Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões acerca das causas da impunidade em crimes contra a vida no Brasil.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA, JUDICIARIO.:
  • Reflexões acerca das causas da impunidade em crimes contra a vida no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/2014 - Página 207
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA, JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, IMPUNIDADE, BRASIL, LOTAÇÃO, ESTABELECIMENTO PENAL, DEMORA, JULGAMENTO, PROCESSO, JUSTIÇA.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em sua edição do último dia 21, o jornal Correio Braziliense, desta capital, publicou com grande destaque matéria intitulada “Impunidade contra a vida”.

            A notícia comentava a recente divulgação do Mapa da Violência de 2013 e contrapunha aos estarrecedores dados sobre crimes contra a vida ocorridos no Brasil a constatação de que a impunidade, infelizmente, é rotina em nosso País.

            O periódico informa ainda, com base no citado levantamento, que, no Brasil, ocorrem, anualmente, 27,1 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Para piorar a situação, diz a matéria, dados do Conselho Nacional de Justiça obtidos pelo Correio mostram que os tribunais estaduais só conseguiram julgar 10,6% do total de ações de homicídios dolosos de denúncias recebidas até 2009, ou seja, um décimo das ações recebidas até 2009, o que permite supor a existência de um grande número de denúncias mais recentes ainda longe de uma decisão.

            Esse acúmulo, informa o jornal, representa um grande desafio para as cortes na tentativa de cumprir a meta estabelecida pela Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp) de promover o julgamento de 80% dos casos até outubro de 2014.

            Formada por integrantes do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Ministério da Justiça, a Enasp é responsável por promover a integração dos órgãos de segurança e traçar metas de combate à violência, atualizadas a cada ano.

            Esses dados demonstram, sobejamente, que a Justiça brasileira não consegue acompanhar a escalada da violência, proporcionando à sociedade e aos próprios criminosos uma sensação de impunidade que realimenta a prática de infrações.

            Na verdade, essa lentidão, tanto na esfera judicial quanto na esfera policial, acontece por diversos motivos: escassez de pessoal, estrutura inadequada, falta de qualificação, entraves burocráticos. O fato é que a população, vendo os bandidos na rua, sente-se absolutamente insegura.

            Quando o cidadão toma conhecimento de um crime bárbaro e, logo a seguir, descobre que o criminoso tinha extensa ficha policial, a conclusão é iminente: os bandidos estão soltos.

            No entanto, nossos presídios estão abarrotados, em muitos casos com detentos de menor periculosidade que ali estão, sob a responsabilidade do Estado, se especializando na prática de crimes de maior gravidade. Nos crimes relacionados às drogas, por exemplo, há um grande número de usuários ou dependentes presos como traficantes, em razão da ampla margem de subjetividade aberta pela lei. Queremos alterar esse quadro, tornando os critérios mais objetivos, como estou propondo no substitutivo que apresentei à CCJ ao PLC n° 37, de 2013.

            De todas as falências do nosso sistema penal, a falência do sistema prisional é, de longe, a mais gritante. Além de remontar nossa sociedade ao período medieval, de contrariar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, submetendo os detentos a condições degradantes, ela tem ainda um caráter perverso, por contribuir para tornar esses detentos ainda mais cruéis e perigosos.

            A situação dos presídios brasileiros é tão gritante que já provocou o funcionamento, na Câmara dos Deputados, de uma comissão de inquérito: a CPI do Sistema Carcerário. A conclusão a que chegaram os nossos colegas Parlamentares não poderia ser de outra forma, foi idêntica à de entidades como a Anistia Internacional ou a ONG Human Rights Watch: prisões superlotadas, detentos amontoados como lixo humano, maus tratos, condições de insalubridade, falta de assistência médica, proliferação de doenças. E mais: convívio de presos primários ou de baixo potencial agressivo com detentos reincidentes e de alta periculosidade.

            Indignada, a população expressa frequentemente uma percepção distorcida de que os presos não podem ser bem tratados se milhões de trabalhadores não conseguem proporcionar conforto a suas famílias. A indignação e o sentimento de impotência, Sr. Presidente, impedem o cidadão comum de julgar as diversas situações adequadamente. De um lado, o aparato prisional deve ser mais rigoroso, impedindo, por exemplo, que traficantes continuem “dando as cartas” no mundo do crime a partir de suas celas; de outro lado, é preciso lembrar que o detento está sob custódia do Estado, que é responsável por sua integridade física e psicológica e que esse detento um dia retornará ao convívio social. Mas com que perspectivas? Hoje, apenas 8,6% dos presos têm acesso a alguma forma de educação e somente 20% podem participar de algum programa de trabalho.

            Para complicar a situação prisional ainda mais, o Conselho Nacional de Justiça constatou um déficit, em todo o Brasil, de 208 mil vagas. Temos 550 mil pessoas presas no total; e, ao mesmo tempo, um grande número - 43% da população carcerária - de detentos que aguardam julgamento. Nós somos o quarto País do mundo em número de presos. Muitos desses, certamente, ficarão nos presídios tempo superior ao que for fixado, da mesma forma que muitos detentos, pobres e sem instrução, permanecem presos após terem cumprido sua pena integralmente.

            Uma das alternativas que se impõem, para fazer justiça aos presos de menor potencial agressivo e, ao mesmo tempo, para abrir vagas para encarcerar os mais perigosos, é a aplicação de penas alternativas, o que, com raras exceções, ainda não é uma realidade entre nós.

            Além das mazelas do sistema carcerário, impõe-se agilizar a Justiça, o que requer um aumento do número de magistrados, modernização dos procedimentos burocráticos e medidas sobre as quais parece não haver consenso, como a redução do número de recursos do sistema penal.

            Embora essa questão divida os especialistas em Direito Criminal, deve estar na pauta de qualquer debate sobre o funcionamento do nosso Judiciário. Há alguns meses, o Subprocurador-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo Sérgio Turra Sobrane, que é também professor de Direito Penal, destacou a quantidade excessiva de recursos em nossas leis criminais - nada menos que onze recursos -, sendo que muitas dessas leis podem ser repetidas. “Temos muitas vezes - disse à Folha de S.Paulo - os embargos dos embargos dos embargos, e isso não termina nunca. Os processos ficam numa repetição de teorias argumentativas que só atrasam o desfecho das causas.”

            A ponderação de Sobrane encontra eco na opinião do jurista Luiz Flávio Gomes, ex-juiz e membro da Comissão de Reforma do Código Penal, instituída por esta Casa. Para ele, o número excessivo de recursos aumenta a possibilidade da ocorrência da prescrição de crimes. Diz ele: “Muitas vezes o advogado entra com um recurso exatamente para buscar a prescrição. É uma estratégia que fica às mãos dos advogados em virtude de um equívoco nosso de excesso de liberalismo”, acrescenta.

            O que Luiz Flávio Gomes e diversos outros juristas constatam é que “a Justiça criminal brasileira atua morosamente, inclusive nos casos de crimes graves”; que essa morosidade contribui para a impunidade ou a sensação de impunidade; que essa impunidade gera estímulo para o cometimento de novos crimes; que os recursos financeiros, materiais, pessoais da Justiça criminal são extremamente escassos; que a morosidade ou a descrença no sistema criminal estimulam a possibilidade da vingança privada, o desejo de fazer justiça “com as próprias mãos”, como, aliás, temos visto em episódios recentes nas maiores metrópoles brasileiras.

            Srs. Senadores, o Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, José Ricardo Costa, lembra que existem 20 mil juízes no Brasil e reconhece que esse número não é suficiente para atender à demanda com celeridade. O conselheiro Walter Agra, do Conselho Nacional de Justiça, lembra que os casos de júri só recentemente passaram a ser vistos como prioritários com a fixação de metas para a realização dos julgamentos. Ele acredita que a estratégia de fixar metas dará maior agilidade ao sistema penal.

            Esperamos, portanto, Sr. Presidente, que encarecemos a necessidade urgente de outras medidas, algumas das quais acabamos de listar, antes que seja tarde demais, antes que a própria Justiça fique desacreditada, que a impunidade prevaleça sobre as leis do nosso País. Que haja um esforço comum do Poder Legislativo, do Poder Executivo, para que cada vez mais possamos colocar nas mãos da Justiça, do Ministério Público e das Polícias Federal e Estaduais os instrumentos de que carecem para a consecução dos objetivos nacionais, entre os quais se encontra fazer justiça ao povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/2014 - Página 207