Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para a violência nos estádios de futebol brasileiros; e outro assunto.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE, SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Alerta para a violência nos estádios de futebol brasileiros; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/2014 - Página 123
Assunto
Outros > ESPORTE, SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, LOCAL, ESTADIO, FUTEBOL, MOTIVO, CONFLITO, TORCEDOR, COMENTARIO, IMPORTANCIA, PUNIÇÃO, PREVENÇÃO.
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, ESTUPRO, VITIMA, MULHER, LOCAL, AEROPORTO, BOA VISTA (RR), ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, AUSENCIA, SEGURANÇA, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, MORTE, INFRATOR, PRISÃO.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, não é de hoje que confrontos em estádios de futebol se replicam em outros espaços. Foi o que se assistiu, mais uma vez, no último final de semana, em incidente com todas as marcas de barbárie.

            O clássico entre São Paulo e Santos terminou com um torcedor espancado até a morte, um baleado e outro ferido na cabeça, após agressão. Todos esses casos se registraram a mais de 20 quilômetros do local do jogo, o estádio do Morumbi, em São Paulo.

            Márcio Barreto de Toledo, de 34 anos e integrante da Torcida Jovem do Santos, morreu após ser agredido com barras de ferro. Após assistir ao jogo, ele foi até a quadra da torcida organizada, o que facilitou uma emboscada e o confronto dela resultante.

            Isso demonstra - se é que alguém ainda duvidava - que a violência no futebol migra dos estádios para as ruas com rapidez cada vez maior.

            Para o comandante do batalhão responsável pelo policiamento dos estádios paulistas, os vândalos deixaram de agir apenas nos estádios para operar também em regiões mais distantes.

            Existe já toda uma técnica de articulação nesse sentido. Os desafios e as brigas são marcados pela internet. A partir daí, montam-se emboscadas, assim como verdadeiras batalhas campais. Em tempos recentes, o Brasil assistiu a várias delas, em cidades tão diferentes quanto Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba.

            Desenhou-se toda uma técnica para os vândalos driblarem a ação da polícia. Comunicam-se, sempre pela internet, para mapear a presença de policiais e desviar seus próprios rumos. Existe ainda um componente de covardia, armando comandos para identificar e agredir torcedores desprevenidos.

            Ao mesmo tempo, as lutas e agressões nos estádio assumem grau de brutalidade nunca dantes visto no País. O confronto ocorrido na Arena Joinville entre torcidas do Vasco e do Atlético Paranaense chocou todo o Brasil, deixando quatro feridos graves e centenas com lesões menores.

            O mais constrangedor, contudo, foi assistir às cenas de selvageria. Também é constrangedor verificar que a brutalidade se espraia até para fora do território nacional, como se verificou com a morte de um menino, vítima de petardo disparado por torcedor brasileiro em Oruro, na Bolívia.

            Fica o registro de que a internacionalização da violência esportiva, se é que podemos usar essa expressão, já teve registros igualmente chocantes fora do Brasil. Permanece como exemplo dramático o confronto ocorrido em 19 de maio de 1985, na Bélgica, entre torcedores do Liverpool, da Inglaterra, e da Juventus, da Itália.

            A briga generalizada que se seguiu só terminou após se verificarem 39 mortes e mais de três centenas de feridos. A iniciativa da briga foi atribuída, na época, à agressividade da torcida inglesa, ou melhor, de núcleos de arruaceiros que delas participam, os chamados hooligans.

            Houve uma reação, mas recorreu-se apenas ao uso da força. Instalaram-se grades pontiagudas e eletrificadas nos estádios ingleses. Isso só agravou o quadro. Em 1989 ocorreu tragédia ainda maior. Na semifinal da Copa da Inglaterra, uma massa de torcedores do Liverpool que tentava chegar a um dos mais modernos estádios da Inglaterra à época, foi forçando a entrada pelos portões. A superlotação, aliada à falta de sinalização, esmagou os torcedores contra a grade que separava o campo das arquibancadas. As pessoas que morreram esmagadas chegaram a 96.

            Esse confronto não se tornou um marco apenas pelo grau inédito de violência. Constituiu também o ponto de partida para uma nova postura policial, iniciada na Inglaterra, que se concentrou em coibir os abusos dos torcedores.

            Criou-se um plano, a ser conduzido por um magistrado, que privilegiava o uso da inteligência. Partiu de reformas dos estádios, acabando-se com os chamados terraces - espaços abertos, como havia também nos estádios brasileiros, os “corredores” e a “geral” - onde se reuniam os hooligans. Foi-se, entretanto, muito além disso.

            Aliada à reforma dos estádios, foi criada uma política de prevenção da violência. Em vez de tentar conter os baderneiros depois do início dos confrontos, a polícia passou a identificá-los previamente.

            Todos os estádios ingleses tiveram de instalar sistemas de monitoramento por câmeras. Essa responsabilidade foi partilhada com os clubes. Com esse aparato, a polícia faz uma varredura virtual à procura de torcedores brigões. Assim que um vândalo é localizado, é retirado do estádio.

            Já avançamos nesse sentido. Aos poucos, os centros urbanos brasileiros passam a contar com redes de câmeras, colocados em pontos estratégicos, de modo a permitir a identificação dos vândalos e dos arruaceiros. Repare-se que participantes do confronto que levou à morte do torcedor santista no último fim de semana foram filmados por câmeras que permitiram até a identificação dos carros que usaram na emboscada.

            Ainda na Inglaterra, o embate entre policiais e torcida foi substituído pelo trabalho discreto de inteligência. Há um oficial escalado para estudar o comportamento dos torcedores de cada clube profissional inglês. Ele informa à polícia a identidade daqueles potencialmente mais perigosos.

            Deu resultado. As brigas tornaram-se cada vez menos frequentes no futebol inglês. Graças ao novo clima nos estádios, os jogos abriram-se a número cada vez maior de torcedores - que por sua vez deixaram de ser intimidados pelos bandidos - e o esporte de lá passou a viver uma nova fase de prosperidade.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, as autoridades brasileiras não estão inertes para o problema da violência nos estádios, assim como para a extensão dos confrontos entre torcedores fora deles.

            Os ministros do Esporte, Aldo Rebelo, e da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciaram há pouco um conjunto de nove propostas para tentar conter os casos de violência nos estádios brasileiros. Entre essas medidas está o aumento da responsabilidade dos times com torcedores envolvidos em brigas. Um dos pontos que será discutido para 2014 é a possibilidade de perda de pontos em casos mais graves.

            Trata-se de uma forma de envolver mais e mais os clubes nessa luta. Afinal, todos sabem que muitas vezes são as diretorias dos próprios clubes que financiam as torcidas organizadas e custeiam suas viagens para assistir às partidas das agremiações. Que tenham mais critério nesse sentido. As penas podem contribuir nesse sentido. Como diz o ministro Aldo Rebelo, muitas vezes os clubes temem mais a perda de três pontos do que de R$ 3 milhões.

            Entre as propostas anunciadas, há uma série de orientações que serão passadas para órgãos de justiça e segurança estaduais, federações e clubes, com o objetivo de unificar os procedimentos nos jogos de futebol. O Ministério do Esporte ainda se comprometeu a trabalhar para a conclusão do cadastro nacional de torcedores, que seria utilizado para impedir a entrada de brigões em eventos esportivos, seguindo punição prevista no Estatuto do Torcedor.

            Também os novos estádios, embora criticados pelos que se opõem à realização da Copa do Mundo no Brasil, representarão um avanço no sentido da pacificação. Seguem os mesmos moldes dos utilizados nos demais países para dificultar os encontros dos arruaceiros.

            É o caminho a seguir. O futebol é o esporte nacional. Aos poucos, vem conquistando novos segmentos da população brasileira. Há três ou quatro décadas era impossível imaginar que mulheres, idosos e crianças estariam nos nossos estádios. Hoje, eles constituem uma parcela muito significativa da torcida.

            Não podemos deixar que a cultura de paz criada no esporte brasileiro venha a ser ultrapassada pela violência, pela intimidação, pela arruaça, pela morte. Dentro e fora dos estádios.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, antes de encerrar, registro um gravíssimo incidente ocorrido em Boa Vista, na capital de nossa Roraima. Falávamos aqui de barbárie. Pois foi justamente a que se assistiu em Boa Vista.

            Uma jovem de 18 anos foi estuprada no banheiro feminino do Aeroporto Internacional de Boa Vista, na última segunda-feira. Chegava para trabalhar, em uma das franquias do aeroporto, quando foi agredida por um homem, armado de uma faca.

            O acusado foi localizado pouco depois, nas proximidades do aeroporto. Já fora detido por dois crimes, mas respondia em liberdade. Confessou a violência sexual e foi conduzido à Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista. Sete horas depois foi encontrado morto. Tudo indica que tenha sido vítima de assassinato.

            Há aí uma sequência de violências inadmissíveis. É inconcebível que uma mulher seja agredida e molestada em espaço público, movimentado, como um aeroporto. Obviamente, houve aí falta da presença do estado, com a ausência de policiamento preventivo.

            A seguir, ocorre assassinato em uma instituição penitenciária, em que a vítima é um detento, por cuja integridade física o Poder Público tem toda a responsabilidade. Em ambos os casos houve uma evidente falha do estado. Não se pode conviver com isso. Os cidadãos deste país precisam ser protegidos e a violência não pode se expandir como, infelizmente, vem acontecendo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/2014 - Página 123