Discurso durante a 231ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexões acerca dos desafios impostos ao País com inspiração na teoria de paz dos índios Aimarás.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexões acerca dos desafios impostos ao País com inspiração na teoria de paz dos índios Aimarás.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2013 - Página 98796
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, MENSAGEM (MSG), PAZ, ORIGEM, CULTURA, GRUPO INDIGENA, PAIS ESTRANGEIRO, PERU.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisa do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu não vou usar a vantagem, Senador Álvaro, que a data permite, mas vou usar o tema que a data exige praticamente.

            Quero aproveitar esta sessão e este tempo para fazer uma mensagem na linha do que nós temos nesse período, seja no Natal, seja no Ano Novo, uma mensagem de paz.

            Mas eu escolhi, Senador Alvaro, para esta mensagem de paz uma referência de mais de 2.000 anos, que é uma tradição dos índios Aimarás, do altiplano peruano, sobre a paz. Eu creio que se aplica tão perfeitamente a cada um de nós, como todas as grandes poesias 2.000 anos depois, que vale a pena gente repetir.

            Eles dizem que cada um - e vale para um país -, cada um de nós precisa carregar sete diferentes tipos de paz. Não basta uma, não existe só uma, são sete.

            A primeira, segundo eles é uma paz em relação ao passado. Não carregar remorsos. Estar em paz com a sua consciência. E eles colocam essa paz adiante, como algo na frente, porque, para eles, o futuro está atrás, porque o futuro ninguém conhece. O passado é que está na frente.

            É uma arrogância nossa, de ocidentais, imaginar que o futuro está na nossa frente. Não. O futuro é incerto, por isso está atrás.

            Então a primeira paz das sete que eles desejam, e que eu quero desejar, é uma paz com o passado. Mas essa paz não é fácil de nós termos como nação, porque o tema da paz que eles defendem vale tanto para cada indivíduo como para o conjunto daqueles de uma nação.

            Nós não estamos em paz com nosso passado. Nós, os brasileiros, e nós, os políticos brasileiros, deveríamos pelo menos estar carregados de remorsos, deveríamos não ter paz em relação ao passado do nosso País. É um país de escravidão durante mais de 300 anos, é um país que carrega uma das piores desigualdades de renda de todo o mundo, é um país cujo passado carrega um dos piores serviços públicos de todo o mundo, que carrega uma carga fiscal extremamente alta. Ou seja, o nosso passado não nos deixa em paz. Nós temos uma quantidade de remorsos a nos incomodar. Não estamos em paz com o nosso passado, os brasileiros, e muito especialmente nós, aqueles que temos papel de liderança. Este é um país que deveria pelo menos carregar remorsos da sua história.

            A segunda paz que eles desejam para cada pessoa, e que vale para um país, é a paz para trás, é a paz com o futuro.

            Quem tem medo do futuro não está em paz. A paz plena exige não só um sentimento de tranquilidade, de consciência em relação ao passado, como exige também a paz de não ter medo sobre o futuro. Mais uma vez, nós, brasileiros, não estamos em paz com o futuro.

            Há o medo de diversos brasileiros: se ficarem doentes, não terão como ser atendidos no serviço público; outros já fizeram grande sacrifício, inclusive para ter um serviço privado de saúde, mas têm medo, se ficarem doentes, se o seguro não cobrir os custos.

            Há um medo a cada dia que se vai para o trabalho: se o ônibus vai levar a tempo ou não vai levar a tempo. Há o medo de, no futuro, sermos, cada um de nós, um dos 50 mil mortos no trânsito ou os outros 50 mil assassinados nas calçadas das grandes cidades.

            Nós não estamos em paz com o futuro, o futuro que não nos dá o poder da ciência e da tecnologia no mesmo nível que os outros países, que nos faz ter um medo de como será o mundo dentro de 20 a 30 anos, quando os outros países todos tiverem o controle do conhecimento pela ciência e tecnologia, e nós continuarmos exportadores de bens primários e importadores de todo produto que carrega, dentro dele, inteligência, conhecimento.

            A outra paz que eles desejam para todos é a paz para baixo, com a terra. É a paz de que não vai haver uma seca, no caso deles, naquela época, de que não vai haver uma inundação no tempo deles, mas hoje, para nós, a terra já não é mais com “t” minúsculo, é com “T” maiúsculo, é a terra do Globo, é a terra do Planeta, e essa Terra não está em paz conosco, porque nós estamos ameaçando o equilíbrio ecológico do planeta. Nós não estamos em paz com a Terra com que eles, inclusive, os aimarás, que fizeram toda essa filosofia das sete diferentes formas de paz, tiveram tanto equilíbrio a ponto de chamar de “A Mãe Terra”. Nós não estamos em paz com a Terra. Nós estamos em guerra com a Terra, com o Planeta, com a vida.

            A outra paz, que eles colocam para cima, é a paz com os espíritos, com Deus, com os antepassados. E nós também não estamos tão em paz assim em relação ao que há de sobrenatural no mundo, em relação àquilo que diz respeito à espiritualidade. Nós vivemos um período de profundo materialismo, e eu não falo aqui especificamente do materialismo da não religião, mas um materialismo da falta de valorizar a cultura, a espiritualidade, os bens imateriais, e preferirmos o materialismo do consumo. Nós não estamos em paz com os espíritos, com Deus.

            A quinta forma de paz é para a direita, é a paz com a família. Você não tem como estar em paz plena se, ao seu redor, na sua família, existe alguém com problema, existe alguém com dificuldades, existem conflitos, por exemplo, entre os membros da família.

            Esta paz, do ponto de vista do Brasil como sendo uma família, nós não estamos em paz. Não estamos em paz porque é um país que ficou violento; não estamos em paz, uma vez que temos necessidade de manter 515 mil presos por crimes que cometeram; não estamos em paz, porque, se temos 515 mil presos, não sabemos quanto temos soltos, em véspera de cometer crimes.

            Como dizer que se está em paz com a família brasileira no clima de violência que caracteriza a nossa Nação? Não estamos em paz.

            No lado esquerdo, a outra paz, a sexta paz, é a paz com o resto do mundo; no caso de cada um de nós, com aqueles que não são de nossa família; no caso da Nação brasileira, com o Globo terrestre.

            Nós não estamos em paz no momento em que a globalização ameaça o desemprego em diversos países; em que a Europa vive uma crise profunda, uma vez que quase 50% dos seus jovens estão desempregados.

            Não há uma paz no Planeta hoje, não há uma paz no Globo, não há uma paz da família-humanindade. Então, também essa sexta paz, que é a paz esquerda, a paz do resto do mundo, nós não temos.

            Vejam que, das sete formas de paz, nós não estamos bem com nenhuma delas. Nós não estamos bem com o nosso passado, que está na frente; nós não estamos bem com o nosso futuro, que está atrás e que nos assusta; nós não estamos bem com a paz de cima, da relação com a espiritualidade; nós não estamos, nem de longe, em paz para baixo, com a terra onde pisamos. Nós não estamos em paz, a família brasileira, nem estamos em paz no mundo inteiro.

            Resta a sétima paz, Senador Suplicy. É a paz para dentro. É a paz consigo próprio. É a paz que não depende nem de cima, nem de baixo, nem do lado, nem do outro, nem de frente, nem de trás. É a paz consigo.

            Se nós temos dificuldade de ter seis tipos de paz, pelo menos eu quero desejar a todos os Senadores que aqui estão, a todos que estão me escutando pelo menos que essa paz, essa sétima, chegue a cada um de vocês: a paz interior, a paz para dentro, a paz que deveria ser o resultado de todas as outras seis, mas que, independentemente delas, vocês a tenham com vocês em 2014.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2013 - Página 98796