Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o problema do tráfico de pessoas no Brasil, tema da Campanha da Fraternidade 2014.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.:
  • Considerações sobre o problema do tráfico de pessoas no Brasil, tema da Campanha da Fraternidade 2014.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2014 - Página 143
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • APOIO, CAMPANHA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), COMBATE, TRAFICO, PESSOAS, ENFASE, NECESSIDADE, REDUÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, TRABALHO ESCRAVO, AUMENTO, RESPEITO, DIREITOS SOCIAIS, DIREITOS HUMANOS.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Srªs e Srs. Senadores, a Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema o tráfico de pessoas no Brasil e no mundo. Lançada na Quarta-Feira de Cinzas, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a campanha traz um tema tão inquietante, quanto desafiador.

            O tráfico de pessoas é a prática de recrutamento, transferência, transporte, alojamento ou acolhimento de pessoas, para a exploração sexual, para o trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de servidão ou de remoção de órgãos, conforme a Convenção de Palermo.

            Para o êxito de tal prática, os criminosos recorrem à ameaça, ao uso da força, à coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade frente a uma situação de vulnerabilidade.

            Fruto de um modelo de desenvolvimento econômico mundial que privilegia a competitividade e o lucro, em detrimento do valor da vida, o tráfico de seres humanos, nos leva a concluir que as vítimas desse sistema não passam de uma mercadoria.

            Para termos ideia dessa realidade, vale saber que, somente na área de exploração econômica, a negociação de trabalhadores gera, por ano, em todo o mundo, algo em torno de R$ 32 bilhões.

            Em repúdio a este tipo de postura e condenando o crime de tráfico de pessoas, o Papa Francisco, disse: “O tráfico de pessoas é uma atividade desprezível, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas”.

            As palavras do líder maior da igreja católica me tocaram, precisamente, como cidadã e como política. Por isso, fiz questão de vir a esta tribuna, chamar a atenção de toda a sociedade brasileira para a problemática social do tráfico de pessoas, que ocorre em todo o mundo, mas que se evidencia vergonhosamente em nosso país; logo, diz respeito a todos nós, cidadãos públicos e anônimos.

            As preocupações da CNBB tem origem em dados que mostram que a exploração sexual vem aumentando muito, nos últimos tempos, especialmente, durante os grandes eventos esportivos. Segundo a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), na Alemanha, a exploração sexual aumentou em cerca de 30%, em 2006, e na África do Sul, esse crime chegou a 40%, em 2010.

            No Brasil, neste cenário de Copas do Mundo, além da exploração sexual, outro fato que preocupa os religiosos brasileiros, é o número de trabalhadores, que estão vivendo sob regime de escravidão, durante a preparação das cidades que sediarão os eventos mundiais de 2014 e 2016, que acontecerá em nosso país.

            Ao longo de sua história, a Igreja Católica brasileira, já abordou outras questões importantes que estão no dia a dia das pessoas; muitas delas, polêmicas, mas todas de interesse público. Quem acompanha as campanhas da fraternidade da CNBB deve lembrar que, de temas como: a fome (1985), o conflito fundiário (1986), crianças e adolescentes carentes (1987), os meios de comunicação (1989), o desemprego (1999), os efeitos danosos das drogas (2001), a defesa da vida (2008), a água no planeta (2011), Saúde Pública (2012) e Juventude (2013).

            Com o tema deste ano, a CNBB assume sua posição de se colocar do lado todas aquelas pessoas que, vivendo em situação de pobreza e de grande vulnerabilidade social e econômica, tornam-se presas fáceis do tráfico humano, sendo usadas no trabalho, na retirada de órgãos e no mercado da prostituição. Em países pobres, as populações socialmente vulneráveis, tornam-se a matéria prima deste negócio, pois são garantia de mão de obra barata.

            Não é sem razão que as pessoas que se tornam vítimas do tráfico humano, são atraídas com falsas promessas de melhores condições de vida em outras cidades ou países, onde passam a ser cruelmente usadas e escravizadas, gerando fortunas para pessoas que inescrupulosas.

            De acordo com Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em 2005, cerca de 2,5 milhões de seres humanos eram traficadas em todo o mundo. Segundo a OIT, 43% destes, eram usados para a exploração sexual, 32% para a exploração econômica e 25% para os dois ao mesmo tempo.

            No caso do tráfico para exploração econômica, a negociação de trabalhadores rende por ano cerca de US$ 32 bilhões no mundo; um crime que conta com a força do crime organizado, em todas as modalidades.

            O Brasil, é um grande fornecedor de mão de obra para o trabalho escravo, seja na economia do mundo seja no comércio do sexo. No inferno do trabalho escravo e da exploração sexual que ocorre no Brasil e no exterior, as mulheres e as crianças são as maiores vítimas, sendo, em geral, submetidas ao trabalho forçado e ao tráfico sexual.

            A prática de tráfico de pessoas para exploração sexual e trabalho escravo, senhores senadores, não é de agora. Desde 1995, as unidades móveis de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho, já libertaram cerca de 34 mil pessoas, graças às fiscalizações realizadas, por determinação e vontade política do governo federal.

            Mas, verdade seja dita, este crime continua a ser praticado, apesar da ação enérgica do governo federal que, além de fiscalizar os atos, multa os criminosos. Os valores destas multas são aplicados na infraestrutura do combate ao tráfico humano.

            No campo da produção, milhares de vítimas brasileiras são submetidas a trabalho escravo em acampamentos de mineração e extração de madeira, fazendas de gado milho, algodão, soja e carvão, em plantações de cana-de-açúcar, na construção civil e no desmatamento, o que denuncia, claramente, o vínculo do tráfico humano com a degradação ambiental, especialmente na Amazônia brasileira.

            Na prostituição, a situação das vítimas de tráfico de pessoas piora, ainda mais. Há mulheres e crianças brasileiras que estão sendo exploradas sexualmente, em países vizinhos, como Suriname, Guiana Francesa, Guiana e Venezuela. Mas muitas mulheres brasileiras são encontradas em países europeus como Itália, Espanha, Reino Unido, Suíça, Holanda, França, Portugal e Alemanha, além dos Estados Unidos e o Japão.

            Isso sem falarmos no caso de transgêneros brasileiros, que são forçados à prostituição no país, na Espanha e na Itália.

            A situação é preocupante. O primeiro levantamento publicado pela União Europeia sobre o tráfico de seres humanos em todo o continente, constatou que as brasileiras estão entre as três nacionalidades - Brasil, Nigéria e China - que são mais frequentemente alvo do tráfico de pessoas.

            Os dados deste levantamento, baseados em informações colhidas até 2011, revelam que mais de 2 mil mulheres estrangeiras são identificadas a cada ano no continente europeu, como vítimas do tráfico e do trabalho escravo moderno.

            Este levantamento mostrou que entre 2008 e 2010, 330 brasileiras foram identificadas como vítimas do tráfico de pessoas, o que equivale a cerca de 15% de todas as vítimas estrangeiras de tráfico de seres humanos, registrado nos 28 estados do bloco continental.

            A constatação é de que o fenômeno ganhou força, com um aumento de 18% no número de casos no período estudado (2008/2010). Segundo o levantamento, 62% dos casos identificados estavam relacionados com a exploração sexual, e os outros 25% ligados aos casos de trabalho forçado.

            Quando se fala de crianças e adolescentes que são iscas do tráfico de seres humanos, a coisa toma proporções absurdas. No Brasil, o turismo sexual infantil ocorre, em especial, em áreas costeiras e em complexos turísticos como o Nordeste do país, para onde turistas que vêm da Europa e dos Estados Unidos, em busca de sexo com crianças.

            De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), o número de denúncias de tráfico de crianças e adolescentes no Brasil, registrado Disque 100, aumentou 86% entre 2012 e 2013. Somente, em 2013, foram feitas, segundo o serviço telefônico disponibilizado pelo governo federal, 186 denúncias de tráfico de seres humanos, envolvendo crianças e adolescentes; uma média de quase uma a cada dois dias. Especialistas afirmam que a maior parte do tráfico de crianças atende ao mercado de exploração sexual e adoção ilegal.

            Para nossa tristeza, o Meu Estado de Roraima aparece como uma das principais rotas do tráfico de seres humanos. E sobre esse quadro problemático, de tráfico de pessoas em regiões de fronteira e em metrópoles de intenso movimento de turismo, já me posicionei, nesta mesma tribuna, repudiando, com veemência, a prática verificada em nosso Estado.

            À época, respaldei-me em dados de uma Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil, realizada pela ONU, que revelaram a existência de 241 rotas de tráfico de pessoas, sendo 110 relacionadas ao tráfico interno (intermunicipal e interestadual) e 131 ao tráfico internacional.

            De acordo com esta pesquisa, as regiões mais pobres do Brasil apresentam maior concentração de rotas de tráfico de pessoas. E, neste tenebroso cenário, a região Norte, onde estamos situados, tem a maior concentração de rotas do país. São, conforme o levantamento, 76 rotas no Norte, 69 no Nordeste, 35 no Sudeste, 33 no Centro-Oeste e 28 no Sul.

            Roraima é alvo deste fenômeno dos tempos atuais. De acordo com Ivone Salucci, conselheira do Direito da Criança e do Adolescente estamos vivendo sob o jugo de uma rota de tráfico. A conselheira diz que há relato de mulheres e homens brasileiros que foram aliciados também para garimpos na fronteira.

            Fazendo, minhas as palavras da conselheira, alerto aos pais para a existência de aliciadores do tráfico, que estão indo para o entorno das escolas, em busca de moças para colocar em situação de escravidão, tanto do abuso sexual como da prostituição.

            A conselheira denuncia, ainda, que em um perfil feito pela Embratur na Europa, aponta que as mulheres indígenas são aliciadas para o tráfico humano. No geral, como já disse, a prática de tráfico de seres humanos, se dá como enfrentamento à lei e às autoridades.

            Dados oficiais revelam que somente entre 2005 e 2011, foram registrados pela Polícia Federal (PF), 157 inquéritos por tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual. Os dados constantes do primeiro relatório com a consolidação das informações existentes sobre o Tráfico de Pessoas no Brasil elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça (SNJ/MJ), em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) revelam que o Poder Judiciário teve 91 processos distribuídos, com este crime.

            A Campanha da Fraternidade contra o tráfico de pessoas é o enfrentamento que todos nós devemos fortalecer. Esta prática religiosa, que acontece durante o período da quaresma, é um convite da Igreja Católica aos seus fiéis. A igreja pede que aos cristãos se prepararem para a Páscoa, que vem a seguir.

            Por fim, quero reafirmar meu contentamento com a determinação da Igreja Católica de tratar de um assunto tão urgente, que é o tráfico de pessoas. Mas, precisamente da condição de vulnerabilidade social, econômica e pessoal a qual ainda estão subordinadas milhões que pessoas ao redor do planeta. Sinto-me, desta forma, contemplada em minha ação política e cristã.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2014 - Página 143