Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre PEC subscrita por S. Exª que propõe o afastamento de prefeitos, de governadores e do Presidente da República quatro meses antes do pleito eleitoral, a fim de evitar o desequilibrio nas eleições.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Comentários sobre PEC subscrita por S. Exª que propõe o afastamento de prefeitos, de governadores e do Presidente da República quatro meses antes do pleito eleitoral, a fim de evitar o desequilibrio nas eleições.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2014 - Página 134
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • ANUNCIO, APRECIAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AFASTAMENTO, CARGO PUBLICO, PREFEITO, GOVERNADOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANTERIORIDADE, CAMPANHA ELEITORAL, REELEIÇÃO, INFLUENCIA, AUMENTO, IGUALDADE, CANDIDATO, ELEIÇÕES, MELHORAMENTO, DEMOCRACIA, BRASIL.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Presidente desta sessão, Senador Romero Jucá, colegas Senadoras, Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, convidados que assistem a esta sessão nas galerias ou na tribuna de honra, obrigada pela presença de todos aqui.

            Nós estamos num ano eleitoral, e a imprensa diz que, a cada período eleitoral, ressurgem iniciativas parlamentares no sentido de mudar as regras do jogo.

            É que a gente aprende e faz o caminho ao andar. A campanha nos dá algumas indicações de como fazer. O que eu estou vivendo agora, aqui, nesta Casa, numa primeira experiência parlamentar, é observar o nosso cenário político. Por isso apresentei um projeto de lei que será submetido à apreciação amanhã, aliás, mais precisamente, uma proposta de emenda constitucional, uma PEC, que será apreciada amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça, e que trata da desincompatibilização dos detentores de mandatos executivos para disputarem eleições.

            O que nós estamos observando - e isso vem desde que reeleição foi, nos anos 90, aprovada no Brasil - é que, ao permitir que o governante fique no seu cargo até o dia de eleição, cria-se uma desigualdade na competição eleitoral extremamente danosa para o processo democrático. Pelo menos é o meu modesto entendimento na observação dessa realidade. Não adianta dizer que o candidato, seja governador, Presidente da República ou prefeito, só vai fazer campanha nos finais de semana. Quer dizer que ele, quando tem visibilidade, ao ocupar todos os espaços da mídia para um ato oficial como governante, presidente ou governador, deixa de ser candidato? É inacreditável.

            Portanto, essa minha PEC, a proposta de emenda à Constituição de minha autoria que tramita nesta Casa exige o afastamento antecipado do cargo para Presidente da República, governadores e prefeitos que concorrem à reeleição.

            A proposta inicial prevê o afastamento por quatro meses antes do pleito, como forma de evitar o desequilíbrio no processo eleitoral e o uso indevido e inadequado da máquina pública para fins eleitorais.

            Eu lembro perfeitamente bem, porque era jornalista à época, que o então, eleito depois, Presidente Fernando Henrique Cardoso era postulante quando se discutiu a questão da reeleição. E o primeiro ponto argumentado era exatamente este: o risco do uso da máquina pública pelo candidato à reeleição. E não deu outra naquele momento. A realidade posterior veio mostrar que há esse desequilíbrio.

            Seria uma forma, nessa PEC, de acabar ou pelo menos de diminuir as vantagens políticas nas disputas eleitorais, que, no caso de candidatos à reeleição, são maiores e injustas até em comparação àqueles que disputam as eleições pela primeira vez. Ao alterar a redação do §5º do art. 14 da Constituição Federal, estamos permitindo melhorias em relação às práticas públicas, em atitude, a meu ver, mais adequada ao regime democrático, que deve ser mais transparente, mais equilibrado, para o melhor exercício da atividade pública. Deve, por isso, estar sempre focada nos interesses sociais, sobretudo na hora do voto, na hora da escolha do candidato, do representante.

            O Relator dessa Proposta de Emenda à Constituição - que, para a minha felicidade, é o Senador Luiz Henrique da Silveria, ex-Governador de Santa Catarina - considera a iniciativa pertinente e reconheceu, no seu relatório, a necessidade de ajustes no atual modelo.

            Todos sabem que é muito difícil e raro um candidato à reeleição sair derrotado das urnas. O atual sistema, lamentavelmente, não colabora para a diversificação dos cargos do Executivo ou a renovação, para o rodízio político, extremamente saudável, em qualquer democracia avançada, focada no desenvolvimento sustentável.

            Os menos poderosos ou os marinheiros de primeira viagem da política ficam, inevitavelmente, em desvantagem, nas disputas eleitorais, e isso é muito ruim para os novos aspirantes políticos. Os candidatos ao primeiro cargo eletivo não têm acesso à estrutura financeira nem institucional daqueles que já estão no poder, controlando a máquina. Como disse o Relator dessa importante matéria, o viés do poder no voto é fato e nada o demonstra melhor do que os resultados eleitorais na vigência da reeleição.

            A emenda apresentada à PEC nº 48, de 2012, altera o prazo sugerido para afastamento do cargo. Em vez dos quatro meses anteriores ao pleito, o Relator, com bom senso de oportunidade e realismo, o Senador Luiz Henrique, acha importante que a renúncia ao cargo, ou a desincompatibilização, ocorra a partir do primeiro dia útil após a homologação da candidatura à reeleição. Segundo ele, antes da decisão das convenções, não há sequer expectativa razoável de candidatura. As candidaturas só passam a ter existência formal e efetiva depois de homologadas.

            No formato proposto, inicialmente nesta minha PEC, o licenciamento ocorreria antes das convenções partidárias, antes do pedido de registro das candidaturas e até mesmo da sua homologação. Por isso, em seu relatório, o Senador Luiz Henrique altera o prazo de desincompatibilização obrigatória. Na avaliação do Relator, a saída terá de ser feita no primeiro dia útil após a homologação da candidatura.

            É preciso reconhecer, claro, a necessária equidade nas condições de competição eleitoral. Quando um dos competidores é o titular do cargo em disputa, com a capacidade de decidir sobre os temas centrais de interesse coletivo, automaticamente o equilíbrio deixa de existir, pois, obviamente, quem está no comando ou no exercício do poder terá mais possibilidades de mobilizar os interesses em favor da sua própria campanha à reeleição.

            Portanto, é um argumento a ser considerado desde que a essência da proposta seja mantida: o distanciamento do cargo público antes de uma nova disputa eleitoral.

            Desde a aprovação, em 1997, da reeleição para cargos do Executivo pelo Congresso Nacional, a chance de reeleição tem garantido uma vantagem política a todos aqueles que buscam a renovação do mandato. Com isso, os candidatos à reeleição garantem também exposição natural a todos os atos que praticam, sejam eles prefeitos, governadores ou Presidente da República. É uma forma de publicidade que tem sido utilizada, nos últimos 16 anos, por todos os presidentes, mesmo aqueles - mesmo aqueles - que mais combateram a reeleição. Mesmo aqueles que mais combateram a reeleição estão usando, clara e descaradamente, a máquina pública em benefício próprio.

            Com muita alegria, concedo o aparte ao Senador Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Parabéns, Senadora Ana Amélia, pela fala e pela proposta de emenda. Por ocasião dos debates da PEC que resultou na Emenda 16, em 1997, duas teses existiam. A primeira delas é a de que o candidato à reeleição deveria continuar exercendo o mandato em homenagem ao princípio da continuidade do serviço público. Aliás, o Vice-Presidente da República hoje, o constitucionalista Michel Temer, em seu livro Elementos de Direito Constitucional, defende o princípio da continuidade do serviço sem a necessidade de desincompatibilização para disputar a reeleição. Só que no Brasil isso não colou. Não colou! Infelizmente, aquele que se encontra no exercício do poder, abusa do poder. Isso é fato. Abusa, sim! Como é possível você diferenciar, durante o dia, é Presidente, governador e prefeito, e, durante à noite, é candidato. Porque aquele que exerce o cargo executivo tem a chave do cofre, tem a caneta e pode mudar realidades. Existem várias definições para democracia, uma é muito interessante e diz o seguinte: democracia é igualdade de oportunidades; é o mesmo ponto de largada. Aquele que disputa a reeleição está bem à frente e não tem o mesmo ponto de largada. Nós estamos dificultando, aí, a igualdade de todos perante o processo democrático. Esse é um tema que merece nossa reflexão, como a reeleição. Nossa história constitucional nunca foi favorável à reeleição. “Ah, mas nos Estados Unidos há reeleição!”. Os Estados Unidos, muitas vezes, não podem ser exemplo para nada. O mimetismo da sociedade americana... Copiaram a Constituição americana, mas não copiaram sua cultura, sua sociologia e sua história, então não adianta absolutamente nada! Parabéns pela PEC.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Muito obrigada. Copiar, sobretudo, o comportamento e o rigor no uso do recurso público e, também, dos procedimentos legais, na observância da lei e da própria Constituição.

            Obrigada, Senador Pedro Taques, pela valiosa colaboração, que eu gostaria que fosse integrada e anexada a este pronunciamento modesto.

            Penso oportuna a discussão dessa matéria, sobretudo neste ano, quando teremos as eleições. Temos que aproveitar o primeiro semestre para avançar com esse debate. Penso, inclusive, que o assunto contribui para a maior transparência e, claro, uma equidade nessa disputa pela melhor gestão do gasto público.

            Ao afastar o candidato à reeleição de forma antecipada às eleições, as chances de uso do recurso público ou da máquina de governo, para qualquer nível, para fins eleitorais serão reduzidas. Pode não ser essa a forma ou a reforma política tão sonhada, tão exigida por todos, mas é um começo razoável. Não podemos deixar nas mãos do Judiciário todas as decisões sobre questões eleitorais e políticas, como vem acontecendo agora.

            No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal começou a julgar uma ação que questiona as doações de campanha por empresas privadas, por isso a importância de novas e claras regras, inclusive - e com a antecipação devida - sobre a questão eleitoral.

            É um bom debate para se fazer neste momento. Acho, inclusive, que essa proposta permitirá maior transparência se for, de fato, colocada em prática e aprovada por esta Casa.

            Hoje, o economista Gil Castelo Branco, que também é fundador da Organização Não Governamental Associação Contas Abertas, publicou um artigo no jornal O Globo que fala justamente da necessidade de evitarmos a transparência de meia-tigela, como fala o Senador Pedro Taques.

            Como sabem, na semana passada, após pressão da sociedade, 467 Deputados Federais votaram nominalmente a cassação do mandato do Deputado Natan Donadon, que havia sido absolvido antes, mas por um fator fundamental: o voto nessa segunda votação foi um voto aberto e, antes, foi um voto secreto. Daí a relevância, também, desta iniciativa tomada pelo Congresso de determinar que todas as votações, inclusive os vetos que apreciaremos hoje, tenham que ser com voto aberto.

            Isso ocorreu seis meses depois de considerarem natural manter como colega um condenado pelo Supremo Tribunal Federal. Houve uma mudança radical de opinião. Como escreveu Gil Castelo Branco no artigo: “A inversão do comportamento não ocorreu pelo florescer repentino das consciências dos nobres Deputados, mas, sim, pelo medo da opinião pública nessas eleições.” Fato que lembra a frase de um juiz americano Luiz Brandeis, proferida há mais de um século: "A luz do sol é o melhor dos desinfetantes."

            No Brasil, leis recentes ampliaram a transparência da gestão pública. A Lei Complementar nº 131, de 2009, obrigou a União, Estados e Municípios a publicarem suas contas na internet. A chamada Lei de Acesso à Informação (lei 12.527/2011) permitiu que qualquer cidadão faça solicitações ao Estado e este seja obrigado a respondê-las ou negá-las por escrito. Na prática, porém, obter esclarecimentos na Administração Pública - muitas vezes banais até - ainda é um dilema, é uma dificuldade, é uma pedreira que tem que ser transposta.

            Cito, por exemplo, o caso do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - também citado no artigo -, que consideraram confidenciais as condições do financiamento de R$1,6 bilhão que o Brasil concedeu ao governo de Cuba para a construção do Porto de Mariel. O valor repassado ao governo cubano é três vezes maior do que todos os investimentos em 2013 da Companhia Docas, responsável no Brasil por administrar 18 dos 34 portos brasileiros.

            Somente em 2027, dois anos antes do prazo final para a quitação da dívida, é que a sociedade brasileira conhecerá os detalhes e os termos dessa operação misteriosa e secreta feita pelo BNDES.

            Portanto, ao defender esta proposta, a PEC 48/2012, estamos, de fato, em busca de mais transparência. Nesse caso, transparência eleitoral, justiça eleitoral, equidade eleitoral. Os homens públicos precisam se adaptar aos novos tempos: internet, redes sociais, imprensa em tempo real e todo o tipo de comunicação instantânea estão disponíveis e acessíveis a qualquer cidadão em qualquer canto.

            Todos podem questionar e reavaliar os rumos das políticas públicas. Resta a todos nós, mulheres e homens públicos, escolhermos aquilo que é mais coerente e condizente com as reais necessidades da população e dos eleitores. Colocar o interesse público em primeiro lugar é, nesse caso, respeitar os direitos individuais e permitir que as urnas reflitam realmente os anseios da população, da maioria. Como eu disse, com mais justiça e com mais equidade.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2014 - Página 134