Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 07/03/2014
Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Destaque à Campanha da Fraternidade de 2014, a qual possui como tema “Fraternidade e Tráfico Humano”; e outro assunto.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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IGREJA CATOLICA, SEGURANÇA PUBLICA, DIREITOS HUMANOS.:
- Destaque à Campanha da Fraternidade de 2014, a qual possui como tema “Fraternidade e Tráfico Humano”; e outro assunto.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/03/2014 - Página 64
- Assunto
- Outros > IGREJA CATOLICA, SEGURANÇA PUBLICA, DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
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- APOIO, CAMPANHA, PROMOÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), COMBATE, TRAFICO, PESSOAS, ENFASE, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA, GARANTIA, AUXILIO, CIDADANIA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DOCUMENTO, ASSUNTO, PRONUNCIAMENTO, MENSAGEM (MSG), PAPA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Senador Paulo Paim, Senador Jorge Viana e Senador Valdir Raupp, como o Senador Paulo Paim também quero aqui destacar a Campanha da Fraternidade e, como ambos, Paulo Paim e Jorge Viana, também expressaram, a minha homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
Para refletir sobre a Campanha da Fraternidade, eu gostaria aqui de ler o artigo de excelente qualidade de Dom Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida e Presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, publicado, na quarta-feira, na Folha de S.Paulo:
Um crime que envergonha a humanidade.
A ultrajante realidade não nos permite ficar indiferentes [ao tráfico humano] e nos cobra uma atitude. A igreja tem dado sua contribuição [...].
No ano de seu cinquentenário, a Campanha da Fraternidade traz um tema complexo e de dimensões universais: o tráfico humano.
Colocado entre as atividades mais rentáveis no mundo, chega a movimentar cerca de US$32 bilhões por ano, segundo a ONU. Como ficar indiferente a esse crime que atenta contra a vida e a dignidade dos filhos e filhas de Deus?
O papa Francisco classificou-o como "uma atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades, que se dizem civilizadas!" "Exploradores e clientes de todos os níveis deveriam fazer um sério exame de consciência diante de si mesmos e perante Deus!"
Realizada durante a Quaresma, tempo especial de conversão e de busca de santidade, a Campanha da Fraternidade é um convite para que toda sociedade brasileira também faça um exame de consciência diante desse crime.
Há pelo menos 4 modalidades de tráfico de pessoas. A primeira é a exploração sexual, que atinge principalmente as mulheres, inclusive crianças e adolescentes. Os aliciadores utilizam-se, entre outras coisas, da pornografia, do turismo e da internet para alcançar seus objetivos. Fazem do corpo uma mercadoria que se usa para fins lucrativos, ferindo de morte a dignidade da pessoa humana, imagem e semelhança de Deus.
A segunda é a exploração do trabalho escravo, cujas vítimas são, em sua maioria, homens. Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que, entre 2003 e 2012, foram registrados 62.802 casos de trabalho escravo ou análogo a escravo. Nessas situações, o trabalho se torna uma maldição que desfigura a pessoa humana e avilta seus direitos de liberdade e dignidade.
A terceira modalidade do tráfico humano é para a extração de órgãos para transplantes. No Brasil, ganhou repercussão a chamada Operação Bisturi, deflagrada em 2003 pela Polícia Federal. Em Recife, as vítimas vendiam um de seus rins e iam a Durban, na África do Sul, para se submeter à cirurgia de retirada do órgão. Um atentado contra os elementares princípios da ética sobre os quais se assenta a vida humana.
É importante frisar que a Campanha da Fraternidade não trata da questão de doação de órgãos sobre a qual a Igreja tem posição favorável clara. Vemos isso, por exemplo, na encíclica Evangelium Vitae: "Merece particular apreço a doação de órgãos feita segundo normas eticamente aceitáveis para oferecer possibilidades de saúde e de vida a doentes, por vezes já sem esperança" (n. 86). A campanha vem condenar os que usam da prática ilegal e criminosa de compra e venda de órgãos, aproveitando-se da vulnerabilidade social e econômica das vítimas e aliciando-as com a promessa de riqueza fácil.
Há, ainda, o tráfico de crianças e adolescentes seja para fins de adoção ilegal, seja para exploração no trabalho. Na década de 1980, cerca de 20 mil crianças brasileiras foram enviadas ao exterior para adoção.
A ultrajante realidade não nos permite ficar indiferentes e nos cobra uma atitude. A Igreja tem dado sua contribuição por meio da Pastoral da Mobilidade Humana, a Pastoral da Mulher Marginalizada e o Grupo de Trabalho de Combate ao Trabalho Escravo. Além disso, congregações religiosas e várias pastorais têm dado assistência a muitas vítimas do tráfico humano, ajudando-as na sua volta ao convívio social. Mas sempre podemos fazer algo mais.
O Estado também precisa intensificar suas ações para a erradicação dessa vergonha que é o tráfico humano. Urge estruturar o sistema de atendimento às vítimas, bem como sua reintegração social e a diminuição de sua vulnerabilidade.
A esperança cristã nos faz crer que nenhum mal tem a palavra final. Que a ressurreição de Cristo, para a qual nos leva a Quaresma, nos livre da “indiferença globalizada” e seja nossa força na luta contra o mal do tráfico humano.
Assim, conclui Dom Raymundo Damasceno Assis.
Eu gostaria aqui de mostrar o símbolo da Campanha da Fraternidade, que são quatro mãos levantadas, no cartaz da Campanha da Fraternidade. “É para a liberdade que Cristo nos libertou.” Esse cartaz, com as quatro mãos levantadas, quer refletir a crueldade do tráfico humano. As mãos acorrentadas e estendidas simbolizam a situação de dominação e exploração de irmãs e irmãos traficados e o seu sentimento de impotência perante os traficantes. A mão que sustenta as correntes representa a força coercitiva do tráfico, que explora vítimas que estão distantes.
Quero aqui lembrar que, para atender o apelo da Campanha da Fraternidade, temos procurado, no Senado e na Câmara dos Deputados, já aprovada, a lei que instituirá, por etapas, a Renda Básica de Cidadania, que poderia ter enorme efeito sobre esses problemas aqui descritos, tanto por Dom Raymundo Damasceno Assis como também pela mensagem do Papa Francisco, enviada aos brasileiros, em que ele ressalta:
Sempre lembrado do coração grande e da acolhida calorosa com que me estenderam os braços na visita de fins de julho passado, peço agora licença para ser companheiro em seu caminho quaresmal, que se inicia no dia 5 de março, falando-lhes da Campanha da Fraternidade que lhes recordo a vitória da Páscoa: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” [...]. Com a sua Paixão, Morte e Ressurreição, Jesus Cristo libertou a humanidade das amarras da morte e do pecado. Durante os próximos quarenta dias, procuraremos conscientizar-nos mais e mais da misericórdia infinita que Deus usou para conosco e logo nos pediu para fazê-la transbordar para os outros, sobretudo aqueles que mais sofrem: Estás livres! Vai, ajuda os teus irmãos a serem livres.
Neste sentido, visando mobilizar os cristãos e pessoas de boa vontade da sociedade brasileira para uma chaga social, qual seja o tráfico de seres humanos, os nossos irmãos bispos do Brasil lhes propõem este ano o tema Fraternidade e Tráfico Humano.
Peço que seja transcrita a íntegra da mensagem do Papa Francisco.
Mas quais instrumentos poderão colaborar especialmente para acabar com o tráfico humano, as práticas de escravidão que ainda, por vezes, acontecem, como registrado nas palavras de Dom Raymundo Damasceno?
Lembro-me de quando o padre da Pastoral da Terra nos convidou para estarmos ali em romaria no sul do Pará, para ouvirmos o testemunho de trabalhadores que tipicamente estavam em condições de trabalho escravo. Ali, diante da rodoviária, do hotel e do restaurante, nos explicavam os trabalhadores, vinha o fazendeiro, ou seu capataz, ou gerente da fazenda e dizia a eles - isso explicaram os trabalhadores: “Vocês podem entrar aqui no caminhão e no ônibus e irmos lá para a fazenda, 400, 500km daqui.” E para lá eles iam - segundo a explicação - para cortar a floresta, roçar a terra, prepará-la, plantar e colher e receberiam um tanto. E para lá foram.
Após 3 ou 4 semanas, disseram ao gerente da fazenda:
- Está na hora receber, trabalhamos um bocado.
- Por enquanto, vocês estão devendo.
- Mas como estamos devendo se trabalhamos tanto já?
- Vocês compraram aqui na venda mais do que têm o direito de receber!
- Bom, se for assim, vou embora.
- Se quiser ir embora, vai levar um tiro.
E muitos levaram tiros.
Da mesma maneira, aquela jovem que, por falta de alternativa, conforme explicado na mensagem de Dom Raimundo Damasceno, às vezes, se vê instada a vender o seu corpo; o jovem que é instado pelas mesmas razões de falta de condição de sobrevivência na sua residência para prover até alimentos para a sua família resolve, então, se tornar o aviãozinho da quadrilha de narcotraficantes.
No dia em que houver uma renda básica como um direito à cidadania incondicional para - se fosse hoje - os 201 milhões de brasileiros e brasileiras e até para os estrangeiros aqui residentes há cinco anos ou mais, essas pessoas vão ganhar o poder de dizer: “Não, agora não vou aceitar essa única alternativa que me aparece pela frente, que vai ferir a minha dignidade, que vai colocar a minha saúde e a minha vida em risco. Agora posso aguardar um tempo, quem sabe até fazer um curso, até que surja uma alternativa mais de acordo com a minha vocação.”
É nesse sentido, pois, que a Renda Básica de Cidadania elevará o grau de dignidade e liberdade a todos. Por isso, eu quero transmitir a Dom Raimundo Damasceno e a todos que abraçaram essa causa que estou no aguardo de a Presidenta Dilma responder à sugestão que eu próprio e mais 81 Senadores fizemos a ela, ainda em 25 de outubro último, em carta que entreguei pessoalmente em suas mãos, para que ela forme um grupo de trabalho para estudar quais serão as etapas da instituição da Renda Básica de Cidadania.
Sr. Presidente, eu gostaria de, aqui, hoje, nesta minha conclusão, fazer uma referência ao artigo que o Deputado Jean Wyllys escreveu, quando expressou a sua solidariedade ao menino Alex, que foi morto a pancadas pelo próprio pai para que “tomasse jeito de homem”. Alex, natural de Mossoró, Rio Grande do Norte, fora enviado pela mãe ao Rio de Janeiro para viver com o pai, desempregado e envolvido com o tráfico de drogas, porque ela, mãe de outros três filhos, também criados por terceiros, poderia perder a guarda de Alex por não enviá-lo à escola, já que não tinha meios para tal.
Aqui, diz Jean Wyllys que se lembra muito de tudo o que aconteceu quando ele próprio saiu de casa, na Bahia. Ele diz:
Talvez seja a proximidade do aniversário de 40 anos, talvez seja o acúmulo de sentimentos não processados devido ao trabalho árduo dos últimos três anos, mas a verdade é que ando à flor da pele... Hoje tive uma crise de choro ao ouvir [disse Jean Wyllys], vinda da lanchonete da esquina, a música "No dia em que eu saí de casa".
A letra descreve quase que em detalhes o episódio de minha vida [de Jean Wyllys], e, por isso mesmo, as lembranças de minha mãe foram tão inevitáveis quanto as lágrimas.
“No dia em que eu saí de casa
Minha mãe me disse
Filho, vem cá!
Passou a mão em meus cabelos
Olhou em meus olhos
Começou falar
Por onde você for eu sigo
Com meus pensamentos
Sempre onde estiver
Em minhas orações
Eu vou pedir a Deus
Que ilumine os passos seus
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meus motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Eu bem queria continuar ali
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar de minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar
A minha mãe naquele dia
Me falou do mundo como ele é
Parece que ela conhecia
Cada pedra que eu iria por o pé
E sempre ao lado do meu pai
Da pequena cidade ela jamais saiu
Ela me disse assim:
Meu filho, vá com Deus
Que este mundo inteiro é seu”
Depois de ouvir essa música, ainda sentado ao computador ...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) -
... para concluir uns textos, eu li a matéria de O Globo com essa história a que acabo de me referir. Olhei a foto do enterro de Alex, e meu coração se apertou ao perceber que não havia quase ninguém lá. Sozinha, aquela semente indefesa e esmagada violentamente por sua natural exuberância não tinha ninguém por ela na despedida dessa vida, que lhe foi tão injusta. Meu coração se partiu e não pude controlar os soluços de choro. Por um instante, vi-me naquele caixão sem futuro.
Semelhante a Alex, quando criança, eu também não tinha jeito de homem. Gostava de brincar com as meninas de roda, de desenhar no chão com palitos de fósforo riscados e pegava, escondido as bonecas de plástico baratas de minhas primas. Semelhante ao Alex, eu gostava de cantar e dançar. Eu me tornava vítima de injúrias e insultos desde que me entendo por gente. Cresci sob apelidos grosseiros e arremedos feitos pelos de fora. Naquela miséria em que eu vivia na infância, trabalhando desde os dez anos de idade nas ruas, o meu "jeitinho" me fazia vulnerável. E eu sabia disso ou, ao menos, intuía; por isso, dediquei-me aos estudos e ao exercício da minha inteligência. Busquei ser um menino admirável na escola e na Igreja para que meus pais não tivessem desculpas para me bater por aquilo que eu não podia mudar em mim. Nem minha mãe amada nem meu pai, que já se foi, me espancaram por eu ser diferente, mas, ante os insultos e as injúrias de que eu era vítima, ambos me pressionavam com olhares e cobranças, e meu pai, em particular, com um distanciamento.
Minha estratégia de sobrevivência deu certo [diz Jean Wyllys], em casa e na escola. Transformei-me num adolescente inteligente e admirado. No movimento pastoral, aprendi a me levantar contra as injustiças (inclusive contra aquelas de que eu era vítima); aprendi o que era a homossexualidade e que havia outros iguais a mim, o que me levou a passar da vergonha para o orgulho do que era. Cursei, depois de um disputado vestibular, um dos mais cobiçados colégios técnicos da Bahia. E virei orgulho de meus pais, irmãos e de todos os meus familiares e vizinhos que me insultaram. Tanto que, no dia em que saí de casa de vez, rumo a Salvador, os olhos de minha mãe amada diziam: “Meu filho, vá com Deus que esse mundo inteiro é seu”. E é!
Mas eu e outros poucos que escapamos dos destinos imperfeitos ainda somos exceções. A regra é ser expulso de casa ou fugir como meio de sobreviver; é descer ao inferno da exclusão social e da falta de oportunidades; ou ter o futuro abortado pela violência doméstica, como aconteceu com o pequeno Alex...
Hoje eu quis [diz Jean Wyllys], do fundo de meu coração, ter encontrado Alex antes de sua morte violenta e trazê-lo para perto de mim; quis voltar o tempo e livrá-lo da miséria em Mossoró e das mãos de seu algoz; de chamá-lo de “filho”; olhar em seus olhos e dizer: “Por onde você for, eu te seguirei com meu pensamento pra te proteger”; quis apresentá-lo à minha mãe para que ela dissesse, a ele, “seu pai era igual a você quando criança e hoje eu tenho muito orgulho dele”...
Não deu, Alex. O destino nos contrariou: não nos quis juntos. Mas, em minhas orações, eu vou pedir a Deus, se é que ele existe mesmo, que ilumine sua alma...”
E, assim, concluiu Jean Wyllys esse bonito texto, e quero, aqui, lembrar, houvesse, já, em vigência, a Renda Básica de Cidadania, muito provavelmente não teria ocorrido essa situação tão difícil que fez com que a mãe de Alex o mandasse para o Rio de Janeiro.
Então, assim, Sr. Presidente, peço que seja considerado o texto, não apenas de Dom Raymundo, mas, também, a íntegra da palavra do Papa Francisco.
Muito obrigado.
DOCUMENTOS ENCAMINHADOS PELO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)
Matérias referidas:
- Mensagem do Papa Francisco para a Campanha da Fraternidade 2014.
- Solenidade da CNBB abre a Campanha da Fraternidade de 2014.
- Raymundo Damasceno de Assis: um crime que envergonha a humanidade;