Pela Liderança durante a 42ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do transcurso de 50 anos do golpe militar de 1964.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO, FORÇAS ARMADAS, ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Registro do transcurso de 50 anos do golpe militar de 1964.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2014 - Página 60
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO, FORÇAS ARMADAS, ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • CINQUENTENARIO, REGIME MILITAR, DITADURA, TERRORISMO, BRASIL, PREJUIZO, ESTADO DEMOCRATICO, APOIO, REVISÃO, LEI DE ANISTIA, NECESSIDADE, RENOVAÇÃO, COMPROMISSO, DEMOCRACIA.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, o Brasil vive, hoje, a simbólica passagem dos 50 anos do começo de um período da nossa história, que não queremos mais que se repita: o momento em que setores significativos da nossa sociedade deixaram de acreditar na democracia como meio de resolução dos conflitos para respaldar uma ditadura.

            Naquelas semanas de 1964, foi abandonada a crença em um sistema dialógico, foi enterrada a fé no processo político, foi sepultado o apoio ao regime democrático.

            As convicções de muitos brasileiros nas liberdades foram paulatinamente deixadas de lado em razão de um terrorismo político disseminado por setores conservadores da época.

            Abriu-se mão de tudo, de todos os valores mais caros a uma sociedade, em razão da falsa ameaça de que o Brasil seria invadido pelo comunismo.

            Sob o pretexto de não viver em uma ditadura do proletariado, que iria fechar o Congresso, extinguir os partidos, censurar a imprensa e praticar terrorismo de Estado, a sociedade civil - ou, pelo menos, uma parte expressiva dela - deu guarida a um golpe militar, que fechou o Congresso, extinguiu os partidos, censurou a imprensa e praticou o terrorismo de Estado.

            Foi uma desgraçada escolha, uma opção que tomou grande parte da nossa sociedade civil e de cuja responsabilidade não pode jamais se eximir: a de que fez escada para a ascensão de um regime militar.

            Nossa democracia foi vendida por cidadãos, empresários, igrejas, políticos e veículos de comunicação que defenderam, por todos os meios, a deposição de um presidente legitimamente eleito e o amordaçamento de indivíduos, instituições e movimentos sociais que incomodavam o status quo.

            Hoje, meio século depois, muitos ainda escondem, envergonhados, a participação decisiva que tiveram em favor da instauração da ditadura no Brasil; outros, depois de muita resistência, assumiram a postura de apoio e reconheceram o erro que foi o respaldo àquele regime de exceção. Talvez, porque tenham entendido que não vale trair os ideais sagrados da democracia para que vejam contemplados, à força, os seus próprios interesses.

            O regime militar instaurado em 1964 com ares de legalidade e promessa de transitório logo se enveredou pelo caminho do arbítrio e do autoritarismo, que nos custou 21 anos. E nos custou mais: custou-nos a liberdade de expressão e o cerceamento das demais liberdades civis e direitos individuais; custou-nos a humilhação, o exílio, a tortura, a morte e o desaparecimento de milhares de nossos compatriotas.

            Foi uma opção profundamente dolorosa tomada pela nossa sociedade, que só despertou e passou a resistir quando viu a si mesma e a seus filhos vítimas do regime que ajudou a instalar no poder.

            É muito difícil falar em qualquer lado bom desse período, seja em termos econômicos, seja em termos de infraestrutura do País, diante do rosário de atrocidades cometidas contra os brasileiros pelo regime militar.

            É algo para que nunca mais nos esqueçamos: nenhum cenário de tensão vivido, nenhum momento de conflito que atravessemos, nada justifica o sufocamento do regime democrático.

            É na democracia que resolvemos os contraditórios sociais, é nessa relação dialética que poderemos crescer como povo e como país. Não é suprimindo o debate, não é asfixiando as opiniões contrárias que seremos grandes.

            Igualmente, a disseminação de mentiras e a prática de terrorismo político só prejudicam o esclarecimento da população e prestam um desserviço ao Estado democrático de direito.

            Por mais explosiva que chegue uma situação no regime democrático, é criminoso suprimi-lo com o pretexto de pacificar o debate.

            Não podemos jamais sucumbir a essa falácia, que guarda paralelismo com a recente pesquisa do IPEA, atestando que 58% dos brasileiros acreditam que o comportamento feminino influencia o estupro.

            É inimaginável que o comportamento da democracia possa favorecer a ditadura, assim como é igualmente absurdo acreditar que o comportamento da mulher possa legitimar a violência sexual. É uma ignomínia, uma afronta brutal aos valores humanos um raciocínio dessa natureza.

            De forma que as lições de 1964 devem estar bem vivas nas nossas memórias para que aprendamos com elas e jamais voltemos a repetir tamanho erro.

            O processo de redemocratização amadureceu o povo brasileiro e o fez sair do regime militar maior do que tinha entrado, e penso que, nesse sentido, todos acordamos para o fato de que não se pode simplesmente pôr uma pedra no passado e fazer de conta que nada aconteceu. Isso seria outra falácia. Não querer de volta aquele tempo não significa que o tenhamos relegado ao esquecimento.

            Fica patente, a cada dia, em cada depoimento dado à Comissão Nacional da Verdade, que o regime de 1964 se utilizou do terror como instrumento de governabilidade; que usou a máquina estatal para restringir direitos humanos, liberdades e garantias individuais, para reprimir criminosamente, torturar e matar cidadãos e cidadãs. Disso não podemos nos esquecer.

            A índole dócil do povo brasileiro não pode se confundir com cumplicidade criminosa em relação ao chamado terrorismo de Estado praticado pelo regime de 1964.

            Já me somei aqui ao posicionamento da OAB e do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, para que a Lei da Anistia seja revisada.

            Hoje, eu o faço mais uma vez, agora respaldado por uma pesquisa publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, segundo a qual expressiva maioria da população brasileira é a favor da anulação da norma tal qual ela é aplicada atualmente.

            Não é possível que ouçamos depoimentos como o do coronel reformado Paulo Malhães, dado na semana passada à Comissão Nacional da Verdade, e fiquemos impassíveis. Um depoimento em que, sem remorsos, ele confessou que torturou e matou - e aqui abro aspas - “tantos quantos foram necessários”, ressaltando ainda a forma cruel como os corpos eram mutilados, para que não restasse possibilidade de identificação. Disse isso protegido pela Lei da Anistia, e voltou para casa, para junto dos seus familiares, como não puderam fazer mais de 350 mortos e desaparecidos políticos do nosso País, dos quais a ditadura se encarregou de dar fim.

            Então, a anistia foi ampla, geral e irrestrita muito mais para um lado - o daqueles que operaram protegidos pelo Estado - do que para outro. Em razão disso, é imperioso que revisemos essa lei e que façamos justiça a todas as vítimas das atrocidades perpetradas pelo regime militar. Se não quebrarmos os grilhões da omissão e da cumplicidade, estaremos condenados a carregar esses cadáveres insepultos por todo o resto da nossa História. E jamais haverá descanso para o nosso passado.

            Entendo que esse momento precisa ser avaliado, inclusive sob a luz do momento presente. Em 1964, o governo foi democraticamente eleito, apoiado pela maioria da população. As pesquisas que o Ibope divulgou recentemente, e que eram da época, mostravam que o Presidente João Goulart dispunha de amplo apoio da sociedade e que medidas como as reformas de base, especialmente a reforma agrária, tinham amplo apoio da sociedade brasileira.

            Apesar disso, criou-se, no Brasil, um clima de ódio, um clima de geração de insegurança junto à sociedade, para a sociedade. E aí estabeleço um paralelo muito claro com o que acontece hoje no nosso País. Hoje, no nosso País, apregoa-se o ódio como instrumento de disputa política.

            Um governo como o Governo do Partido dos Trabalhadores, que, desde 2003, vem promovendo mudanças, mudanças principalmente para os mais necessitados, para os mais pobres, que garantiu a inclusão cidadã para milhões de brasileiros, que deu aos pobres deste País a dignidade que nunca tiveram, é motivo para ser um governo odiado por alguns. Odiado por alguns meios de comunicação, odiado por alguns políticos de expressão neste País, odiado por todos aqueles que não sabem conviver com a democracia, que talvez gostariam que houvesse clima neste País, quem sabe, para uma nova ditadura e que tentam, de todas as maneiras, fazer deste ódio uma bandeira de luta.

            Por isso, hoje, quando 50 anos se passam do Golpe Militar de 64, quando podemos fazer uma análise fria de tudo o que aconteceu... Eu, na condição de militante do movimento estudantil, tive oportunidade de participar dessa luta já num período em que as coisas eram um pouco menos violentas como tinham sido anteriormente. Comecei a participar em 1975. Era a chamada Distensão Gradual e Segura. Distensão essa que, mesmo assim, fez com que ocorresse nesse período a perda, a morte de líderes importantes, como Alexandre Vanucci Leme, como o próprio Manuel Fiel Filho, como tantos outros que foram presos e torturados naquele período.

            Foi a luta do povo, a luta dos estudantes, a luta dos operários capitaneados pelo ex-Presidente Lula, à época, a maior liderança sindical que o Brasil possuía, foi essa luta que fez enfraquecer a ditadura, que fez enfraquecer o regime dos generais, que fez com que as luzes da democracia pudessem começar a se acender.

            Portanto, é olhando esse clima tão parecido com 64 que eu entendo que hoje, mais do que nunca, o que devemos fazer é reafirmar o nosso compromisso inabalável com a democracia, com a liberdade, com os direitos humanos e com o avanço da sociedade brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2014 - Página 60