas de base.

Jango foi derrubado porque queria fazer a reforma econômica, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma educacional, a reforma política. Jango queria uma profunda e radical reforma do Estado brasileiro. Por isso, Senador Raupp, ele foi derrubado. No entanto, meus caríssimos pares, sinto que hoje, 49 anos depois das reformas de base de João Goulart, se elas fossem propostas a esta Casa, seriam novamente rejeitadas.

            Srªs e Srs. Senadores, ouvi, nestas últimas sessões do ano, um desfile de balanços otimistas de 2013. Segundo se diz, a tal pauta positiva, que teria sido estabelecida depois das manifestações de junho, teria atendido às ruas. O verbo no condicional é o mínimo de precaução que o Senado precisa ter ao olhar retrospectivamente as atividades do ano que termina: teria atendido às ruas. A tendência a uma mirada complacente ao nosso trabalho não faz bem à Casa e muito menos ao Brasil.

            Não acredito que seja razoável que se listem, na suposta pauta das ruas, a aprovação da meia-entrada, o Estatuto da Juventude, a hereditariedade da concessão do serviço de táxi, a minirreforma eleitoral, que, além de consagrar as doações de empresas privadas e de concessionários de serviços públicos, torna-as secretas.

            Ah, sim! A isenção de impostos para CDs e DVDs, as alterações na distribuição de direitos autorais dos músicos, o enquadramento de advogados no Simples, a redução do número de suplentes dos Senadores, o controle do peso das mochilas dos nossos estudantes.

            Tudo isso e muito mais foi ensacado na dita “pauta da sociedade”. Será que a sociedade ficou sabendo dessas medidas? Sabendo, sentiu-se contemplada?

            Nunca é demais lembrar que a emenda constitucional do Senador Jarbas Vasconcelos sobre a perda automática de mandato, em caso de condenação do Parlamentar, só adentrou o gramado, depois de ter sido praticamente engavetada, porque, de repente, ela pareceu interessante para figurar na pauta da sociedade. Da mesma forma o meu projeto de direito de resposta.

            Eu não sei se as ruas reivindicaram reforma política. Se o fez, respondemos com um pastiche. Eu não sei se as ruas exigiram que o Senado abrisse o voto. Se o fez, retorquimos, preservando a metade do segredo. Eu não sei se as ruas desafiaram o Senado a manter, em relação ao Executivo, uma posição de independência, de altanaria. Se o fez, demos provas da nossa compulsão a submetermo-nos às vontades do inquilino do outro lado da rua.

            Enfim, não vejo razões para festejos, encômios e parabéns na análise política que estou fazendo do ano que passou.

            A presunção da sintonia com os brasileiros, sua revolta e seus sonhos não seria, Senadora Ana Amélia, uma mera jactância na nossa Casa?

            Este é meu segundo mandato como Senador. Somando os três anos deste aos oito anos do anterior, são onze anos no Senado, tempo suficiente para conhecer os limites desta Casa, de resto os limites de um Legislativo atrofiado pelo expansionismo do Executivo, diminuído pelas injunções do Judiciário e enfraquecido, sem a menor sombra de dúvida, pela nossa própria inércia.

            Diariamente, neste plenário, nas Comissões e nos meios de comunicação da Casa, vemos, ouvimos e lemos as fervorosas críticas ao desempenho do Governo nas áreas da educação, saúde, segurança, infraestrutura e a eficiência e transparência da máquina pública. Diariamente.

            No entanto, avançamos muito pouco na mudança dessa realidade tão martelada e tão espancada na tribuna do Senado. Por quê? Porque tangenciamos o tal busílis da questão, o fulcro, o nervo do problema. Rodeamos, cirandamos em torno do que realmente interessa, em torno do que é substancial, e seguimos em frente ocupados em remendar injustiças, em garantir direitos individuais, em mitigar atrocidades provocadas pela reformas neoliberais, satisfeitos, com a consciência aplacada, por transformar, Senador Rollemberg, miseráveis em pobres.

            Cada vez mais oposição e base do governo se parecem e se completam. E conspiram contra toda mudança que possa sacudir o País.

            Nas últimas semanas, a oposição tem insistido nos desmandos da política econômica do governo do PT. A inflação, o superávit primário, os gastos públicos, o PIB, o câmbio, o tamanho do Estado têm sido os temas recorrentes desses discursos. A oposição não discorda, porém, dos tais fundamentos da política econômica, mesmo porque foi ela, no reinado de FHC, que os introduziu em nosso País, sob os auspícios do Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional e da banca.

            O que a oposição (e a mídia que a lidera e vocaliza) quer é mais “responsabilidade” do PT no manejo desses ingredientes formadores da doutrina neoliberal. A divergência é de métodos, não de conteúdo.

            Na verdade, este gracioso ano de 2013, de que agora se faz o balanço, marca a adoção pelo PT de alguns cânones de apreço da oposição, como, por exemplo, as privatizações. Abro parêntese: as concessões da Presidente Dilma mais se parecem com casamentos por decurso de prazo do que casamentos civis, mas o resultado é exatamente o mesmo.

            A privatização do petróleo do campo de Libra, talvez a maior reserva hoje conhecida no mundo, a privatização dos portos e dos aeroportos, parâmetros "mais generosos" para a privatização de estradas e ferrovias são exemplos desse aggiornamento do Partido dos Trabalhadores, em consequência do aggionarmento de nosso Governo.

            Enfim, no balanço das atividades do ano que termina registre-se também a solidão cada vez maior da esquerda nesta Casa. Não tenho a pretensão do monopólio das posições de esquerda. Apenas não abro mão do que construí ao longo de minha vida.

            Não há flexão, não há inflexão, não se rebola diante de princípios. A queda do muro de Berlim, o fracasso da experiência do chamado "socialismo real", o suposto "fim da história" não licenciam, não liberam a esquerda para a adesão às teses do neoliberalismo, entre elas a ruína do Estado, o esmagamento da ideia de Nação.

            A debilitação do Estado, a amputação da sua capacidade de induzir, sustentar, liderar o processo de desenvolvimento, notadamente em um país tão carecido, tão pobre e tão abissalmente desigual como o nosso, mais que um erro, é um crime contra os brasileiros, é a perpetuação das políticas compensatórias.

            Quer dizer, 2013 foi o ano em que o Brasil perdeu mais forças ainda para se erguer da pobreza e do subdesenvolvimento.

            Quando parece que vamos avançar, quando se vislumbram mudanças, a recaída não tarda. E eu cito alguns exemplos.

            A PEC das Domésticas, cuja aprovação aqui foi comemorada com toda a refulgência, dorme agora na Câmara Federal. Eu tenho a impressão, às vezes, de que aprovamos certas matérias porque sabemos que vão ser engavetadas ou desfiguradas na outra Casa, lá na Câmara Federal.

            A PEC do Trabalho Escravo, que, na observação do Senador Paulo Paim, do grande Senador Paim, do Rio Grande do Sul, pretende regulamentar o trabalho escravo e não extirpá-lo, mesmo assim, tomou sabe-se lá, Presidente Valdir Raupp, que caminho? Que caminho tomou a PEC do Trabalho Escravo?

            Enquanto o trabalho escravo continua impune e pulsa e purga como uma chaga cancerosa, aprovamos toda sorte de pequenos agrados aos trabalhadores, nada substancial, Senadora Ana Amélia, brindes natalinos, como esse com que nos presenciamos no fim do ano nesta Casa. É notável a nossa capacidade de tergiversar, de negacear e de escapulir.

            O Senador Paulo Paim fez um equilibradíssimo relatório ao PL nº 122, que, originário da Câmara, pretendia tipificar e combater toda espécie de preconceito e de discriminação. O PL nº 122 foi devidamente sepultado por esta Casa na noite de terça-feira, dia 17.

            No afã inquisitorial de eliminar qualquer referência a gênero, à orientação sexual, chegou-se ao requinte de, no Plano Nacional de Educação, por acordo suprapartidário, suprimir-se o §4º do art. 3º da Constituição Federal. O que diz esse parágrafo, Senador Casildo? O que diz esse parágrafo, que causou tanta urticária em ilustres Senadores? Esse parágrafo extirpado do PNE diz que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre outros, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Foi a referência a quaisquer outras formas de discriminação, referência constitucional do Brasil, que provocou o incrível surto de coceira em ilustres pais da Pátria.

            Neste ano que agora se esvai, assim, a meu ver, tão melancolicamente, de todo modo, esta Casa aprovou o meu Direito de Resposta. Abstenho-me de falar sobre os muros de resistência que se ergueram em torno dele. Aprovou-o e o remeteu à Câmara dos Deputados. E lá ele dorme, talvez, num descanso eterno. Essa, repito, tem sido a fórmula eficientíssima de sepultar projetos. Aprova-se aqui com a garantia de que, na Câmara, ele não será votado. Às vezes, nem precisa disso. Basta que se embace, que se dificulte o trâmite das matérias para neutralizar o que desagrada à maioria, à Mesa ou ao Governo.

            Alguém saberia responder em que buraco insondável caiu o meu projeto de decreto legislativo suspendendo o leilão de Libra? E meus pedidos de informações sobre as dívidas das Organizações Globo feitos ao Fisco? Onde estão? Em que gavetas dormem? E minha proposta de distribuição aleatória das relatorias, aliás apoiada por 45 ou 50 Senadores deste Plenário? Por que não foi votada? O que atrapalha o direito que nós temos de discutir a democratização do Senado da República?

            Aqui, quando projetos e requerimentos não morrem de morte morrida, morrem de morte matada, sem discussão, com subterfúgios regimentais. O que não faltam são instrumentos para essas execuções.

            Outro assunto que passou pelas portas deste plenário e que aqui não entrou foi a iminência da assinatura de acordos bilaterais entre o Brasil e a União Europeia. É um desvario. É a perda do controle do País sobre a sua economia, sobre as suas decisões estratégicas em relação ao nosso futuro.

            Mas, salve, salve, o peso das mochilas de nossas crianças vai ser regulado. Eu não tenho dúvidas de que o Senado e a Câmara Federal se transformarão numa espécie de Instituto de Pesos e Medidas controlando as mochilas dos jovens brasileiros na entrada e na saída das escolas.

            Srªs e Srs. Deputados, perdoem-me a amargura, perdoem-me o ceticismo! É que acredito na possibilidade de construção de um Brasil desenvolvido, forte, justo, culto e seguro.

            Como eu já disse aqui algumas vezes, comecei muito cedo fazendo política, comecei muito cedo querendo mudar o mundo e estou, Senadora Ana Amélia, velho demais para desistir.

            Srªs e Srs. Senadores, feito esse desabafo, esse contraponto a um ufanismo que já admiti no início do pronunciamento, em certa medida, plenamente justificado, eu me despeço dos senhores. Embora eu ainda pretenda usar da tribuna amanhã, desde já eu me despeço dos senhores. Até fevereiro, quando o carnaval chegar!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2013 - Página 97976