Discurso durante a 231ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Análise dos acontecimentos mais emblemáticos de 2013 nas esferas políticas, econômicas e social do País.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Análise dos acontecimentos mais emblemáticos de 2013 nas esferas políticas, econômicas e social do País.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2013 - Página 98797
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, BALANÇO, OCORRENCIA, ANO, VIGENCIA, ENFASE, POPULAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AÇÃO PENAL, DENUNCIA, PAGAMENTO, MESADA, CONGRESSISTA, COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, EXCESSO, CORRUPÇÃO.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy, Srs. Senadores, mais um ano e certamente uma constatação inevitável: desperdiçamos oportunidades e não fizemos as reformas exigidas para que o País possa avançar.

            Numa adaptação do título da obra do jornalista Zuenir Ventura, 1968 - O ano que não terminou, elegemos como moldura para enquadrar o ano vivido, 2013, o ano que não terminou.

            O povo foi às ruas e a Justiça recuperou credibilidade. Essa é a síntese que abriga e traduz os acontecimentos mais emblemáticos de 2013. O povo rompeu uma aparente anestesia mesclada por um silêncio enigmático e ocupou ruas e praças para denunciar a negligência pública no atendimento à população, a precariedade dos serviços oferecidos e para clamar por um atendimento digno de cidadãos que pagam impostos e, em vez de verem o retorno da pesada carga tributária na melhoria dos serviços públicos, veem o dinheiro público escoando pelos ralos da corrupção.

            A corrupção deixa realmente um rastro cruel. Segundo alguns, são US$80 bilhões anualmente. Segundo a Federação das Indústrias de São Paulo, o prejuízo do País com corrupção e incompetência administrativa é de R$500 bilhões anualmente.

            A corrupção esgota a capacidade financeira do Poder Público de investir em setores essenciais como saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, privando a maioria dos brasileiros de uma vida mais digna.

            Outro motivo de revolta popular: os gastos exorbitantes com os preparativos da Copa, visualizados pela população nas arenas superfaturadas, financiadas pelo Poder Público, em contraste com hospitais sucateados, pacientes amontoados em corredores sombrios, escolas precárias, assaltos e violências nas esquinas.

            O cidadão tomou consciência do tratamento indigno que recebe do Poder Público e foi para as ruas, para a porta dos estádios se manifestar e exigir hospitais com padrão FIFA. Na verdade, os acordos pactuados com uma entidade privada internacional para a realização da Copa no Brasil foram lesivos à soberania nacional e revestidos de caráter político.

            Todavia, Sr. Presidente, foi na esfera da justiça que ocorreu o fato de maior envergadura, com a consumação do julgamento do mensalão. Com a decretação das prisões, a justiça recuperou a credibilidade, e o Poder Judiciário passou a ser visto com outros olhos pela retina popular. Até então, o cárcere era privativo dos pobres e desvalidos. Poucas autoridades haviam sido sentenciadas à prisão e a impunidade seguida como regra.

            Um novo marco para atuação do Judiciário foi fixado. Há um novo paradigma de justiça na praça, mas o Poder Executivo não seguiu o ritmo das mudanças. Mais um ano no poder, e o Governo não realizou as reformas estruturais. A gestão é pífia e os gestores são incompetentes, desconhecidos. A população é capaz de escalar os Ministros da Suprema Corte, mas ignora quem são os integrantes do primeiro escalão do Governo brasileiro, com raras e honrosas exceções.

            A educação - setor estratégico, capaz de transformar verdadeiramente o País -, infelizmente, deixou de contar com um Plano Nacional de Educação com dispositivos de responsabilização.

            O Governo optou por uma carta de intenções. Num País que vem desperdiçando oportunidades únicas na trajetória percorrida, seria mais uma década perdida?

            Na infraestrutura, permanecemos na retaguarda remendando aeroportos e tapando buracos num asfalto carcomido. Os portos sitiados. Os armazéns em colapso sem estocar nossa produção fantástica de grãos. O apagão logístico se aproxima em velocidade vertiginosa. A violência continua explodindo nos grandes centros e se instalou igualmente nas cidades de médio porte.

            A economia saiu dos trilhos e foi marcada por um crescimento pífio do Produto Interno Bruto, por uma das maiores cargas tributárias do mundo, pela desconfiança dos investidores e agências de risco e pela realidade do dia a dia: a inflação voltou à mesa do brasileiro com os reflexos mais nefastos no setor de serviços.

            Esse quadro desestimulou o setor produtivo, aumentou a dívida dos Estados e dos Municípios. As desigualdades regionais se acentuam, e as linhas mestras de um pacto federativo foram mais uma vez adiadas.

            As praças voltaram a abrigar os frequentadores habituais, e o povo - acreditamos que momentaneamente - se retirou das ruas, mas esse processo, essa tomada de consciência cidadã, está longe de ser encerrado. O ano de 2013 não terminou, portanto.

            A literatura política deixa muito claro que nas democracias solidificadas o Congresso discute, debate, aperfeiçoa e regulamenta as propostas e projetos do Poder Executivo, nas mais variadas áreas da Administração Pública.

            Sob a égide de um presidencialismo forte, o Congresso brasileiro não recebeu propostas do Executivo, da Presidência da República, que pudessem significar a promoção das transformações exigidas pelos novos tempos. Há um vazio de propostas, um vazio de projetos.

            Faltam propostas para atender ao clamor das ruas; faltam propostas para atender às demandas do Brasil que produz; faltam propostas para atender às novas demandas do povo brasileiro, que exige mudanças e que quer tomar parte nos rumos do País.

            Para chegar a essa conclusão, é só levantar o que existe de relevante para o Brasil em tramitação nas duas Casas do Congresso Nacional.

            No Senado, o único tema relevante que tínhamos era o Plano Nacional de Educação, que agora volta à Câmara. Tive a honra de relatá-lo. Infelizmente, percebi que este Governo não tem o mesmo compromisso com a educação. A proposta do Governo traz retrocessos consideráveis ao Plano Nacional de Educação e mostra claramente que tipo de educação eles desejam para o nosso País. A verdade é que a educação nunca foi prioridade para este Governo.

            É fácil ilustrar isso. Basta recordarmos condutas recentes, que levaram à rejeição de propostas que, por exemplo, direcionavam mais recursos para a educação e que pretendiam reduzir a idade para a alfabetização de oito para seis anos, ao final do primeiro ano do ensino fundamental da educação básica brasileira, ou verificarmos que todos os dispositivos referentes ao monitoramento, à avaliação, à fiscalização, à responsabilidade educacional foram retirados do Plano Nacional de Educação pelo Governo, que não desejou, na realidade, a definição de metas que deveriam ser alcançadas, cumpridas, executadas com eficiência, mas quis fazer uma encenação de final de ano, mistificando e apresentando ao País aquilo que pode ser uma carta de intenções, uma longa carta de intenções, que jamais poderá ser definida como um plano nacional de educação a ser verdadeiramente executado.

            Os projetos não andam por falta de coordenação política. E essa coordenação política desastrada pode ser observada pelo próprio comportamento da Presidente da República, que, em reunião do Conselho Político, que reúne líderes e dirigentes dos partidos aliados, recorreu à música de Zeca Pagodinho para ilustrar seu comportamento. “Vamos fazer como o Pagodinho”, disse Dilma. “Deixa a vida me levar”, debochou a Presidente.

            Essa declaração mostra o desprezo pelo Congresso.

            Traduzindo a ironia presidencial, ela quis dizer que se aprovar ou não o que existe aqui é indiferente, pouco importa. Uma reunião na qual não se estabeleceu nenhuma prioridade, não se resolveu nenhuma divergência, não se apresentou solução alguma e não se propôs nada de novo.

            Os governos petistas sempre gozaram de alta popularidade nesses últimos anos, mas nunca gastaram um milímetro dessa popularidade em favor do Brasil e do seu povo. Não se arrisca nas reformas necessárias, pois estas, muitas vezes, geram impopularidade, geram desgastes e isso não interessa aos governantes atuais. A eles somente interessa a perpetuação no poder, e só. Desprezam a hipótese de adotarem uma estratégia de visão de futuro, adotam o oportunismo do imediatismo.

            O horizonte temporal é a duração do atual mandato na busca do próximo. Esta é a postura governamental, que ignora a importância das reformas transcendentais para o desenvolvimento do nosso País, que ficam no papel. Nesses 12 anos, elas não saíram do papel; reformas de papel. Compromissos não foram honrados, promessas foram esquecidas e o Brasil não avançou nas reformas, nem um passo adiante, depois do Plano Real, que foi a última grande reforma adotada pelo Governo brasileiro, à época, tendo à frente o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Assim continua surfando em uma ilusória popularidade, movida por medidas assistencialistas; popularidade agora menor, mas movida por medidas assistencialistas, enquanto as mudanças estruturais, importantes, para tornar o País mais competitivo ficam esquecidas no fundo do baú, como, por exemplo, a tributária, a trabalhista, para não falar na matriz de todas elas, a reforma política. Um Governo que trabalha nos limites da inércia econômica e da inação política.

            Na economia, o que assistimos neste ano foi uma total deterioração dos fatores macroeconômicos, principalmente das contas públicas. Inflação em alta, crescimento medíocre, juros em ascensão, contabilidade criativa para tentar driblar os analistas. É com esse cenário, dourando a pílula para esconder a dura realidade das contas públicas no País, que começaremos o próximo ano.

            E quanto à corrupção, o que dizer? O que dizer mais, já que muito tem sido dito? Por poucos, é verdade. A percepção mundial sobre a corrupção no Brasil piorou em 2013, de acordo com a classificação da entidade Transparência Internacional. Foram inúmeras as denúncias de fraudes, irregularidades em programas do Governo. Inúmeras também foram as denúncias contra membros do Governo numa sucessão de acusações de recebimento de propina e de uso indevido da máquina administrativa. Tudo isso é resultado do uso nefasto que os governantes costumam fazer do aparato estatal em favor do seu projeto político, ocupação de cargos, mensalão e transformação de órgãos públicos em aparelhos partidários. São fatos que marcam definitivamente a atual administração.

            A consequência é, sem dúvida, dramática.

            Mas é preciso ao final opinar sobre a causa de todas essas mazelas descritas em um modesto pronunciamento com as limitações naturais neste encerramento de sessão e de ano, antes do Natal.

            Qual é a causa da corrupção desabrida no País? Qual a causa de perdermos US$84 bilhões por ano pelos ralos da corrupção, segundo a avaliação de alguns ou muito mais do que isso, segundo outros. É incalculável o que se perde com a prática da corrupção no nosso País. Eu não ousaria arriscar números relativamente à corrupção presente na vida nacional. Qual a causa de estarmos sempre nos últimos anos no ranking de desenvolvimento econômico, de crescimento econômico, nas últimas posições em qualquer cenário? Penúltimo lugar na América Latina; penúltimo lugar entre países emergentes.

            Qual a razão? Um País com tanta riqueza, com potencialidades extraordinárias, com um povo trabalhador e disciplinado, riquezas naturais incontestes - portanto, potencialidades econômicas invejáveis. Qual a razão de ocuparmos sempre o lugar da vergonha no ranking dos países, em matéria de crescimento econômico? Como ocupamos o lugar da vergonha no ranking dos países mais corruptos do mundo? Qual a causa?

            A causa essencial é o sistema vigente no País. Eu faço questão de repetir e de encerrar este ano com esta afirmação: o modelo vigente implantado em Brasília, transplantado para alguns Estados e muitos Municípios, é a matriz de governos corruptos e incompetentes, a usina de escândalos de corrupção produzidos nos últimos anos. Esse sistema é o do balcão de negócios, do aparelhamento do Estado, do loteamento de cargos, da picaretagem política explícita, da barganha desonesta permanente, da relação de promiscuidade do Executivo e outros Poderes, da cooptação nefasta dos partidos políticos e dos políticos, de forma geral, para ampliar a Base de Apoio ao Governo, sustentada pelo aulicismo, que é alimentado pelo fisiologismo que toma conta da vida pública nacional e que dá origem, por exemplo, ao mensalão. O mensalão não é o único escândalo, mas é o mais emblemático, e produz fatos a cada semana, como agora, quando retorna à cena a história da conexão do mensalão com o Panamá. Descobriu-se tardiamente, talvez, que essa conexão produziu riquezas com origem em fundos constituídos no Panamá, na construção de hotel em Brasília e, certamente, sabe-se o que ainda se descobrirá como consequência dessa conexão do mal, que estabeleceu uma parceria demoníaca entre mensaleiros e panamenhos na constituição de uma estratégia financeira, com o objetivo de proporcionar a ocultação de riqueza que alcançaram alguns dos que se beneficiaram do poder no nosso País.

            Isso é muito sério. É por isso que o Líder do PSDB, já no primeiro momento, Senador Aloysio Nunes Ferreira, pediu ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, uma investigação rigorosa, relativamente aos indícios existentes, proclamados e veiculados, que, se confirmados, importariam na explosão de mais um fantástico escândalo envolvendo autoridades brasileiras que assumiram o poder e rasgaram todos os seus compromissos com o povo deste País e rasgaram, sobretudo, a bandeira da ética, atirando-a no lixo da nossa história.

            Esse é o sistema vigente. O Supremo Tribunal Federal cumpriu o seu dever, condenou e colocou, na Papuda, alguns mensaleiros que se tornaram populares no País, mas o sistema está vivo, o balcão de negócios está de pé.

            Eu não creio que possa existir tarefa maior do que a de mudar esse sistema, que esgota a capacidade financeira do Poder Público de investir em setores essenciais, como já referidos neste pronunciamento - educação, saúde, infraestrutura, segurança pública -, porque os recursos públicos são utilizados para atender o apetite dos mensaleiros, dos sanguessugas, dos gafanhotos, dos chupins da República, que se apoderam da estrutura governamental, exigindo a criação de ministérios, departamentos, secretarias, diretorias, coordenadorias, empresas, conselhos, agências, cargos comissionados sem fim.

            E o povo trabalhando, pagando impostos e sentindo o drama do desapreço dos que governam o País, porque os recursos são desviados. Como se podem justificar obras paradas, obras não iniciadas, serviços públicos precários, educação em retrocesso, saúde em caos, e a publicidade do Governo, falaciosa, rica e sofisticada, com efeitos especiais que podem concorrer ao Oscar, com Spielberg, dizendo que nós estamos vivendo num paraíso.

            O ano de 2013 não terminou! Não terminou, o povo foi às ruas, não foi atendido; o Supremo Tribunal Federal recuperou credibilidade, mas nós teremos de continuar, em 2014, com a agenda de 2013 que não se esgotou; mas, em 2014, no grande debate nacional, alimentando a expectativa de que é possível sim destruir este sistema e implantar um sistema ético de relação entre os Poderes capaz de oferecer ao Brasil, acima de tudo, o respeito e a competência.

            Eu não acredito que o Brasil possa alcançar índices de desenvolvimento, compatíveis com sua grandeza, enquanto este modelo for sustentado por aqueles que governam o Brasil. A destruição deste modelo é nossa responsabilidade. E nós não podemos nos conformar com a tese de que é impossível governar o País sem picaretagem política, sem barganha, sem balcão de negócios, sem loteamento de cargos, sem aparelhamento do Estado: seria ignorar a inteligência do povo brasileiro.

            É possível sim governar o País, estabelecendo-se um sistema de respeito na relação entre os Poderes e a sociedade, e é isso o que deseja nossa gente.

            A todos os brasileiros, um feliz Natal e um ano de 2014 com fé e esperança no futuro de nosso País.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2013 - Página 98797