Discurso durante a 16ª Sessão Especial, no Senado Federal

Destinada a comemorar os 30 anos da realização do comício inaugural da Campanha pelas Eleições Diretas para Presidente da República.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DEMOCRATICO, ELEIÇÕES.:
  • Destinada a comemorar os 30 anos da realização do comício inaugural da Campanha pelas Eleições Diretas para Presidente da República.
Publicação
Publicação no DSF de 25/02/2014 - Página 6
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DEMOCRATICO, ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, REALIZAÇÃO, COMICIO, REFERENCIA, MOVIMENTAÇÃO, DEFESA, ELEIÇÃO DIRETA, PAIS, PERIODO, REGIME MILITAR, LEITURA, DEPOIMENTO, AUTORIA, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELAÇÃO, ASSUNTO, SOLICITAÇÃO, APRESENTAÇÃO, VIDEO, IMAGEM VISUAL, EPOCA.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Cyro Miranda, saúdo o Deputado Luiz Pitiman, representando a Câmara dos Deputados; Thelma de Oliveira, Vice-Presidente Nacional do PSDB-Mulher e viúva do saudoso Dante de Oliveira, autor da Emenda Diretas Já; Sr. Paulo Silva de Jesus, representando o Governador de Goiás, Marconi Perillo.

            Uma homenagem especial ao assessor direto e político de Ulysses Guimarães, seu fiel escudeiro durante 44 anos, o Sr. Oswaldo Dante Manicardi, que está aqui para os nossos aplausos. (Palmas.)

            O Osvaldo sempre acompanhou o Dr. Ulysses, durante 44 anos. Onde estivesse Ulysses estava o Oswaldo, em todos os Estados do Brasil e no exterior, a serviço, nas diversas atividades do Presidente Ulysses Guimarães.

            Como todos sabem, Ulysses foi Presidente da Câmara dos Deputados quatro vezes, foi Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, exerceu, provisoriamente, a Presidência da República, foi Presidente do maior Partido do País, o PMDB, e, em memorável discurso proferido em 24 de março de 1991, denominado Oração do Adeus, o Dr. Ulysses prestou homenagem ao Oswaldo Manicardi, que nós reiteramos hoje.

            Disse Ulysses: “Meu caloroso aperto de mão a meu inseparável Sancho Pança, a meu fiel escudeiro, ao monumento de sensatez, paciência e eficiência, meu irmão Oswaldo Manicardi”. Palavras de Ulysses Guimarães.

            Aliás, o Oswaldo, por esses desígnios do destino, que são insondáveis, inexplicáveis, uma única vez não acompanhou Ulysses Guimarães, em uma única viagem, nos 44 anos de fidelidade absoluta: exatamente a viagem que levou Ulysses, Guimarães ao fundo do mar. E não o fez por desejo de Ulysses. Já no helicóptero em São Paulo, no momento de partir, Ulysses pediu a ele que descesse e fosse acompanhar um irmão hospitalizado para cirurgia em São Paulo. Salvou a vida de Oswaldo Manicardi.

            A nossa homenagem inicial a ele é exatamente porque é o retrato da fidelidade. No mundo da política, a traição, a injustiça, a incompreensão maltratam; os exemplos de solidariedade, de fidelidade, de lealdade absoluta devem ser destacados. Por isso, nós os destacamos hoje na figura de Oswaldo Manicardi.

            Minha saudação ao Roger Pinto, ex-Senador da Bolívia, que nos honra com a sua presença. Ele vem num momento em que há conflagração em outro país irmão, a Venezuela, e vem como vítima da prepotência em seu país, a Bolívia, e abriga-se no Brasil na esperança de poder retornar, um dia, à sua pátria num ambiente democrático pleno.

            Saudação ao Patrick Dimon, que, sendo grego, da ilha de Samos, onde nasceu também o filósofo Pitágoras, veio ao Brasil muito cedo e tornou-se um astro da música popular brasileira, tema da novela Pai Herói e de outras. Assumiu a bandeira das Diretas Já, mesmo sendo grego, porque escolheu o Brasil como a sua pátria.

            Nossos aplausos ao Patrick Dimon. (Palmas.)

            Ele participou ativamente da campanha por eleições diretas, mesmo sendo grego. O filho dele, ao lado, certamente, era ainda muito jovem à época. Participou, ativamente, no Paraná, em 44 concentrações populares, nas principais cidades do Estado.

            São tantas as pessoas que deveriam ser homenageadas, muitas delas já ausentes - se foram -, mas a homenagem que prestamos aos presentes é extensiva a todos que não se encontram aqui. O nosso agradecimento a todos que comparecem a este evento, porque reescrever a História na busca da verdade, certamente, deve ser uma das missões do Parlamento. A presença, aqui, de jovens que sequer tinham nascido à época da campanha das Diretas nos anima a empurrar nossa memória até 1983.

            Somos feitos de palavras. Dizia o magistral Octavio Paz, poeta, escritor e diplomata mexicano: “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são a nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade”.

            Qual era realidade de 1983? O regime autoritário se esgotava, ingressamos no período da política de distensão. O Parlamento se agitou depois de tantos anos de cassações de mandatos, atos institucionais que chegaram até mesmo a fechar o Congresso Nacional. A prepotência perdia força e dava lugar à esperança. Sim, naquela época, foi verdadeiro: a esperança substituía o medo.

            O regime do medo perdia forças e dava lugar à voz, à palavra e à ação, Thelma. Aqui, em uma das Casas do Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados, nascia a Emenda Dante de Oliveira, que foi nossa bandeira, carregada pelas ruas do Brasil até a redemocratização do nosso País.

            Ao final de 1983, o Presidente Ulysses Guimarães convoca os presidentes regionais do PMDB a Brasília para uma reunião histórica. O Presidente Ulysses, o “Senhor Diretas”, símbolo dessa memorável campanha, disse: “Vamos iniciar, no dia 12 de janeiro, a campanha por eleições diretas já e não vamos parar até conquista o direito de votar.” E me pediu que, como Presidente do PMDB do Paraná, organizasse o primeiro grande comício.

            Lembrando Caetano Veloso, Ulysses disse: “Caetano, certa vez, afirmou que qualquer espetáculo artístico primeiro lança-se em Curitiba, que é uma cidade-teste, porque, se Curitiba aplaude, o País delira. Vamos começar por Curitiba.” E nós aceitamos o desafio. Em 12 dias, o PMDB do Paraná organizou o grande comício na Boca Maldita.

            Ao final do ano, assistindo, pela TV, à corrida de São Silvestre e vendo Osmar Santos como narrador, lembrei-me de convidá-lo para apresentar o comício. Entendia que reuniríamos diversas correntes políticas e que, certamente, a presença de correntes adversas numa mesma manifestação poderia gerar dificuldades para o comando e apresentação dos oradores.

            Entendi que Osmar Santos seria ideal, como grande comunicador, ícone da narração esportiva do País à época, para comandar aquele espetáculo. Prontamente, ele acolheu, encantou os presentes com a sua habilidade de comunicador e foi escolhido por Ulysses Guimarães como o locutor oficial das Diretas, apresentando todos os comícios Brasil afora.

            Através de Ruth Escobar, que nos auxiliou, convidamos e tivemos a presença de Bete Mendes, de Dina Sfat e Raul Cortez. Nesse primeiro grande comício poucos foram os artistas presentes exatamente porque não houve tempo para uma mobilização maior.

            Em poucos dias, repito, apenas 12 dias, panfletos, cartazes e um comercial na TV convocando a população para o evento foram suficientes para reunir, no centro da capital do Paraná, mais de 60 mil pessoas. Estiveram presentes Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, Severo Gomes, José Richa, Maurício Fruet e outras lideranças políticas do Paraná e do Brasil.

            O ex-Presidente Lula não se fez presente, já que o PT ainda não tinha decisão do seu Diretório Nacional de participação na campanha das Diretas Já. Mas Bete Mendes representou o Partido e do diretório local do PT participou também Vitorio Sorotiuk. Portanto, o PT esteve presente, apesar de ainda não ter decidido nacionalmente participação efetiva na campanha das Diretas, só o fazendo depois, em São Paulo, no dia 25 de janeiro, por ocasião do grande comício da Praça da Sé.

            Foi um comício memorável. Ulysses Guimarães, no seu discurso, afirmou: “Brasileiros surgindo dos campos e das cidades, de todas as partes, como erva bendita, enchendo a praça pública”. Ulysses se entusiasmou, e, certamente, aquele comício convocou a mídia nacional a participar de forma efetiva na divulgação daquela memorável campanha. O êxito do comício de Curitiba foi essencial para que a mobilização nacional tivesse sucesso e arrastasse, para as praças do País, multidões com o grito de “eu quero votar para Presidente!”. Lá em Curitiba, surgiu o leiaute da campanha: a camisa amarela com a inscrição “Eu quero votar para Presidente”. Dois publicitários colaboraram espontaneamente, o Bira e o Ernani Buchmann. Enfim, Curitiba deu a largada, e Caetano Veloso tinha razão: se Curitiba aplaudiu, o Brasil delirou com a campanha das diretas.

            Não vencemos com a Emenda Dante de Oliveira. Foi um dia de enorme frustração para os democratas do Brasil. Mas a frustração circunstancial, episódica, não apagou a chama da alma democrática da Nação e contribuiu para que, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves fosse vitorioso e chegasse à Presidência da República. Os desígnios do destino, Oswaldo, também não permitiram que Tancredo exercitasse a Presidência do País, e seu Vice, José Sarney, assumiu e convocou a Assembleia Nacional Constituinte, que, em 1988, determinou o reencontro da Nação com a democracia.

            Eu não posso deixar de citar algumas frases de Ulysses Guimarães, esse monumento da democracia, esse estadista memorável, cuja presença indelével no epicentro dos principais acontecimentos da história do nosso País na segunda metade do século XX, que marcaram as vertentes do “Senhor Constituinte”, do “Senhor. Diretas”, personificando a mais legítima expressão parlamentar em defesa da cidadania.

            Ao se apresentar Ulysses Guimarães, nunca se fez necessário falar de seu currículo, da sua biografia; o seu nome era e é uma legenda. O seu nome é uma lenda. Ulysses Guimarães, durante a campanha das Diretas, no comício de Curitiba, afirmou: “Vamos tomar essa Bastilha nojenta e repugnante que é o colégio eleitoral, um câncer que está apodrecendo a política e matando a Nação”. (Comício do dia 12 de janeiro de 1984, em Curitiba.)

            “Eu como eleições diretas, eu bebo eleições diretas, durmo eleições diretas. Ainda bem que a eleição em palavra feminina.”, dizia Ulysses.

            “A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube: eis o primeiro mandamento da moral pública”.

            Ulysses Guimarães, paradigma de uma geração de políticos do nosso País, da qual fiz parte, e honra-me dizer que Ulysses foi o símbolo que adotamos na caminhada que trilhamos, Senadora Ana Amélia, que também nos honra com a sua presença.

            Vou fazer uma leitura do depoimento de um jornalista que fez a cobertura do comício em Curitiba, Carlos Brickmann, encaminhado pela Folha de S.Paulo, esteve em Curitiba e escreve:

As ruas cheias, alegres. Gente de primeira linha, políticos de excelente nível - Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, José Richa. Artistas famosos completavam o palanque: Beth Mendes, Martinho da Vila, Dina Sfat, Raul Cortez, Ruth Escobar. Violência? Nenhuma. O prefeito curitibano Maurício Fruet, no meio de um belo discurso, acabou engolindo uma borboleta. Normalmente, esse seria o início de qualquer reportagem sobre o comício de Curitiba, o evento que inaugurou a Campanha das Diretas-Já. Naquele dia, foi uma história paralela, engraçada, mas longe da abertura da matéria. Naquele dia, estávamos começando a mudar o Brasil.

Todos nos sentíamos, oradores, público e jornalistas, como parte de uma extraordinária modificação. Dali, da bela Curitiba, nasceria o movimento nacional para derrubar, pacificamente, a ditadura e estabelecer, de uma vez por todas, uma democracia em nosso País. Clima festivo, tempo excelente, bons discursos, curtos e densos, tudo conspirava a nosso favor. Alvaro Dias convidou o grande locutor esportivo Osmar Santos para ser o âncora do palanque, mais uma das atrações do comício. Osmar topou - e tão bem se saiu que acabou transformado na Voz das Diretas.

Grandes bolsões de imprensa viam as Diretas-Já com descrença (a maioria) e desconfiança (menos veículos, mas muito importantes). Mas um dos principais jornais do país, a Folha de S.Paulo, se comprometera com a mudança. E, por isso, como repórter especial da Folha, eu tinha sido escolhido para estar ali: para documentar o momento exato em que o novo Brasil surgiria à luz do dia.

Trinta anos atrás, não havia Internet, as comunicações eram bem mais lentas, computador portátil ligado à sede era um desenvolvimento a vir. Alguns trechos do grande comício foram perdidos na reportagem, enquanto os textos eram escritos num escritório próximo e enviados a São Paulo. Faltaram alguns detalhes - mas o mais importante, as belas fotos autoexplicativas, mostrando as ruas superlotadas, e o texto escrito em tempo real, descrevendo o clima da cidade, enquanto os fatos ocorriam, foram suficientes para manter o leitor bem informado.

A campanha nasceu com êxito; teve a sorte de, naquele dia, só contar com oradores inspirados; não choveu, a temperatura era moderada, agradável. Este repórter, que hoje tem a alegria de ser lembrado nesta comemoração do Congresso Nacional, teve há 30 anos a sorte de poder estar no lugar certo, na hora certa, pelo jornal certo. E de ouvir, às cinco da tarde, a abertura de Osmar Santos:

Começa aqui a grande arrancada do País. O Paraná sai na frente. Vamo que vamo!”

Pouco depois, Bete Mendes, fundadora do PT, pregando a união: “Aqui não há divisão de partidos. Nossos inimigos não são outros partidos de oposição: estão no Palácio do Planalto”.

Estava dado o passo inicial da longa caminhada que, em 1989, trocou os ditadores militares por Tancredo Neves, ainda em eleições indiretas. As diretas viriam em seguida.

Mas a ditadura já estava sepultada.

(Carlos Brickmann, jornalista)

            Eu sei que, neste momento, há aqueles que, diante do desencanto que se planta no País, em razão, sobretudo, dos grandes escândalos de corrupção, afirmam: “Não valeu a pena.”

            Eu contesto e sei que todos os presentes e milhões de brasileiros contestam. Valeu a pena, sim! Nós marcamos, com aquela campanha, o momento histórico do reencontro da Nação com a democracia.

            É certo que aqueles que assumem compromissos durante campanha eleitoral, que carregam bandeiras que empolgam a população e, depois, as rasgam, jogando-as na lata de lixo da História, comprometem a esperança do nosso povo, mas não há razão para a desesperança. Há razão, isto sim, para uma reação disciplinada, organizada, mobilizada para vencer as falcatruas, os escândalos de corrupção e a incompetência que grassam neste País.

            Alimentados pelo sonho das Diretas Já, haveremos de reconquistar a esperança do povo brasileiro de que é possível, sim, viver num País com justiça, com democracia e com solidariedade.

            As nossas instituições estão, desgraçadamente, em frangalhos, desacreditadas, mas é possível reedificá-las sobre os escombros da desesperança, para plantarmos instituições mais sólidas, acreditadas pelo povo brasileiro, razão direta da nossa crença no futuro deste País.

            Mas palavras são palavras, e nós queremos mostrar com imagens. Assim, para concluir este meu pronunciamento, Senador Cyro Miranda, peço à assessoria que nos permita ver, agora, um vídeo, que creio ser inédito para todos, produzido naquele momento histórico - posso dizer - e, para muitos de nós, não só para mim, o mais fascinante momento vivido na história contemporânea do Brasil, o momento da campanha por eleições diretas.

            Vamos passar um vídeo produzido pelo canal 2 TV de Curitiba, à época, que traz imagens e depoimentos no momento do comício, exatamente sobre o impacto da emoção vivida naquela que foi a mais emocionante concentração popular na história do Paraná.

            Muito obrigado a todos. (Palmas.)

(Procede-se à exibição de vídeo.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/02/2014 - Página 6