Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para os problemas de abastecimento de água no Estado da Paraíba.

Autor
Cícero Lucena (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cícero de Lucena Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA, CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Alerta para os problemas de abastecimento de água no Estado da Paraíba.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2014 - Página 240
Assunto
Outros > IMPRENSA, CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ASSUNTO, ATRASO, ANDAMENTO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, SECA, AÇUDE, ESTADO DA PARAIBA (PB).

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, coincidentemente, o pronunciamento que farei neste momento tem a ver também com a espera do Velho Chico.

            Senador Inácio Arruda, V. Exª que também é membro da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização do Rio São Francisco, já tivemos oportunidade de, no ano passado, fazer visita ao eixo leste e ao eixo norte, a última vez em que estive com o Ministro, na cidade de Monteiro, em junho do ano passado, quando S. Exª assinou uma ordem de serviço para que as obras se iniciassem naquele trecho de Monteiro para o Rio São Francisco. Faz exatamente oito meses. Gostaria de dizer que não existe uma picareta, obviamente a ferramenta, nesse trecho da obra. Oito meses depois da ordem de serviço dada pelo Ministro deste Governo.

            Trago aqui uma reportagem, não a lerei completamente, mas peço ao Sr. Presidente que a transcreva nos Anais da Casa, que está no Caderno de Economia de O Estado de S. Paulo do último domingo, dia 23, que se chama: “Reportagem Especial: Os Tormentos da Seca. À Espera do Velho Chico. Nordestino sofre com atraso na transposição do São Francisco e uma seca que já entra no terceiro ano”. Mostra fotografias do Castanhão, dos pés de coco secando. A reportagem é de Alexa Salomão (textos) e fotografias de José Patrício.

            Vou ler, entre outras coisas, Sr. Presidente, a parte da reportagem que diz o seguinte:

Dilema da Água Sacrifica Empreendedor

Açude está com apenas 17% da capacidade e região de Souza, na Paraíba, enfrenta racionamento, com produtores lamentando os prejuízos

            Quero dizer que, em relatório da Agência de Águas do Estado, esse açude, que, no dia 24, foi citado como 17%, no dia 23 - obviamente que a reportagem foi feita um pouco antes -, já no dia 24, ou seja, ontem, ele se encontrava com 16,8%.

            Pois bem, Sr. Presidente, diz a matéria:

Neste começo de ano, instalou-se uma fornalha no Sudeste e no Sul do Brasil. Cidades como São Paulo, a Terra da Garoa, sofreram com temperaturas acima de 30 graus. Os moradores da capital ainda tomaram um susto ao saber que o Sistema da Cantareira, a principal fonte de água, estava com 20% da capacidade [de abastecimento].

            Eu quero dizer que no mesmo relatório da Agência de Águas, a que eu fiz referência, na Paraíba nós estamos com 31 açudes que abastecem cidades com menos de 20%. E temos mais 36 açudes com menos de 5%, que todos nós sabemos que a água se torna imprestável para o consumo humano.

            Voltando à reportagem:

O que tranquiliza é saber que os incômodos passam. Vai chover em algumas semanas. Fazer frio em poucos meses. O susto passa. Mas imagine se não passasse. Pois no interior do Nordeste, na região conhecida como Semiárido, é assim quase sempre. Nessa parte do Brasil onde vivem cerca de 13 milhões de pessoas - praticamente uma região metropolitana de São Paulo -, o clima pode ficar assim por anos. E ninguém sabe quando começa ou termina uma seca. Neste momento, por exemplo, a estiagem entra no terceiro ano. [E esta tribuna já ouviu muitas vezes eu clamar por ação, por planejamento, por atitude, por solidariedade por parte do Governo Federal.]

Como nessas condições a água é um bem raro e precioso, há uma escala de importância para o seu uso. Primeiro, corta-se o suprimento da agricultura. Em seguida, o dos animais. A prioridade é manter até a última gota para o consumo humano. O perímetro irrigado de São Gonçalo, no Município de Souza, na Paraíba, vive essa regra na prática.

Criada em 1972, essa gigantesca fazenda, com 7,5 mil habitantes e 2,5 mil empregados, depende exclusivamente do abastecimento do açude São Gonçalo. [Para esclarecer, isso não é uma fazenda é um assentamento de irrigantes com escola agrotécnica, com canais de irrigação e com uma grande e belíssima plantação de coco, que está se disseminando.] Há vários tipos de cultura no local, mas o destaque é a produção do coco verde, que, por sua qualidade, domina os mercados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Um coco vendido na praia de Ipanema e no Parque do Ibirapuera tem uma enorme probabilidade de ter sido cultivado por lá.

Em meados do ano passado, pela primeira vez na história, cortaram a água do perímetro para garantir o abastecimento de cidades como Souza. De lá para cá, o açude só fez baixar. Hoje está com 17% da capacidade [ontem, na verdade, estava com 16,8%], o que colocou a região, incluindo Souza, sob racionamento. Só há água a cada três dias na quarta cidade do Estado da Paraíba [quarta cidade em população].

Indignação. Entre os produtores do perímetro - há quase um ano sem água -, a indignação é generalizada. [Abro aspas para um agricultor sofrido da região de Souza] "O Governo gastou todo o dinheiro com os estádios da Copa e não sobrou para a transposição", diz o produtor Sidnaldo Silva Filho, 44 anos. Silva mantém a cultura de bananas a duras penas, com água de poços, mas perdeu produtividade. A receita na propriedade da família equivale a um terço da conseguida quando há chuvas normais.

A dois quilômetros dali, Pedro de Lira Maciel, de 60 anos, é só revolta. "Meus 600 pés de cocos morreram, vendi todas as 20 cabeças de gado que tinha para não ver os bichos com sede, faço bicos e peço dinheiro emprestado para terminar de pagar por essa terra, senão vão me tomar", diz Maciel. "Cadê a transposição do São Francisco que era a promessa de água para nós?"

Nas cidades à espera do Velho Chico, todos os moradores sabem de cor a proposta da transposição: perenizar rios, riachos e açudes, além de alimentar grandes adutoras, para garantir o abastecimento das cidades e liberar água para a agropecuária. Em resumo: fazer a emancipação econômica de uma das áreas mais carentes do País.

Isamar Félix Peixoto, de apenas 21 anos, pode dar uma aula sobre os futuros benefícios da transposição enquanto carrega o carro-pipa do pai nas águas do Açude Mãe D’Água, na cidade de Piancó, também na Paraíba.

Na vizinha Coremas, o agricultor aposentado João Alves Sobrinho, de 72 anos, lamenta o atraso da obra enquanto observa a ilha que emergiu no leito do açude de Coremas, outro que seca devagar: "O Governo tem uma riqueza medonha, não entendo porque a água do São Francisco ainda não chegou aqui", diz Alves.

Apesar de consumir cada vez mais recursos - o investimento agora é de R$8,2 bilhões, 70% a mais do previsto inicialmente -, a obra da transposição está com um atraso de 4 anos, no meio da maior seca em décadas. O Ministro da Integração, Francisco Teixeira, lamenta as perdas: "Eu entendo o sentimento dos produtores porque essa seca é penosa, mas o Governo tomou todas as providências para amparar a população e superar os muitos problemas que atrasaram a obra. A transposição será concluída em 2015", diz.

            Sr. Ministro, não é com um pronunciamentos como esse, em que V. Exª faz uma afirmação dessas, que vai matar a sede do povo sofrido da Paraíba, parte de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e do Ceará.

            Eu iniciei o meu discurso dizendo que sou da Comissão de Fiscalização. Em junho do ano passado foi dada a ordem de serviço na cidade de Monteiro e 8 meses depois, em fevereiro, não existe uma só picareta no trecho da obra - picareta, ferramenta, porque de outro tipo existe muito.

            Pois bem, Sr. Ministro, não faça uma afirmação dessas. O senhor sabe que não irá cumprir a sua palavra, porque não há condições técnicas, financeiras e físicas para executar, até 2015, a transposição para chegar a São Gonçalo, para chegar ao Eixo Leste, para chegar à cidade de Monteiro, para chegar a Boqueirão, em Campina Grande, ao Açude Engenheiro Ávidos, em São José de Piranhas, ao Açude de Açu, no Rio Grande do Norte, e, muito menos, a Castanhão, que a reportagem mostra os índices mais secos da sua história.

            Não é com uma palavra dessas, não é falseando a verdade que a água vai chegar para matar a sede de quem precisa.

            Continuando a reportagem:

No Nordeste, há 101 projetos de irrigação, 99 dependem de um açude. Entre os 37 que estão sob a gestão do Departamento Nacional de Obras contra a Seca, o Dnocs, 70% têm alguma restrição no abastecimento. “O Governo acabou com a fome e a escuridão no Nordeste, mas não consegue acabar com a sede.” [Quem disse isso não foi ninguém da oposição, não. Quem disse isso foi Sebastião Guimarães, Diretor do Dnocs, na região do Açude de São Gonçalo.] Ao receber a reportagem, ele pediu à secretária que servisse café. Ela saiu calada, mas foi pedir ajuda. Não havia água no prédio, nem para os banheiros, muito menos para o café - que, afinal, foi servido com a água oferecida pelo fotógrafo do Estado, [que entregou uma garrafinha de água mineral que levava na mochila.]

            Por isso, Sr. Presidente, estou lendo trecho dessa reportagem feita pelo Estadão no último domingo, dia 23, que tem como chamada principal À espera do Velho Chico.

            Não vou me estender mais, porque temos casos, por exemplo, de Severino Rodrigues, de 45 anos, que mora na área rural de Jaguaribe, a 20km do Açude Castanhão. Diariamente, faz seis viagens com o “Jegue”, como chama seu jumento, para pegar a água numa cisterna a 1km da casa a pau a pique onde vive com a esposa. No vaivém, enche a caixa d’água e dá de beber às poucas cabras. A renda do casal se resume ao Bolsa Família.

            Existem outros açudes que são exemplo do efeito das estiagens sobre os reservatórios: Chapéu (PE), 7% do total hoje; Entremontes (PE), 9%; São Gonçalo (PE), 17%; Coremas (PB), 27%; Mãe D’Água (PB), 29%; e Castanhão (CE), 38%.

            E repito, a Agência de Águas do Estado, na Paraíba, no dia de hoje, afirma que temos 31 açudes que abastecem as cidades com menos de 20% e outros 37 reservatórios com menos de 5%.

            Na semana passada, o Prefeito Edmilson, da Cidade de Teixeira, que é a serra, perto de Patos, esteve aqui comigo e me dizia: ”Senador, a Paraíba está em calamidade; e o que é pior: não vemos a ação coordenada, planejada, nem do Governo Federal nem do Governo do Estado. Hoje estou com 21 carros-pipa para abastecer a cidade e, se o senhor me pedisse para abastecer uma cisterna na zona rural da cidade de Teixeira, só posso abastecer daqui a 40 dias, porque o local mais próximo que está carregando os 21 caminhões é a 100km. E um carro colocado pelo Governo Federal, que tem como meta rodar 120km por dia, só faz uma viagem, e, portanto, só abastece a sua população, se hoje estiver precisando, daqui a 40 dias”. Essa é a realidade que o Nordeste está vivendo.

            No início da reportagem, ele faz a comparação com a pavorosa situação que o Brasil verificou com a estiagem no Sudeste, com a ameaça de racionamento de São Paulo, que tem mais de 13 milhões de habitantes -, estou falando de uma população de 13 milhões -, que precisa da transposição das águas do Rio São Francisco e de mais responsabilidade e compromisso verdadeiramente social com o povo daquela região. Não adianta fazer propaganda, botar sanfoneiro nas Caatingas do Nordeste como se a obra da transposição estivesse matando a sede do povo.

            Essa é a realidade. Não é um Senador de oposição que está falando, é um Senador que sente na pele, que conhece a dura realidade, que falta água para fazer café - como já vivi momentos de faltar água para cozinhar feijão -, que está pedindo que o Governo se esqueça da política da propaganda e leve a água do Velho Chico para salvar vidas humanas e também animais.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR CÍCERO LUCENA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- “À Espera do Velho Chico”, O Estadão;

- “Dilema da água sacrifica empreendedor”, O Estadão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2014 - Página 240