Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com a participação de S.Exª em reunião com o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR, IGREJA CATOLICA, ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Satisfação com a participação de S.Exª em reunião com o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2014 - Página 218
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR, IGREJA CATOLICA, ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, CONSELHO NACIONAL, IGREJA, LEITURA, CARTA, AUTORIA, CONSELHO, ASSUNTO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Agripino, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, todos os que nos ouvem e nos assistem pela TV e pela Rádio Senado, venho agora de uma feliz reunião com o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, em que tive a honra de receber, em nome da nossa Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, a Declaração Pública do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil em relação aos 50 anos de interrupção da vida democrática do Brasil pelo Golpe Militar de 1964.

            Faço questão de proceder à leitura dessa declaração pública e desse evento de que participei, ainda há pouco, aqui na Asa Norte, em um dos centros da CNBB.

Diz a declaração:

Compromisso coletivo pela democracia

Brasil: Ditadura Nunca Mais

"Ah! Se conhecesses também tu, ainda hoje, o que serve para a paz" (Lc 19.42)

Há 50 anos, o Presidente João Goulart foi deposto e instaurou-se uma ditadura no Brasil que durou 21 anos. Ao longo deste período, movimentos estudantis, de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, intelectuais e grupos religiosos lutaram arduamente pela democracia. Muitos foram assassinados, torturados, exilados e [abro aspas] "desaparecidos" [fecho aspas]. São páginas ainda pouco esclarecidas de nossa história recente. O aprofundamento do direito à memória e à verdade é condição para a edificação da sociedade, pois garante que pessoas que sofreram violência por parte de agentes de Estado sejam reconhecidas como vítimas e suas histórias sejam resgatadas.

Grupos ligados às Igrejas, em conjunto com muitos movimentos da sociedade, foram imprescindíveis para a superação deste período. Ressalta-se a mobilização para a denúncia e registro dos crimes de tortura que resultou no Projeto Brasil: Tortura Nunca Mais, protagonizado pelo movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas. O acervo foi recentemente repatriado e contribuirá para elucidar fatos e histórias esquecidas.

Apesar de todo o aparato político, econômico e religioso da ditadura, que gerou repressões, censuras, prisões, assassinatos, exílios políticos e sofrimentos, foram dados passos significativos em direção à abertura democrática. Conquistamos parcialmente a anistia, inundamos as praças nas Diretas Já. O processo constituinte foi iniciado, possibilitando que questões antigas fossem colocadas em debate como a Reforma Agrária, os direitos sociais, os direitos humanos, a soberania nacional com a necessidade de uma auditoria da dívida externa e a ideia do controle social do Estado.

Os fatos por si confirmam que nossa democracia é limitada e inconclusa. A Reforma Agrária não foi realizada de forma plena e efetiva, o fosso entre ricos e pobres é uma realidade em ascensão, assistimos a vertiginoso enfraquecimento e criminalização dos movimentos sociais. Apesar de políticas públicas importantes como a garantia de saúde e educação para todos, das políticas de cotas e das compensatórias, entre outras, todavia percebe-se um hiato grande quando estão colocadas na pauta questões para a melhoria do bem-comum e as de interesse de grandes grupos econômicos. Os interesses populares são relativizados quando os interesses de grandes grupos econômicos entram em cena.

As ameaças à democracia são constantes. Na América Latina, lembramos a deposição de presidentes democraticamente eleitos, como no Paraguai e em Honduras. Recentemente, novas tentativas de deposição de líderes eleitos pelo povo têm acontecido em países vizinhos.

Nossas Igrejas e organismos ecumênicos têm um compromisso histórico com a democracia.

Por isso, reafirmamos o nosso compromisso com os movimentos sociais que permanecem firmes no ideal de uma sociedade com justiça, que respeite e garanta os direitos humanos, culturais, sociais, econômicos e ambientais. A luta por estes direitos demonstra a nossa opção preferencial pelas pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Por isso, nos sentimos desafiados a nos pronunciar sobre o atual momento pelo qual passa nosso país.

Os limites e esgotamento do atual modelo de democracia representativa se revelam na privatização das decisões do Congresso com a crescente subordinação do interesse público aos interesses privados das empresas e organizações do poder econômico. O afastamento dos representantes eleitos das demandas da sociedade é resultado da natureza do sistema político, cujo processo eleitoral depende dos recursos financeiros privados e do lobby do poder econômico.

Juntam-se a isso as iniciativas que pretendem formalizar a criminalização dos movimentos sociais. Preocupa-nos o fato de que representantes do poder legislativo tentem introduzir em nossa legislação, através do PLS 499/2012, o chamado "AI 5 da Democracia", a concepção de "crimes de terrorismo". Sabe-se que a intenção é coibir a livre manifestação popular.

É inquietante a falta de conhecimento dos processos históricos da América Latina. Grupos se organizam através das redes sociais para reivindicar o retorno a regimes autoritários e de exceção. Isso revela a permanência de uma cultura punitiva e de violência como forma de resolução dos problemas sociais. Esta cultura, em parte, é herança dos anos de ditadura.

Outros obstáculos impedem o aprofundamento da democracia, entre eles, o não cumprimento de Convenções e Acordos internacionais firmados pelo país, como por exemplo, a Convenção 169 da OIT. Grandes empreendimentos como os da Copa do Mundo não obedecem aos critérios de diálogo e respeito às populações afetadas. Ao contrário, privilegiam o lucro de grandes empresas, atropelando o direito à existência em especial das populações tradicionais.

Diante deste contexto, como Igrejas e organizações que acreditam que a democracia significa uma sociedade que garanta direitos e oportunidade a todas as pessoas, afirmamos nosso compromisso com:

Uma Reforma do sistema político, com vistas a garantir que os processos decisórios não se deem apenas pela via eleitoral, pois o exercício do poder deve estar alicerçado na soberania popular como prática cotidiana de tomada de decisões. Não aceitamos que o poder econômico defina os resultados das eleições. Repudiamos a sub-representação de vários grupos nos espaços de poder. Motivo pelo qual, nos somamos às estratégias construídas pela sociedade civil organizada, a exemplo da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas e do Plebiscito Popular pela convocação de uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema político.

Sublinhamos a necessária separação entre Estado e Religião prevista na Constituição Brasileira, sem desconhecer como é importante a cooperação entre Estado e Religião com vistas ao bem comum. Repudiamos quaisquer instrumentalizações entre religião e política para fundamentar a discriminação e incitar a violência.

Neste tempo em que cristãos e cristãs celebram a quaresma, período de profunda reflexão sobre as consequências da ruptura com a aliança entre Deus e sua criação, estejamos atentos e vigilantes.

Reafirmamos o nosso compromisso com o aprofundamento da democracia plena. O processo eleitoral deste ano deve ser permeado por estas questões centrais que garantam a qualidade da democracia em nosso país.

            Assinam essa carta o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, que tem como igrejas-membro a Igreja Católica Apostólica Romana, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; a Igreja Síria Ortodoxa de Antioquia; a Igreja Presbiteriana Unida, além do Cese, Clai e Inesc.

            Sr. Presidente, essa carta, cuja leitura fiz questão de fazer, na íntegra, reflete a opinião desse Conselho de Igrejas Cristãs, que se reuniu aqui. E neste cinquentenário do Golpe de Estado de 1964 fazem não somente uma reafirmação dos compromissos para com a Democracia. Mais do que isso, fazem uma proclamação de que a nossa transição para a democracia foi incompleta.

            É, de fato, incompleta, Sr. Presidente, uma transição para a democracia que não transitou os instrumentos de aprofundamento do nosso sistema democrático. Uma transição para a democracia que deixou do lado de fora, que deixou, melhor dizendo, do lado de dentro do regime democrático entulhos do regime autoritário não é transição para a democracia.

            Lembremos que esta semana a Comissão Nacional da Verdade, por meio de um trabalho feito pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, trouxe ao depoimento antigos torturados da época do regime. Notadamente esta semana nós ficamos estupefatos com o depoimento de um senhor, um coronel reformado do Exército de nome Paulo Malhães. Este senhor, primeiro em depoimento ao jornal O Globo e agora em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, a partir da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, entre alguns dos seus depoimentos, perguntado quantos tinha matado durante a ditadura, respondeu: “Matei e torturei tantos quantos foram necessários matar e torturar.”

            Isso prova, Sr. Presidente - e revelações que ele próprio fez sobre o caso Baumgarten -, que a Lei da Anistia aprovada no ventre do regime autoritário foi uma farsa; e isso prova que é atual a revisão da Lei da Anistia.

            Por isso é necessário aprovarmos o PLS 237 que está nesta Casa, agora na adequada relatoria, na Comissão de Direitos Humanos, do Senador João Capiberibe.

            Isso prova, Sr. Presidente, que nós temos que apreciar nesta Casa propostas, como a Proposta de Emenda Constitucional nº 51, que é uma proposta de emenda à Constituição apresentada aqui, de iniciativa do Senador Lindbergh Farias, para nós resolvermos os entulhos que foram deixados por parte do regime.

            A reflexão das igrejas cristãs aqui também trata da nossa democracia atual e trata da necessidade, trata de temas da atualidade, trata de temas do hoje, como a questão da Copa do Mundo. Num dos trechos, as igrejas cristãs nos chamam à reflexão sobre os grandes empreendimentos da Copa e nos perguntam: a Copa, esta Copa, o que vai deixar de legado, de positivo para o povo brasileiro? Essa é uma reflexão que temos que fazer. E o que vai deixar de legado para as populações que estão sendo afetadas por esses chamados grandes empreendimentos?

            Em nome disso, nos traz a reflexão sobre, também, esses projetos de lei que querem encaminhar aqui para o Congresso - me parece que o Governo quer encaminhar um agora -, tentando limitar o direito de manifestação ou, como dizem, regular o direito de manifestação, algo inconcebível. Direito de manifestação, tenho certeza que o art. 5º da Constituição assegura o direito de manifestação sem mais nem menos. O direito de manifestação é algo irregulável, que é impassível de qualquer dispositivo que queira limitá-lo, regulá-lo ou diminuí-lo.

            Sr. Presidente, para concluir, e para ter o prazer de substituí-lo na presença e de ouvi-lo aqui na tribuna, quero dizer que foi com muita felicidade que participei ainda há pouco da celebração que, primeiro na condição de cristão, mas sabendo, e na condição de cristão, ao mesmo tempo, tendo a dimensão e tendo um orgulho cristão - se é que ambas as palavras podem ser ditas na mesma frase - de ouvir dessas igrejas cristãs que aqui declinei a compreensão delas de que o Estado tem que ser laico e que Igreja e Estado, religião e Estado, não podem se confundir.

            E não pode esta tribuna, que é o espaço do Parlamento, ser confundida com púlpito; a tribuna não pode ser utilizada como púlpito. Muitos utilizam as tribunas como púlpitos, e a tribuna não é púlpito. Ai daqueles que tentam utilizar a tribuna, espaço da política, como púlpito. E eu ouvi isso, ainda há pouco, na reunião com essas igrejas aqui, porque há a compreensão clara de que esses espaços não podem ser confundidos.

            Uma conquista republicana e civilizatória do nosso País foi quando, com o advento da República, esses espaços, as esferas do Estado e da religião, foram separados. Esses espaços não podem ser confundidos. Por isso, não podem ser trazidos para o debate do Parlamento e do Estado os fundamentalismos.

            Isso é dito aqui em alto e bom som neste manifesto. Sublinhamos a necessária separação entre Estado e religião, prevista na Constituição brasileira, sem desconhecer como é importante a cooperação entre Estado e religião com vistas ao bem comum.

            Cooperação é diferente de subordinação. A religião não pode subordinar as vontades do Estado nem o Estado pode subordinar as vontades da religião. Não pode um subordinar o outro, não pode a tribuna do Parlamento ser utilizada como púlpito, não podem os púlpitos das igrejas ser utilizados como tribunas políticas.

            Esse ensinamento, essa mensagem que foi dada nessa reunião de ainda há pouco, que faço questão de reproduzir aqui, é uma mensagem plural, é uma mensagem para todos os Parlamentares de todos os partidos, de todas as denominações, que faço questão de reproduzir aqui.

            É uma mensagem importante para ser reproduzida para todos nós, em especial neste, como diz um trecho, tempo em que cristãos e cristãs celebram o período da Quaresma, essa mensagem das igrejas cristãs neste período em que se lembram os 50 anos do Golpe, em que se reafirma a necessidade de defendermos e aprofundarmos a nossa democracia.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2014 - Página 218