Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Elogio ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade e de outras comissões legislativas que têm trabalhado na investigação do período da ditadura militar.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Elogio ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade e de outras comissões legislativas que têm trabalhado na investigação do período da ditadura militar.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/2014 - Página 71
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, COMISSÃO NACIONAL, VERDADE, RELAÇÃO, TRABALHO, INVESTIGAÇÃO, PERIODO, DITADURA, MILITAR, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, FILHO, EX-DEPUTADO, ASSUNTO, REPUDIO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, DESAPARECIMENTO, RUBENS PAIVA, DEPUTADO FEDERAL, VITIMA, TORTURA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, Senador Jayme Campos, Srs. Senadores, felizmente, através da Comissão Nacional da Verdade e das Comissões de Verdade que estão em atividade nos mais diversos pontos do País, estamos conhecendo melhor fatos que, infelizmente, entristeceram o nosso País; fatos que ocorreram durante a ditadura militar, durante um tempo em que não havia liberdade de expressão, a imprensa era censurada, não havia a liberdade plena de reunião. Muitos eram perseguidos, mesmo que não tivessem cometido quaisquer delitos segundo a lei, mas, por causa de suas ideias - perseguidos, presos e torturados.

            A Comissão Nacional da Verdade foi instituída pela Presidenta Dilma Rousseff em um ato em que, justamente, reuniu os ex-Presidentes da República José Sarney, Fernando Collor de Mello, Luiz Inácio Lula da Silva - estaria presente Itamar Franco, se estivesse vivo, enfim - e Fernando Henrique Cardoso. Então, em um momento até de congraçamento, de unidade de propósitos entre aqueles Presidentes dos mais diversos partidos, foi instituída a Comissão Nacional da Verdade, que hoje é presidida pelo eminente professor de Direito Pedro Dallari.

            Dentre os fatos que as Comissões de Verdade estão apurando, seja lá em São Paulo - porque lá foi instituída também a Comissão da Verdade, na Assembleia Legislativa de São Paulo e, na Câmara Municipal de São Paulo, outra. Na Prefeitura Municipal de São Paulo, ainda na semana passada, em cerimônia presidida pelo Prefeito Fernando Haddad, em que tive a oportunidade de estar presente -, seja nas diversas Comissões de Verdade, inclusive aquelas em nível estadual e federal, como a do Rio de Janeiro, em cooperação com a Comissão Nacional da Verdade -, ainda no início de fevereiro, ouvi o depoimento de um coronel que atuou na ditadura militar de 1964 a 1985 e que corroborou informações difundidas nas últimas décadas por testemunhas, historiadores e ex-presos políticos, de que o Exército montou uma farsa para justificar o desaparecimento do ex-Deputado Federal Rubens Paiva.

            Conforme mostrou a reportagem do Jornal Nacional, o Coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos prestou depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, no final do ano passado, em que admite ter participado do que ele próprio chamou de um teatro montado.

            Rubens Paiva morreu após ser barbaramente torturado por militares, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1971, e seu corpo nunca foi encontrado. A versão oficial das Forças Armadas, sustentada até hoje, é de que Paiva desapareceu após seu carro - que era conduzido por militares que o escoltavam no banco do trás - ser cercado por dois outros veículos, ocupados por guerrilheiros, que abriram fogo. No meio do tiroteio, segundo a versão oficial, o ex-Deputado teria saído do banco de trás do Fusca - que foi incendiado - e desaparecido, após o resgate dos guerrilheiros.

            Há, contudo, inúmeros indícios que desmentem a versão difundida pelo Exército. O ex-tenente médico Amilcar Lobo atendeu Rubens Paiva à época e, em depoimento, ele disse que seu estado era crítico após as torturas.

            De acordo com o depoimento de Raymundo Ronaldo Campos à Comissão da Verdade, ele, que à época ocupava o posto de capitão, recebeu ordens do Major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, já falecido, para levar o carro até uma região inóspita do Rio e atear fogo para simular que o veículo havia sido interceptado por terroristas. Raymundo Ronaldo Campos afirmou ter conduzido o carro até o local onde ele foi queimado, no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

            No depoimento, ele contou ainda que, na companhia de outros militares, abriu o motor do carro e fez vários disparos, mas que o veículo só pegou fogo após eles botarem fogo no tanque de gasolina.

            O Capitão reformado do Exército afirmou, contudo, que não soube do destino do corpo de Rubens Paiva, tendo participado somente do - entre aspas - "cineminha armado pelo Exército" para, segundo suas palavras, "justificar o desaparecimento de um prisioneiro".

            Ora, aqui está uma informação que ainda não está completa, falta se saber exatamente qual foi o destino do corpo de Rubens Paiva. Espero que a Comissão Nacional da Verdade possa ainda completar as informações que não estão completas sobre o seu destino.

            Eu resolvi falar sobre Rubens Beyrodt Paiva, que nasceu em Santos, em 1929, foi eleito Deputado Federal pelo PTB de São Paulo em 1962, que participou da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou as ações do Ipes/Ibad, instituição que participou do Golpe de 1964, e que, após o Golpe, foi cassado. Rubens Paiva exilou-se na Iugoslávia e depois na França. Em 1965, voltou ao Brasil, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, mas manteve contato com os exilados. Em 1996, após a sanção da Lei dos Desaparecidos pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi emitido o seu atestado de óbito. O corpo, entretanto, nunca foi encontrado. Em 1971, foi levado por militares. Segundo o médico Amílcar Lobo, que atuava no DOI-Codi, Rubens Paiva morreu por causa das sessões de tortura no Rio. Mas, prontuário feito, em 1972, pela Marinha apontava Rubens Paiva como morto. Questionada, em 1993, a Força, a Marinha, omitiu esse dado, e o caso é, então, investigado pela Comissão da Verdade.

            Por que resolvi falar disso? Porque no jornal O Estado de S. Paulo, neste último final de semana, Marcelo Rubens Paiva, filho do Deputado Rubens Paiva, escreveu um admirável, belo artigo, publicado no Caderno 2 de O Estado de S. Paulo. Eu achei tão bonito esse artigo que resolvi trazê-lo à tribuna do Senado.

            Prezada Senadora Ana Amélia, prezado Senador Pedro Taques, eis aqui as palavras de Marcelo Rubens Paiva. Eu gostaria, inclusive, que o Senador Aécio Neves pudesse ter um pouco de atenção sobre as palavras de Marcelo Rubens Paiva.

Em 1995, Antônio Callado lembrou na sua coluna da Folha de S.Paulo do passeio de lancha:

“Outra recordação que me ficou nítida liga-se a Búzios. Ali fui, num fim de semana de 1971... Quando paramos a uns 100 metros da praia, vimos alguém, uma moça, que nadava firme em nossa direção. Minutos depois subia a bordo, cara alegre, molhada do mar, Eunice Paiva, mulher do deputado Rubens Paiva, amigo de Renato, amigo meu, de todos nós, um dos homens mais simpáticos e risonhos que já conheci. Eunice andara preocupada. Rubens fora detido pela Aeronáutica dias antes e nenhuma notícia sua tinha chegado à família. Mas agora Eunice, que fora também presa, mas em seguida libertada, podia respirar, tranquila, podia nadar em Búzios, tomar um drinque com os amigos, pois acabara de estar com o ministro da Justiça, ou da Aeronáutica, que lhe havia garantido que Rubens já tinha sido interrogado, passava bem e dentro de uns dois dias estaria de volta a sua casa. Dois dias depois, isto sim, os jornais recebiam uma notícia tão displicente que se diria que seus inventores não faziam a menor questão que fosse levada a sério: Rubens estaria sendo transferido de prisão, num carro, quando guerrilheiros que tentavam libertá-lo tinham atacado e sequestrado o prisioneiro. O que correu pelo Rio, logo que se suspeitou de sua morte, é que ele morrera às mãos, ou pelo menos de tortura diretamente comandada pelo brigadeiro João Paulo Penido Burnier, aquele mesmo que queria fazer explodir o gasômetro do Rio para pôr a autoria do crime na conta dos comunistas. A família Paiva nunca mais teve notícias oficiais de Rubens. Nunca se encontrou a cova onde o terão atirado depois do assassinato. A cara de Eunice continuou molhada e salgada durante muito tempo, tal como naquela manhã de Búzios. A água é que não era mais do mar.”

Li para ela, assim que a coluna foi publicada.

Reparei na minha mãe o sorriso.

Você se lembra? “Claro, foi dias depois de eu ser solta, eu estava magérrima, queimada, de biquíni, linda”, respondeu vaidosa.

A imagem da minha mãe queimada, magérrima, aliviada, linda, de biquíni, aos 41 anos, subindo “alegre” no verão de 1971 na lancha na praia de Manguinhos, perto da casa escondida na montanha, sem luz e telefone, do Françoise Moreau, para onde fomos depois de ficar 13 dias presa do DOI/Codi do Rio de Janeiro, não saiu da memória do Callado.

Escritor é assim: se lembra daquilo que escorre contradição.

O bom escritor não é o que se lembra de tudo, mas do essencial, e associa o sal da água a lágrimas que não são do mar.

Ela tinha perdido muitos quilos na prisão. Ficou numa cela de fundo, em que ninguém aparecia.

Nada de sol. No primeiro dia, foi chamada para depor. Provavelmente enquanto meu pai era torturado na sala ao lado. Ela não o viu. Viu sua foto no álbum de presos, o que a deixou contraditoriamente aliviada, pois então ele estava ali, nas mesmas dependências, vivo, mas angustiada, pois suas fotografias faziam agora companhia a presos “terroristas procurados”, “mortos em combate”, torturados!

Minha mãe não sabia de muita coisa.

Não conhecia detalhes da luta armada, organizações clandestinas, guerrilheiros na selva, nas cidades. Lia notícias filtradas pela censura ou autocensura de terroristas tombados em combate, sequestros de embaixadores, assaltos a bancos.

Meu pai, que sabia de muita coisa, a poupava por “questão de segurança”. Seria inútil torturá-la, apesar de ela saber que, mesmo visado, ele fazia alguma coisa contra o regime que o cassou e o exilou em 1964 e, então, ia à forra.

Pelas novas revelações, meu pai morreu na madrugada em que minha mãe foi presa, e seu corpo levado em seguida.

Ela foi deixada numa cela no fundo do corredor mais 12 dias.

Pra quê?

Melhor nem pensar...

Tenho um estranho agradecimento ...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Permita-me, Sr. Presidente.

Tenho um estranho agradecimento a fazer aos militares brasileiros: obrigado por não terem matado também a minha mãe.

            Aqui, Presidente Senador Jayme Campos, encerra esse belo artigo, o Marcelo Rubens Paiva, um dos melhores escritores brasileiros, um cronista do Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo, e é importante que possamos todos nos solidarizarmos com esta tragédia que ocorreu com essa família.

            Encaminho o meu abraço solidário a Marcelo Rubens Paiva e a todas as suas irmãs e ressalto o quão importante é o trabalho da Comissão Nacional da Verdade e de cada uma das comissões que estão revelando esses fatos que, na medida em que se tornarem bem conhecidos, estarão bem colocados na nossa memória para que fatos dessa natureza nunca mais possam acontecer em nosso Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/2014 - Página 71