Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da Democracia e dos direitos fundamentais; e outro assunto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, FORÇAS ARMADAS.:
  • Defesa da Democracia e dos direitos fundamentais; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2014 - Página 56
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • COMENTARIO, CANTOR, MULHER, PROIBIÇÃO, ATUAÇÃO, PERIODO, REGIME MILITAR, ENFASE, IMPORTANCIA, LUTA, DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS.
  • DEFESA, LUTA, DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA, PAIS, COMENTARIO, HISTORIA, REGIME MILITAR.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Mozarildo Cavalcanti, nesta semana vai ocorrer algo muito especial, porque 33 anos após ter sido proibida de cantar, pelo então governo militar, na Pontifícia Universidade Católica, no tradicional TUCA, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica, a cantora Joan Baez, uma das que mais se destacou nos anos 60, 70 e 80 na luta pela não violência, ela que foi colega, amiga de Martin Luther King Jr., com ele participou das marchas pelos direitos civis, pelos direitos iguais de votação, entusiasmada pela causa da luta pela não violência, ela que, durante a guerra do Vietnã, resolver ir a Hanói para ali presenciar o maior bombardeio já realizado pelo seu próprio país contra o Vietnã e gravou nada menos do que 15 horas de bombardeios, com as pessoas gritando e tudo, para depois levar essa gravação à Nova York e mostrar aos seus conterrâneos aquilo que estava ocorrendo, na sua infatigável luta pela paz... Ela que também esteve na Irlanda, propugnando a todos que usassem dos métodos da não violência, que seguissem os exemplos de Mahatma Gandhi e de Martin Luther King Jr. 

            Essa cantora que, em 1981, veio ao Brasil, mas também antes à Argentina, ao Uruguai e ao Chile, ao tempo em que esses quatro países viviam sob ditaduras militares, e que foi objeto de proibições, perseguições e até de dificuldades imensas, documentadas por um dos amigos dela que filmou toda essa viagem e que relata isso em importantes entrevistas.

            E ela própria, na sua autobiografia, num livro publicado em 1987, And a voice to sing with (Uma voz para cantar), da Summit Books, Simon & Schuster, dá uma aula geral sobre tudo o que ocorreu na sua vida, e eu vou citar alguns trechos.

            É muito importante que possamos aqui dar as boas-vindas a Joan Baez.

            E, segundo a reportagem de Gustavo Brigatti, ainda ontem em Porto Alegre, a primeira cidade onde ela cantou, depois de “33 anos de espera para ver e ouvir uma das maiores musas da contracultura. Uma demora que, pela reação da audiência, valeu a pena. Demonstrando um domínio raro de público e repertório, Joan Baez finalmente estreou em solo brasileiro, na noite dessa quarta-feira, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre”.

            Ela vai seguir para Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.

            Ainda diz Brigatti:

Por aqui, Joan, 73 anos, encontrou um Araújo Vianna cheio - cerca de 2,8 mil pessoas saíram de casa para assistir a uma das figuras centrais da música folk voltada para o combate político e a denúncia social. E assistiram como se no palco se desenrolasse um culto, entremeando momentos de silêncio absoluto com explosões de catarse coletiva.

Os momentos de silêncio foram reservados às canções que eram pouco conhecidas da maior parte da audiência, como God is God, do seu disco mais recente, Day After Tomorrow (2008). Ou a doce Just the Way You Are, com Joan acompanhada apenas de piano e sua assistente fazendo segunda voz. Ou Flora, sucesso do cancioneiro de Peter, Paul and Mary. Nas vezes que explicou, com a ajuda de uma “colinha” em português o que uma determinada música queria dizer, também fez-se silêncio - até para, depois, rir com ela de sua inabilidade com o idioma.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Suplicy, eu peço licença, sei que é uma indelicadeza interrompê-lo, mas estamos recebendo uma delegação de Senadores da Áustria. Temos a Embaixadora da Áustria aqui. Acabei de recebê-los em audiência na presidência. Era só para registrar a honra, a satisfação, de receber colegas Senadores da Áustria no plenário do Senado Federal.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Permita-me, então, saudar também os Senadores e a Embaixadora da Áustria, país que conheço. Conheci Viena aos 21 anos, em 1962, mas lá voltei para participar de um dos congressos internacionais da Basic Income European Network, que depois se transformou em Basic Income Earth Network. Sei que na Áustria se debate intensamente a renda básica como um direito à cidadania para todos.

            É interessante ver a evolução da Europa. A Suíça, por exemplo, resolveu fazer um referendo sobre se vão ou não pagá-la aos oito milhões de habitantes da Suíça. Nada menos do que 126 mil pessoas na Suíça entregaram, dia 4 de outubro último, um documento propondo ao Parlamento, e, quando mais de 100 mil pessoas o fazem, o Parlamento é obrigado a fazer o referendo no espaço de 4 anos. Isso vai acontecer na Suíça, com grande repercussão em toda a União Europeia. Estive lá algumas vezes. A Áustria é um país de extraordinária beleza e seu povo merece todo o nosso carinho e atenção.

            Mas eu aqui lhes digo quão importante é para nós, brasileiros, perceber que, naquela época dos 21 anos de regime militar, não tínhamos eleições diretas para a Presidência, para elegermos o prefeito das capitais, das estâncias climáticas, não havia liberdade efetiva de imprensa. Tantos shows e peças de teatro, como Roda Viva, de Chico Buarque, e peças do Arena, do Teatro Oficina, foram proibidos; shows, como o da própria Joan Baez, uma cantora que apenas se empenhava para que as transformações no mundo se dessem de maneira pacífica, também foram proibidos.

            Eu quero aqui relembrar que, no dizer de Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas”.

            Na democracia, embora se respeite a vontade da maioria, os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias têm que ser protegidos.

            Os cidadãos numa democracia não têm apenas direitos, têm o dever de participar no sistema político, que, por seu lado, protege os seus direitos e as suas liberdades.

            As sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância, da cooperação e do compromisso. As democracias reconhecem que chegar a um consenso requer compromisso e que isto nem sempre é realizável. Nas palavras de Mahatma Gandhi, "a intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático".

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Tenho lido notícias, pelas redes sociais e pela imprensa em geral, que alguns grupos planejam realizar uma marcha no próximo sábado, dia 22 de março, para enaltecer a intitulada "Marcha pela Família, com Deus pela Liberdade", realizada em São Paulo, em 19 de março de 1964, em resposta ao comício que teve lugar na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com a presença do Sr. Presidente, o Dr. João Goulart, em 13 de março daquele ano.

            Eu tinha 22 anos quando os militares deram o golpe de Estado, em 1964, e estabeleceram um regime de exceção no País, que não queremos mais que venha a acontecer. À época, eu era estudante e presidente do centro acadêmico da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Mesmo tendo crescido no seio de uma família que defendia mudanças na linha do governo João Goulart,...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ...já avaliava que as reformas estruturais de base propostas eram necessárias e, em função disso, fui crítico do golpe militar de 1964. Como presidente do centro acadêmico da FGV, promovi debates com os professores e estudantes.

            E, após longa reflexão, fizemos uma votação em que a maioria dos estudantes, felizmente, votou para que houvesse o respeito à Constituição e não houvesse a derrubada do Presidente que substituiu Jânio Quadros após a renúncia e, portanto, havia sido eleito inclusive com mais votos do que o Presidente Jânio Quadros.

            Sim, é verdade que meus familiares até participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, pelo menos alguns deles, mas o movimento foi uma reação de parte do empresariado, parcela do clero conservador, entre outros grupos sociais, contra as reformas do então Presidente João Goulart, que acabou sendo deposto no dia 1º de abril daquele ano.

            Mas meus pais sempre tiveram muito carinho e sempre respeitaram as minhas atividades e nunca me censuraram por isso. Eu não fui à Marcha porque percebi que era um movimento bastante conservador, e, pelo meu lado, não poderia defender qualquer estímulo ao golpe militar.

            Estabelecidos no poder, os militares não realizaram, como até indicaram no início, um período curto de transição para a democracia.

            Vinte e um anos se passaram e, nesse período de exceção, além da mácula da tortura, das prisões ilegais e do sofrimento imposto a várias famílias de brasileiros que defendiam o retorno imediato do regime democrático, o Brasil, como nação, e seu povo perderam muito de sua identidade, que, agora, tentamos a duras penas, com avanços e retrocessos, resgatar.

            Somente para ilustrar as dificuldades que vivemos, posso citar o caso da bomba do Riocentro, que agora está sendo esclarecido pela Comissão Nacional da Verdade, e o da censura imposta a um show da cantora Joan Baez, em 23 de maio de 1981, um ícone da música internacional e uma incessante defensora dos direitos políticos e humanos dos povos. A impossibilidade de pensar, de dialogar com liberdade foi o bem maior que nos foi retirado pelo regime de exceção.

            Hoje, passados quase 30 anos do fim desse regime, ainda continuamos na luta para resgatar o tempo perdido, para melhorar as instituições democráticas, principalmente a partir da promulgação da Constituição da República de 1988, que restabeleceu os direitos e garantias individuais e inovou em diversos pontos, com o estabelecimento de direitos sociais, que procuram proteger as minorias e as classes...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ...menos favorecidas de nosso País.

            O Brasil tem evoluído no caminho de conscientização política de seu povo. Nesse processo, toma vulto o enorme esforço que temos feito no campo da educação e do ensino e na distribuição mais equitativa da renda.

            Desde a campanha pelo impeachment, em 1992, não havia manifestações políticas de rua com tantas pessoas simultaneamente em várias cidades do País. É verdade que as atuais não se comparam em número com as havidas na campanha das Diretas Já, que ainda continuam sendo o maior movimento de massas da história do País.

            Mas não podemos deixar de ter presente que é a democracia que garante a liberdade para as manifestações. Nessa linha, avalio que a proposta de reviver os argumentos que conduziram ao estabelecimento do golpe de 1964, mesmo sendo possíveis, porque vivemos num regime democrático, devem ser bem pensados, uma vez que não podem pender para, mesmo que descabida na atual cultura política de nossa gente, o cerceamento dos ganhos sociais obtidos com a retomada da normalidade democrática.

            É preciso tolerância e respeito ao próximo, e essas devem ser as palavras de ordem quando se fala do direito de reunião e de manifestação. Todos têm o direito de se manifestar, de expor suas ideais publicamente, desde que as manifestações sejam realizadas de modo pacífico, sem qualquer tipo de violência, seja contra o patrimônio público ou privado, seja, principalmente, violência contra as pessoas.

            Que bom que Joan Baez esteja no País nestes dias! Eu estarei lá no domingo, às 18 horas, em São Paulo, no Teatro Bradesco, para ouvir as suas belas canções e seus poemas, sobretudo por causa da sua fibra e vontade de prosseguir na batalha pela construção de um mundo justo, mas através de meios pacíficos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Jorge Viana.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2014 - Página 56