Discurso durante a 41ª Sessão Especial, no Senado Federal

Destinada a lembrar os 50 anos do golpe civil e militar de 1964, nos termos do Requerimento nº 56/2014, de autoria do Senador João Capiberibe e outros Senadores.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO, FORÇAS ARMADAS, ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Destinada a lembrar os 50 anos do golpe civil e militar de 1964, nos termos do Requerimento nº 56/2014, de autoria do Senador João Capiberibe e outros Senadores.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2014 - Página 19
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO, FORÇAS ARMADAS, ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ELOGIO, REALIZAÇÃO, SESSÃO ESPECIAL, CINQUENTENARIO, DITADURA, APOIO, MEMORIA NACIONAL, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), RESISTENCIA, REGIME MILITAR, BRASIL, PREJUIZO, DIREITOS SOCIAIS, DIREITOS HUMANOS, ECONOMIA NACIONAL, CENSURA, REPRESSÃO, NECESSIDADE, LUTA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente, Senador Capiberibe.

            Quero cumprimentar, da mesma forma, o Senador Pedro Simon, que compõe a Mesa; a querida amiga Deputada Janete Capiberibe; cumprimentar José Maria Rabelo, Luiz Cláudio Cunha, Marcos Magalhães; e, por fim, esse homem que, ao lado de tantos outros, tanto contribuiu e ainda contribui com o País, uma pessoa a quem quero muito bem - aprendi muito quando com ele fui Deputada Federal -, que é o nosso querido Governador, Ministro Waldir Pires. É um prazer muito grande revê-lo!

            Quero dizer, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, embaixadores que aqui estão, embaixador do Equador, que esta sessão carrega em si uma importância e um simbolismo muito forte para o País, para o povo brasileiro, para a nossa história, para a democracia brasileira, mas carrega um simbolismo muito forte também, Senador Capiberibe, para o meu Partido, o PCdoB.

            Já há alguns meses, esta Casa tem procurado reescrever, se não escrever, tem procurado consertar algumas das tristes passagens da nossa história, da história do País, como a recente anulação da sessão que declarou vaga a Presidência da República e a consequente perda do mandato do Presidente que foi democraticamente eleito pelo povo brasileiro, João Goulart.

            Esse reparo histórico tem o simbolismo de também reparar pelo menos um pouco da história de milhões de brasileiros que tiveram os seus próprios direitos cassados naquela noite.

            Aqui, ouvimos muitas passagens, Governador Waldir Pires, de todos os oradores que me antecederam, e eu também aqui no meu pronunciamento vou falar sobre algumas dessas passagens, dos acontecimentos da época. Mas quero resgatar o fato de que - repito aqui - cassados não foram só os que viviam intensamente a política daquela época, mas aqueles que foram impedidos de viver.

            Eu era muito pequena, quase um bebê, quando aconteceu o Golpe no Brasil e senti e só percebi isso em 1979, quando entrei para a universidade, a Universidade Federal do Amazonas, e lá encontrei os prédios daquela universidade pública federal todos pichados de “anistia ampla, geral e irrestrita” e eu não sabia o que significava aquilo. Foi quando percebi que eu também tive o meu direito de informação cassado completamente, e não pude ser uma jovem militante secundarista, porque, no colégio, não podia desenvolver qualquer tipo de ação.

            Então, esse é um momento importante, e fico feliz, Senador Capiberibe, que o Senado organize esta sessão, tendo muito o que falar, tendo muito o que dizer. Aqui embaixo há uma exposição maravilhosa. O Senador Randolfe com Senador Pedro Simon apresentaram o projeto que devolveu o mandato a Jango. Enfim, é muito importante vivermos esse momento no Parlamento brasileiro.

            O povo brasileiro nunca se conformou - tenho certeza e convicção absoluta - com o arbítrio, com a implantação da ditadura, com a cassação, repito, dos seus direitos.

            O Golpe de Estado ocorrido entre 31 de março e 1º de abril de 1964 foi o início de um momento de 21 anos de perseguições, torturas, de achatamento de salários, da monumental concentração de renda, das cassações, do silêncio forçado da nossa sociedade, dos artistas, da cultura brasileira, de todo o povo.

            Fomentado, financiado e alimentado pelos interesses norte-americanos, o Golpe foi a parte mais difícil e cruel de uma disputa que se arrastava desde a Revolução de 1930 - a disputa entre o desenvolvimento e a subordinação ao império, sobretudo ao imperialismo norte-americano.

            Para alguns setores, era imperdoável que o Brasil avançasse na direção de sua autonomia plena e que os trabalhadores dispusessem de todos os seus direitos. Utilizavam-se, à época, do expediente de afirmar que o País avançava rumo ao comunismo.

            Aliás, ontem ou hoje - não sei -, há uma entrevista muito importante de Almino Afonso sobre o livro que está sendo lançado hoje em São Paulo e que resgata exatamente isto: como naquela época, Governador Waldir, tomou corpo não só na sociedade, mas, sobretudo, nos meios de comunicação o fato de que o governo João Goulart preparava um golpe em conjunto com os comunistas. Esse foi apenas um dos pretextos para poder fazer com que, à força e na marra, a força do atraso vencesse as forças do progresso.

            Uma parte, como disse, importante e grande da elite e dos meios de comunicação preferiu apostar no medo e no preconceito para jogar o País nas trevas. Esses mesmos setores já haviam realizado uma intensa campanha com o mesmo tom contra o Presidente Getúlio Vargas. Todavia, à época, não contavam com o gesto do Presidente Vargas, que saiu da vida para entrar na história.

            Retomaram o ímpeto golpista com os levantes militares de 1956 e 1959 contra o Presidente Juscelino Kubitschek e a tentativa, ainda, de impedir a posse do Vice-Presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

            O meu Partido, o PCdoB, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores convidados, esteve presente em todos esses momentos, lutando dentro e fora dos marcos da legalidade para que o Brasil e os trabalhadores pudessem continuar avançando.

            O Golpe Militar, entendemos nós, do PCdoB, teve dois aspectos principais. Primeiro, sua natureza antidemocrática, manifestada já nos primeiros atos do governo, com cassações de mandatos parlamentares, prisões de lideranças sindicais, operárias e de jovens lideranças estudantis.

            Segundo, para promover uma profunda mudança em nossa economia com a imposição do arrocho salarial, da retirada dos direitos dos trabalhadores, sobretudo com o intuito de beneficiar o imperialismo e o grande capital, principalmente o estrangeiro, gerando, desde aquela época, falências de empresas nacionais, desemprego e perdas salariais para os trabalhadores.

            Mas, imposta a ditadura, deu-se início à resistência. A ditadura durou 21 anos à custa de muita repressão, de perseguições, torturas e assassinatos a quem lhe fizesse oposição, todos eles encarados como "inimigos internos".

            Aqui, mesmo, nesta Casa, a ditadura cassou os Senadores Juscelino Kubitschek; Aarão Steinbruch; Arthur Virgílio Filho, lá do meu Estado do Amazonas; João Abraão Sobrinho; Mário de Sousa Martins; Pedro Ludovico Teixeira; Wilson de Queirós Campos; e Marcello Alencar.

            Para calar as vozes que resistiam à ditadura, impôs-se a censura a toda produção artística, cultural e intelectual que resistia ao arbítrio, e mesmo jornais conservadores que haviam apoiado o Golpe foram submetidos a ela.

            Contra o terror do Estado, repito, ampliou-se a resistência, e também resistência armada. Assim, como disse o Presidente do meu partido, Renato Rabelo - abre aspas: "A demanda por uma resistência mais ousada, armada, não era uma questão somente levantada pelo PCdoB. Essa consciência avançada batia à porta exigindo uma tomada de atitude para se enfrentar o banditismo de um regime truculento e sanguinário, fascistizante."

            Sem abandonar a luta nas cidades, foi assim que o PCdoB organizava a resistência no campo à Guerrilha do Araguaia. Mas não tardou até que, sem qualquer ação pelos guerrilheiros já mobilizados para a região do Araguaia, no dia 12 de abril de 1972, a ditadura militar atacasse o Araguaia. A ação repressiva durou mais de dois anos e envolveu, no total, cerca de dez mil soldados, na maior mobilização militar brasileira desde a 2ª Guerra Mundial.

            E aqui eu quero registrar e aproveitar para abrir um parêntese para, publicamente, do plenário do Senado, cumprimentar os técnicos e os jornalistas do jornal Amazonas em Tempo, que, na edição dominical do dia 30 de março, de ontem, portanto, divulgaram mais de seis encartes, todos eles representando determinados episódios importantes da ditadura. E um deles totalmente dedicado à Guerrilha do Araguaia.

            Poucos foram os guerrilheiros que sobreviveram. Uma parte morreu em combate; outros foram presos, torturados e executados. Até hoje os corpos de quase todos eles continuam desaparecidos - continuam desaparecidos. Para derrotar a Guerrilha, a repressão cometeu inúmeras atrocidades, como torturas, roubos e assassinatos contra pessoas do povo da região que apoiavam o movimento ou eram suspeitas de fazê-lo.

            Enfurecida com a guerrilha, a ditadura não contente apenas com a luta do Araguaia, exacerbou a perseguição ao Partido Comunista do Brasil. E, entre 1972 e 1973, foram presos, assassinados na tortura dirigentes como Lincoln Cordeiro Oest, Carlos Danielli, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque. Nos anos seguintes, ainda foram assassinados Armando Frutuoso e Ruy Frazão.

            Hoje, o exemplo do Araguaia, Senadora Janete, tem sido esse exemplo que é o próprio exemplo de coragem dos guerrilheiros, dos jovens guerrilheiros e guerrilheiras, e a disposição que tinham de pagar com a própria vida a ousadia de enfrentar a ditadura.

            Não dúvida nenhuma, ainda nos dias atuais, impulsionam setores importantes da população brasileira e, em especial, da juventude a se engajarem não mais na luta armada, mas na luta democrática, na luta legal, para que a nossa jovem democracia possa ser consolidada, para que todos os mecanismos democráticos se firme definitivamente em nosso País e contribuam para a construção de uma sociedade justa e de uma sociedade mais igual.

            Nomes como os de Osvaldão, Osvaldo Orlando Costa; Dina, Dinalva Oliveira Teixeira; Juca, João Carlos Haas Sobrinho; Fátima, Helenira Rezende; Ferreira, Antônio Guilherme Ribeiro Ribas; e tantos outros guerrilheiros e guerrilheiras encontram-se hoje na galeria de heróis do povo brasileiro. Isso é muito importante para a nossa história e para a história do nosso próprio País.

            A repressão contra o Comitê Central não parou nos idos de 73. Ela continuou, Senador Pedro Simon. Era tão frenético o ódio que os militares tinham da direção do meu Partido, que, sabendo eles serem poucas pessoas - homens honestos, trabalhadores, pais, mães de família -, não resistiram. Foi aí que, em 16 de dezembro de 1976, o Exército e a ditadura promoveram a Chacina da Lapa, na cidade de São Paulo.

            A casa onde estavam os dirigentes do Partido Comunista reunidos foi invadida, e eles todos foram atacados. Pedro Pomar e Ângelo Arroyo foram assassinados na ocasião, e João Batista Drummond, morto posteriormente na tortura.

            Além deles, os nossos dirigentes, até hoje militantes e dirigentes, Haroldo Lima, Aldo Arantes, Elza Monnerat e Wladimir Pomar, além do motorista Joaquim Celso de Lima e da caseira Maria Trindade, foram presos e brutalmente torturados à época. Era a vingança da ditadura contra aqueles que ousaram organizar a guerrilha, a resistência armada no Araguaia.

            O golpe contra o PCdoB foi profundo, mas o Partido manteve-se unido e atuante e reorganizou sua direção no exterior, tendo à frente João Amazonas. E, hoje, podemos dizer: o PCdoB, também nesse ano em que se completam os 50 anos da ditadura militar, do Golpe Militar, é o ano em que o Partido Comunista do Brasil completa 92 anos.

            E, nós, nessa data simbólica, temos procurado, como disse aqui, como disseram todos os oradores que me antecederam, Senador Pedro Simon, Senador Capiberibe, Rodrigo, Senadora Ana Rita, Senador Randolfe, todos, que o importante neste ato de relembrar o Golpe Militar no Brasil, a importância deste ato está exatamente no fato de que precisamos prosseguir defendendo a democracia.

            E defender a democracia é defender a transparência, Senador Capiberibe, do setor público, porque não tenho dúvida alguma de que o nosso País, que não é apenas uma bela nação por ter um grande território, por deter a Amazônia e, portanto, a maior de todas as riquezas naturais do Planeta, mas é também bonito e respeitado em todo o Planeta pela sua cultura de paz, pela sua cultura de amizade e de solidariedade.

            É muito importante que este País, respeitado no mundo inteiro, siga, lute e trabalhe muito para ser também um país justo com a sua gente, não só a sua gente brasileira, mas continuar com amizade com todos os povos.

            Então, ficam aqui nossas homenagens. Falo aqui em nome do meu Partido, do PCdoB, a todos aqueles que perderam suas vidas ou foram brutalmente torturados durante os 21 anos de regime militar, aqueles que deram essa grande contribuição para que pudéssemos hoje falar e viver a liberdade que eles não tiveram condições, Governador Waldir Pires, de viver naquele momento.

            Nossas mais fraternas e maternas homenagens a esses homens e mulheres brasileiros que, em muito, contribuíram e contribuem até hoje com a construção deste país belo que é o Brasil.

            Muito obrigada, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2014 - Página 19