Discurso durante a 16ª Sessão Especial, no Senado Federal

Destinada a comemorar os 30 anos da realização do comício inaugural da Campanha pelas Eleições Diretas para Presidente da República.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ELEIÇÕES.:
  • Destinada a comemorar os 30 anos da realização do comício inaugural da Campanha pelas Eleições Diretas para Presidente da República.
Publicação
Publicação no DSF de 25/02/2014 - Página 12
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, REALIZAÇÃO, COMICIO, REFERENCIA, MOVIMENTAÇÃO, DEFESA, ELEIÇÃO DIRETA, PAIS, PERIODO, REGIME MILITAR.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco Apoio Governo/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente desta sessão; prezado Senador Cyro Miranda; prezado amigo, Senador Alvaro Dias, a quem cumprimento pela brilhante iniciativa; prezado amigo e Deputado Federal Luiz Pitiman, a quem agradeço por ter invertido a ordem das falas, para que eu pudesse falar neste momento. Muito obrigado, Pitiman, você é sempre muito gentil!

            Quero cumprimentar a Vice-Presidente Nacional do Secretariado do PSDB Mulher e viúva do nosso saudoso Dante de Oliveira, autor da proposta de emenda para eleição direta de Presidente da República, Srª Thelma de Oliveira; prezado Sr. Paulo Silva de Jesus, Diretor Técnico e Comercial da Companhia de Ethernet de Goiás, representando aqui o Governador Marconi Perillo; prezado Oswaldo Manicardi, secretário particular e assessor direto do nosso queridíssimo e saudoso Ulysses Guimarães.

            Quero, de forma muito especial, cumprimentar a Governadora Maria de Lourdes Abadia, que nos honra muito com sua presença nesta Casa; também o Deputado Osório Adriano e todos que nos honram com suas presenças nesta manhã/tarde de segunda-feira.

            Há trinta anos, com o movimento das Diretas Já, o povo brasileiro dava largada ao vitorioso impulso que levaria à retomada da sua soberania, negada desde 1964. Dava início, simultaneamente, à derrubada de um regime cuja grande marca, ao longo de mais de duas décadas de governo, foi a tentativa frustrada de matar o desejo de participação política na alma popular. E colocava em marcha, no mesmo passo, a sucessão de eventos que culminaria, pouco depois, na restauração da plenitude democrática, que, hoje, é o fundamento mais forte da vida em sociedade neste País.

            As gerações mais jovens certamente não guardam muitas lembranças dos riscos que envolviam, em meados dos anos 1980, a simples decisão de pôr em contato, na arena mágica da praça pública, os polos mais enfraquecidos da equação do poder àquela altura: o povo e a oposição democrática.

            Ora, vezes sem conta, esse encontro fora ensaiado, redundando sempre em decepção, em retrocesso e em perdas cada vez maiores do espaço de participação política das forças progressistas.

            Diante disso, me pergunto: o que fez com que o movimento das Diretas fosse bem-sucedido, como ponto de virada desse infeliz ciclo histórico de enfrentamento, desgaste e retrocesso? O que permitiu que a bandeira das Diretas Já, embora sem propriamente alcançar seu grande objetivo declarado - a imediata realização de eleições diretas para Presidente da República -, fosse vitoriosa, na prática, ao relançar as bases que viriam a garantir a vigência irrestrita do Estado democrático de direito entre nós?

            Creio que dois fatores principais terão sido decisivos em relação aos resultados dos eventos de 1984. O primeiro deles foi o grande grau de convergência e de unidade, paulatinamente alcançado no âmbito da representação política popular por meio da ação corajosa e inteligente de uma insuperável geração de Líderes, composta por protagonistas da estatura de Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Franco Montoro, Tancredo Neves e muitos outros.

            É sempre bom lembrar que as fraturas das forças progressistas constituíram, ao longo da história política nacional, o elemento que mais fortemente contribuiu para os momentos de domínio do reacionarismo, e jamais o espectro sadio da representação política brasileira esteve tão afinado quanto nos poucos meses que separaram os primeiros grandes comícios, na virada do ano de 1983, e a consagradora vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, no fim de 1984.

            Tão grande era essa convergência, Srªs e Srs. Senadores, que nem mesmo o imenso esforço que fez o Governo para derrotar no Congresso a Emenda Dante de Oliveira foi capaz de esmaecer a crença geral de que a hora da mudança havia finalmente chegado. Ao contrário, o que se viu foi a certeza de que, se a redemocratização não seria possível por meio da eleição de um novo Presidente pelo voto popular, ela viria pela construção de uma candidatura de consenso, cuja legitimidade seria consagrada em aclamação popular, ainda que, lamentavelmente, concretizada por via do mecanismo do Colégio Eleitoral.

            Ao fim e ao cabo, o que a história testemunhou, ao contrário do que imaginavam os estrategistas do autoritarismo, foi a vitória de uma unidade inabalável, uma unidade tão poderosa que não somente resistiu à sedução do fisiologismo governamental, mas foi capaz, ela mesma, de cooptar parte significativa da base parlamentar governista.

            Não é por outro motivo que estavam lá, nos palanques dos comícios das Diretas, figuras que jogariam papéis decisivos no futuro político do Brasil, personalidades como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que chegariam mais tarde ao exercício da maior magistratura do País, além de destacadas representações da sociedade civil, oriundas de instituições veneráveis, como a Associação Brasileira de Imprensa, na pessoa do inesquecível Barbosa Lima Sobrinho, a Ordem dos Advogados do Brasil, a CNBB e muitas outras.

            Mas tudo isso seria pouco, não fosse o outro grande fundamento da eficácia transformadora do movimento das Diretas Já: a extensa e vibrante participação daquele que é o ator por excelência do grande teatro da vida política: o povo. E o nosso querido mestre Miguel Arraes sempre diz que, quando o povo se une, isso obriga as lideranças políticas a se unirem.

            Sim, Sr. Presidente, foi o povo brasileiro a ponta de lança do processo histórico, que, uma vez completado, restituiu-lhe a própria soberania. Foi ele, o povo, a cola que cimentou o consenso entre as forças da oposição democrática. Foi ele a energia que movimentou as engrenagens da sociedade civil no desafio lançado ao poder dos ditadores. Foi sua esperança, a esperança do povo, o combustível que fez reflorescer entre nós, no já longínquo ano de 1984, o conceito de que não há poder legítimo, se sua fonte não repousa no solo firme da vontade popular.

            Com isso, torna-se claro, para mim, que louvar o processo de apoio à Emenda Dante de Oliveira, processo que passou à história como o movimento das Diretas Já, é louvar o poder do povo em fazer prevalecer sua vontade irresistível, sempre que ele assim efetivamente o queira.

            Em 1984, o povo brasileiro havia decidido que a ditadura agonizante dos generais haveria de ser varrida da história, e ela foi atirada pelo impulso irresistível da vontade popular.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, decorridos trinta anos, não é difícil recuperar um pouco da aura de esperança cívica que caracterizou o movimento das Diretas Já. Não é difícil constatar que, muito do que as praças do Brasil exigiram àquela época, já se incorporou à prática social e jurídica, nos dias de hoje, como é o caso do amplo exercício do direito ao voto, um entre outros exemplos possíveis na área dos direitos da cidadania. Mas, muito dos anseios que animaram aquelas multidões, anseios que certamente não se restringiam ao apelo símbolo às diretas, ainda se acham por concretizar.

            Uns apenas ganharam forma expressa no nosso ordenamento jurídico, sem ainda se fazerem matéria e realidade. É o caso, por exemplo, de muitos dos direitos individuais e coletivos, que, irrealizados na vida concreta da sociedade, permanecem mero comando programático no texto da nossa Constituição, e até mesmo de outras aspirações, que nem mesmo essa existência formal, meramente legal, lograram alcançar até este instante.

            Por isso, é importante não somente recuperar o sentido histórico do movimento das Diretas Já, mas também comparar o verdadeiro programa de futuro que transbordou daqueles palanques e da voz daquelas multidões que enchiam as praças com aquilo que o Estado brasileiro, esse Estado democrático e social, por vontade do povo, ainda não foi capaz de realizar.

            A promulgação da nova Constituição brasileira demorou quatro anos; a eleição de um Presidente pelo voto direto, cinco; a estabilização da moeda, dez; a redenção da porção mais atroz da miserabilidade, vinte e tantos anos, num processo que ainda hoje não se completou.

            Daí a importância da reflexão que, neste momento, faz este Plenário, num debate que me faz perguntar: até quando ficarão inatendidas as expectativas tão claramente expostas na Praça da Sé, na Candelária, no Anhangabaú, na Esplanada dos Ministérios? O que os próprios recursos da democracia poderão fazer para promover um fecho mais rápido desse ciclo, seja por meio da adoção de um nível mais efetivo de participação popular na ação de governo, seja por garantias mais efetivas de uma verdadeira alternância no exercício do poder?

            A democracia brasileira é forte, Sr. Presidente. E o é, em larga medida, pela injeção de ânimo cívico e democrático que para ela fluiu do processo histórico das Diretas Já.

            Mas é cada vez mais imperioso acelerar o passo das muitas conquistas sociais de que a democracia ainda é devedora ante o fiel da vontade popular. E cada vez mais imperioso que o povo não seja visto apenas como objeto passivo de benefícios que, de cima, o poder lhe concede. Ao contrário, já passa da hora de o povo brasileiro assumir papel mais diretivo na escolha dos rumos que deseja imprimir à vida coletiva.

            Em face desse singelo balanço do movimento das Diretas, não tenho dúvida em afirmar que ele ainda é eloquente, decorridos trinta anos, e capaz de inspirar a ação dos homens e das mulheres de bem neste País.

            Vivemos o maior período de democracia da história brasileira. Muitos lutaram, e lutaram fortemente, e muitos tombaram na conquista desta democracia.

            E muito avançamos com o apoio da população, com a pressão popular e com o apoio do Congresso. A própria conquista da Constituição de 1988, recentemente, a ampliação do voto aberto, a Lei da Transparência e o direito à Lei de Acesso à Informação são conquistas da cidadania brasileira. Mas os movimentos de junho demonstram, claramente, que a população não se contenta apenas com essa democracia. Não contesta a democracia, mas quer aprofundar a democracia, para que, efetivamente, possa garantir aqueles direitos inscritos na Constituição de 1988.

            Essa mensagem não é complexa, nem difícil de entender, nos dias de hoje. A hora é esta, Srªs e Srs. Senadores. Tal como naquela época, é hora de mudar. Estamos chegando ao final de um ciclo e é importante que, neste momento, as eleições presidenciais se prestem a um grande debate sobre o futuro do Brasil, em que as pessoas tenham a capacidade de perceber que não são donas da verdade, nem serão capazes de tolher o debate, porque a sociedade brasileira quer participar, a sociedade brasileira quer mudar, e quer mudar para melhor!

            Muito obrigado. (Palmas.).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/02/2014 - Página 12