Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com os efeitos, sobre o Mercosul, dos atentados violentos contra as instituições democráticas na Venezuela, ocorridos recentemente; e outro assunto.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Preocupação com os efeitos, sobre o Mercosul, dos atentados violentos contra as instituições democráticas na Venezuela, ocorridos recentemente; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 18/02/2014 - Página 37
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • PEDIDO, DELIBERAÇÃO, PROJETO DE LEI, LOCAL, SENADO, REFERENCIA, REGULAMENTAÇÃO, VITIVINICULTURA, AGRICULTURA FAMILIAR.
  • APREENSÃO, POLITICA, ECONOMIA, AMBITO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REFERENCIA, AUMENTO, VIOLENCIA, CONFLITO, NATUREZA POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Presidente desta sessão, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, Srª Senadora, nossos telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, começo este pronunciamento, Senador Paulo Paim, falando do PLC nº 110, de 2013, que trata da tipificação do vinho colonial, já que V. Exª, no seu pronunciamento, nesta mesma tribuna, tratou dessa matéria.

            Tive a honra de ser Relatora dessa relevante iniciativa do Deputado Pepe Vargas, Ministro do Desenvolvimento Agrário, lembrando também que esse projeto é uma construção de outras iniciativas parlamentares, inclusive do Deputado Onyx Lorenzoni - referi-me a isso por questão de justiça, já que a iniciativa remontava há mais tempo. O Deputado Pepe Vargas, claro, trabalhou também junto às demais comissões. Isso resultou em que a Câmara tivesse aprovado essa tipificação. Teve o apoio e a consultoria técnica da Embrapa, que, aliás, tem uma excelente unidade em Bento Gonçalves, a Embrapa Uva e Vinho, com relevante trabalho feito.

            O projeto teve a minha relatoria na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e, na Câmara, teve a do Deputado Alceu Moreira, do PMDB. Agora, o trabalho é apenas votar em plenário. Assim que tivermos Ordem do Dia e deliberação, farei pedido. A Bancada gaúcha, certamente, com o Senador Pedro Simon, que é de Caxias do Sul, e V. Exª, com o meu apoio, pediremos a inclusão na Ordem do Dia para apreciarmos e votarmos. Só falta essa deliberação.

            Talvez isso pudesse ser anunciado na Festa da Uva, em Caxias do Sul, como uma espécie de recompensa ao trabalho desses pequenos agricultores que produzem esse vinho de excelente qualidade - o vinho colonial -, que, aliás, por ter essa característica, é aquele vinho que tomamos, e não temos dor de cabeça no dia seguinte. Então, em homenagem a eles, nós vamos trabalhar intensamente para que o Plenário assim delibere.

            Mas eu venho aqui falar hoje sobre uma tensão.

            Lamentavelmente, temos dado pouca relevância ao que está acontecendo, na Venezuela, entre opositores do governo, o que tem significado um crescente aumento da violência contra parcela expressiva da população venezuelana, intensificada, lamentavelmente, nos últimos dias, e que não pode e não deve, em hipótese alguma, persistir nem ameaçar os rumos políticos e econômicos da democracia no âmbito do Mercosul, uma vez que a Venezuela foi a ele integrada.

            Essa estratégica união aduaneira sul-americana, que é o Mercosul, integrada pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela, não aceita ações criminosas de grupos radicais com violência nem a disseminação do ódio ou da intolerância.

            Milhares de estudantes opositores ao governo atual voltaram às ruas de Caracas, capital venezuelana, para denunciar a violência praticada por grupos de encapuzados após as manifestações nos últimos dias.

            As mobilizações pacíficas são saudáveis sempre nos regimes democráticos. Fazem parte do sistema democrático das liberdades. Até o momento, porém, foram três mortos e há a hipótese de que grupos estariam infiltrados nos protestos violentos, isso de parte a parte.

            Mais de três mil pessoas, na maioria jovens, repudiam a violência registrada na capital e em outras cidades da Venezuela e são contra batalhas entre forças de segurança e encapuzados, os famosos, no caso brasileiro, Black Blocs.

            Essa também foi a posição responsável do líder oposicionista, Henrique Capriles, que pensa que disputa o poder no voto, como requer o regime democrático, e não com a violência.

            Assim como não concordamos, aqui no Brasil, com a destruição de patrimônios públicos ou privados nem com protestos violentos que causam mortes ou danos a vidas humanas, como aconteceu com o jornalista Santiago Andrade, é inaceitável também que na Venezuela ocorram atentados declarados e explícitos contra a democracia ou as instituições democráticas.

            O que os protestos pacíficos pedem na Venezuela é tão somente liberdade de expressão e de negociação. E essa deve também ser a essência política do Mercosul.

            Em nota recente divulgada por integrantes do Mercosul, “os Estados-membros do bloco reiteram o firme compromisso com a plena vigência das instituições democráticas e rejeitam toda e qualquer ação de grupos criminosos e violentos”.

            A violência, aliás, e a destruição do patrimônio público ou privado são inadmissíveis! Quem “suja as mãos de sangue” e provoca a destruição, em momentos que deveriam ser dedicados às mobilizações pacíficas ou às greves, comete crime grave, infringe a lei e avança sobre uma área proibida e indesejada no regime democrático.

            Confundir “liberdade de expressão” com atentados ou violação à vida é um erro grave e deve ser punido, responsabilizado. A correria, o tumulto e o confronto de ideias fazem parte de qualquer manifestação ou ato de descontentamento, aqui no Brasil, na Venezuela ou em qualquer país sul-americano. O respeito à vida, contudo, deve estar acima de todas as coisas, acima de todos os confrontos e conflitos. Isso será saudável para que tenhamos um Mercosul mais próspero, mais desenvolvido e também mais sólido democraticamente.

            A nota oficial emitida pelo Mercosul expressa os seguintes termos:

Os Estados-membros do Mercosul, diante dos recentes atos violentos na irmã República Bolivariana da Venezuela e das tentativas de desestabilizar a ordem democrática, repudiam todo o tipo de violência e intolerância que busquem atentar contra a democracia e suas instituições, qualquer que seja sua origem.

Reiteram seu compromisso com a plena vigência das instituições democráticas e, neste contexto, rejeitam as ações criminosas de grupos [...] que querem espalhar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como uma ferramenta política.

Expressam o mais forte rechaço às ameaças de ruptura da ordem democrática legitimamente constituída pelo voto popular e reiteram a sua posição firme na defesa e preservação das instituições democráticas, de acordo com o Protocolo de Ushuaia sobre compromisso democrático no Mercosul [firmado pelos presidentes das nações em 1998].

Sugerem [aliás] que as partes continuem a aprofundar o diálogo sobre as questões nacionais, dentro do quadro das instituições democráticas e do Estado de direito [...].

Finalmente, expressam suas sinceras condolências às famílias das vítimas fatais, resultado dos graves distúrbios causados e confiam na manutenção da paz e nas garantias para todos os cidadãos.

            É importante relembrar que, na cúpula de junho de 2012, três integrantes do Mercosul (Brasil, Argentina e Uruguai) decidiram unilateralmente suspender o Paraguai, o quarto sócio do grupo, Senador Alvaro Dias, devido ao impeachment do ex-Presidente Fernando Lugo.

            Enquanto o Senado paraguaio não aprovou o ingresso da Venezuela, uma das condições previstas nos estatuto do Mercosul, o ingresso do país venezuelano no bloco ficou impedido, bloqueado.

            É válido relembrar também que, para aprovar o ingresso da Venezuela no bloco, a Câmara dos Deputados do Paraguai aprovou, de forma definitiva, o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul, retirando também uma declaração de persona non grata que mantinha desde 2012 contra o atual presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

            Cabe relembrar que o Protocolo de Ushuaia II, firmado no dia 20 de dezembro de 2011, na Cúpula de Montevidéu, no Uruguai, trata da aplicação de sanções no “caso de ruptura ou ameaça da ordem democrática” entre os integrantes do Mercosul. Esse protocolo não foi aceito pelo Paraguai.

            Tais sanções podem suspender o direito de participar de distintos órgãos do Mercosul no processo de integração, como o fechamento das fronteiras, limitação do tráfego aéreo e marítimo, suspensão das comunicações e fornecimento de energia, e sanções políticas e diplomáticas.

            O Paraguai firmou o tratado Ushuaia I, a chamada Cláusula Democrática do Mercosul, que determina a exclusão do bloco do país que viole a ordem democrática. Como se viu no caso do impeachment, embora discordem, mas o país obedeceu às regras internas que estão em vigor naquele país a respeito de análise de afastamento de presidente, no caso que aconteceu com apenas um voto favorável ao ex-presidente.

            Portanto, a sustentabilidade econômica e política do Mercosul dependerá, prioritariamente, do respeito à democracia e às políticas comuns focadas na ordem e na legitimamente constituída por voto popular. A pluralidade de ideias e a liberdade de se manifestar devem continuar sendo respeitadas, sobretudo no atual momento do Mercosul. É relevante ressaltar que a União Europeia se prepara para trocar propostas para o estabelecimento de um acordo bilateral de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Esse acordo bilateral criaria um mercado livre de 750 milhões de pessoas, ou de consumidores, e um comércio anual estimado em cerca de US$130 bilhões, ou seja, R$315 bilhões.

            Mesmo após a recente decisão da União Europeia de apresentar uma queixa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) - comandada, agora, pelo brasileiro Roberto Azevêdo -, não se pode fechar as portas às opções comerciais que sejam vantajosas ao Brasil ou aos países do Mercosul. A União Europeia tem várias disputas comerciais com os Estados Unidos na OMC, mas isso não impede que as partes tratem de negociações para um acordo futuro de livre comércio entre Estados Unidos e União Europeia.

            É sabido que o impasse vivido pelo Mercosul tem razões estruturais. São problemas que têm relação com a dinâmica econômica dos países-membros, que são muito semelhantes entre si, em vez de complementares na pauta de exportações, por exemplo. A situação da Venezuela, por isso, dificulta ainda mais os avanços econômicos e comerciais no âmbito do Mercosul.

            A Venezuela está dividida politicamente e enfrenta, hoje, uma inflação superior a 50% ao ano, com produção estagnada. Em 2013, o país fechou o ano com 24.763 mortes violentas (79 mortos para cada 100 mil habitantes). Além disso, ainda no final do ano passado, o país teve de enfrentar também uma crise de abastecimento de produtos básicos e de uma série de medidas de proteção à economia, incluindo o controle de preços e o controle de lucros das empresas e comerciantes, assim como o maior controle do câmbio e também da imprensa, com barreiras, até à importação de papel.

            É uma realidade inegável que a Venezuela é, de fato, um país dividido. Em abril passado, poucas semanas após a morte de Hugo Chávez, o atual Presidente chegou ao Governo com apenas 235 mil votos (1,59%) de vantagem apenas sobre o seu opositor da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Henrique Capriles. Em dezembro, com as eleições municipais, Maduro conseguiu ganhar mais força, ao ver o Partido Socialista Unificado da Venezuela conquistar 49,24% dos votos contra 42,72% da oposição. A situação política, social e econômica da Venezuela, portanto, preocupa e deve manter a atenção de todos nós.

            Por isso, será necessário ao Brasil exercer uma liderança na América do Sul e somar esforços para buscar novas oportunidades no mundo, principalmente em relação à oferta de alimentos no setor agropecuário. Só será possível neutralizar um clima de competição que atrapalha as parcerias comerciais saudáveis se o Brasil agir de modo conjunto, em benefício a todos, manter o foco em acordos comerciais construídos em bases democráticas e não aceitar imposições de parceiros, mesmo dentro do Mercosul, que venham a afetar os interesses legítimos e internos na geração de emprego e renda de nosso País.

            Eu lembro, a propósito, Senador Paulo Paim, nós que estivemos juntos em demandas, os problemas no comércio Brasil-Argentina, que são o retrato perfeito e acabado dos dilemas que enfraquecem a união aduaneira chamada Mercosul.

            A economia do nosso Estado, o Rio Grande do Sul, sofre com as barreiras comerciais impostas pela Argentina na importação dos nossos calçados. Setecentos e cinquenta mil pares de calçados ainda não chegaram lá. Olha que fizemos um esforço no MDIC, no Ministério das Relações Exteriores, na Casa Civil da Presidência da República, e nada aconteceu.

            Além dos calçados, nosso Estado é um grande produtor de móveis e máquinas agrícolas. A região de Bento Gonçalves, a região de Caxias do Sul, a região de Flores da Cunha e todo o Estado, praticamente, têm uma grande produção de móveis e também foram proibidos de entrar na Argentina.

            De máquinas agrícolas nem se fala. O Rio Grande do Sul produz 60% das máquinas agrícolas, grande parte exportada para a Argentina, que levantou uma barreira e não podemos mais vender. A Argentina diz o seguinte: “Quer vender máquina para a Argentina, venha botar fábrica aqui”.

            O que vai acontecer com Horizontina? O que vai acontecer com Montenegro? O que vai acontecer com Canoas? O que vai acontecer com Caxias do Sul, Senador Paulo Paim? Essa é a grande questão. E aí há a questão da solidariedade regional.

            Mais do que isso, o senhor há pouco falou e eu voltei a falar dos vinhos coloniais. No caso dos vinhos, o nosso Estado é a maior vítima. Há contrabando em volumes vultosos de milhões de garrafas que entram por contrabando, que lesa não só o produtor de vinho do nosso Estado, mas o de outros Estados brasileiros que hoje também estão produzindo vinhos de grande qualidade, como Santa Catarina, como Pernambuco, lá no Nordeste, e é também uma situação que lesa a questão do Fisco e da arrecadação de impostos. Mais do que isso, a importação de vinhos também concorre conosco, porque o custo de produção na Argentina, no Chile ou no Uruguai, os nossos vizinhos do Mercosul, em relação ao Brasil, em relação a impostos e também à logística, é muito menor.

            Veja só, é muito complicado. Hoje, uma máquina agrícola produzida no Rio Grande do Sul custa, para o agricultor que a comprará no Rio Grande do Sul, 40% a 50% mais caro do que paga um produtor argentino que compra essa mesma máquina. O mesmo vale para o arame que vai do Rio Grande do Sul para o Uruguai. Então, não é possível, porque essa assimetria está também comprometendo nosso Mercosul.

            Assim, essas questões relacionadas à integração precisam ser vistas de forma mais solidária e adequada dentro do regime. Precisamos de uma atenção redobrada ao que está acontecendo na Venezuela, para que essa instabilidade política não venha a criar problemas em relação ao fortalecimento das instituições e da própria democracia.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/02/2014 - Página 37