Discurso durante a 46ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Expectativa com a crescente consolidação da Democracia no País; e outro assunto.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Expectativa com a crescente consolidação da Democracia no País; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2014 - Página 25
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, EXPECTATIVA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, PAIS, COMENTARIO, HISTORIA, POLITICA, BRASIL, PERIODO, REGIME MILITAR.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, meu caro Senador Mozarildo Cavalcanti, Srªs e Srs. Senadores, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores telespectadores da TV Senado, senhoras e senhores aqui presentes, acabou de deixar a tribuna o eminente Senador Acir Gurgacz, do Estado de Rondônia.

            Eu devo confessar a V. Exª, aos demais aqui presentes e aos que nos ouvem e que nos assistem que considero o pronunciamento do Senador Acir Gurgacz de uma importância extraordinária, porque ele abordou assuntos que são do conhecimento das autoridades e da opinião pública há alguns anos, e que não têm merecido da parte das autoridades públicas a atenção que deveria ter.

            A produção de alimentos, a exploração de terras agricultáveis e pastoris no nosso País precisam merecer uma análise mais percuciente por parte do Poder Público.

            O Senador Acir Gurgacz fez, numa abrangência inteligente, algumas observações que eu até procurei destacar através do meu modesto aparte - a questão das terras degradadas, a reserva legal, a preocupação com relação às áreas públicas e às áreas indígenas -, e destacou, sobretudo, que as políticas públicas hoje praticadas não são aquelas que atendem realmente ao reclamo do homem do campo. Restrições - e restrições imensas - têm sido feitas à sua ação, esquecendo que a produção de alimentos deve ser uma política prioritária de governos, até porque, pelas estatísticas existentes, a população do mundo cresce de forma geométrica, e a produção de alimentos, de forma aritmética, conforme eu tive oportunidade de destacar no aparte que ofereci ao Senador Acir Gurgacz.

            Minhas palavras, portanto, sejam a repetição daquelas que eu disse, saudando o discurso do Senador Acir Gurgacz, e um testemunho mais do que evidente da preocupação que esta Casa tem, que o povo brasileiro tem com relação ao estímulo de uma política agrícola e pecuária que realmente possa estratificar o desenvolvimento econômico do nosso País.

            Mas hoje, Sr. Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, eu venho para abordar um outro assunto que constitui para mim uma preocupação que vem de muitos anos, muitos anos mesmo, desde a década de 60.

            Hoje, Sr. Presidente, podemos comemorar o fato de o Brasil ser uma democracia totalmente consolidada, sem nenhuma dúvida ou possibilidade de alguma ação política que possa destoar das liberdades consagradas, de opinião, de manifestação, de imprensa e do respeito aos direitos humanos. Não há campo para fecundar ideias revanchistas e ou sebastianistas que tentem toldar o atual ambiente de conciliação nacional.

            Ao relembrar a passagem dos cinquenta anos do 31 de março de 1964 e dos dias que o antecederam me permito fazer uma retrospectiva histórica dos fatos e das versões decorrentes, procurando colocá-los a nu perante a verdade, sem as paixões que tumultuam a desenvoltura de alguns analistas de hoje.

            Para mim, Sr. Presidente, aquela data não representou o início nem de um golpe militar, nem de uma revolução, termo mais simpático usado pelos adeptos dos regimes ditatoriais.

            Na era da guerra fria, o planeta estava polarizado entre comunistas e capitalistas. A configuração política mundial era totalmente diferente da que temos hoje. A América Latina, sob forte influência dos Estados Unidos, recebia ajuda não só para a manutenção das regras democráticas, como para a implementação ou sustentação que condenasse a bolchevização em alguns países.

            Aqui no Brasil havia, na visão de uns, a - entre aspas - "ameaça" à propriedade privada e a possibilidade de uma guinada à esquerda, temor que foi atiçado pelo comício do Presidente João Goulart na Central do Brasil, defendendo as reformas de base, os movimentos ostensivos visando à quebra da hierarquia militar, pilar sustentador da disciplina castrense.

            Mas um dos principais motivos que garantiu o apoio de grande parte da sociedade, da classe política e da imprensa à ação das Forças Armadas era a situação econômica ruim, a carestia e a efetiva ameaça de, esta sim, revolução síndico-comunista.

            Quando a economia está capenga, a mudança torna-se até uma necessidade, mas, ressalto, obedecidas as regras basilares insculpidas na Carta Magna.

            No entanto, a volta da inflação, a crescente violência, o desemprego, a carência de atendimento público nos setores básicos de saúde, educação e transporte urbano, entre outros, podem ser fatos concretos desta era, mas não justificam em nada o retorno aos anos de chumbo ou, como desejam setores também retrógrados, embora finjam que não, a um sistema idêntico ao de Cuba por exemplo.

            O ano de 1964, após meio século, ainda continua sendo espetáculo que anima discórdias.

            Sou um dos que, como milhões de brasileiros, estavam na plateia, assistindo com natural aflição o embate entre os atores, uns embasados nas ideias das reformas de base que levariam a um abalo nas estruturas econômicas e sociais então vigentes, outros com teses díspares, a máxima delas na defesa da preservação da Carta Magna de 1946.

            O embate acalorava-se com provocações de lado a lado, até que o Presidente João Goulart - e quero dizer aqui -, que não era comunista nem esquerdista, e, sim, um rico estancieiro nos Pampas e no Centro-Oeste, engolfou-se na lábia de seus assessores próximos e permitiu nítidas manifestações de estímulo à desordem, como o Comício da Central do Brasil e a reunião com os sargentos, ambos na Cidade Maravilhosa. O outro lado agitava-se por meio do movimento em defesa da família, com Deus e pela liberdade, posicionando-se em defender princípios inarredáveis da cultura nacional em atos públicos de milhares de pessoas.

            Até aí não havia presença ostensiva de ações militares. O 31 de março foi uma decisão civil, apoiada pela facção majoritária ou de conveniência no seio das Forças Armadas. Não foi um golpe. Com arranhões, sim, a Constituição de 1946 foi preservada em seus pilares fundamentais. Não foi uma revolução, porque as estruturas das instituições constitucionais foram mantidas.

            Golpe, sim, começou a acontecer com o Ato Institucional nº 2, primeiro, porque extinguiu os partidos políticos tradicionais; segundo, porque cancelou as eleições diretas para a Presidência da República. Aí veio o caos, os dias de chumbo que perduraram até 1980. Pálidos raios de sol iluminaram a perspectiva de volta à ordem democrática de direito, que deveria ser lenta, gradual e segura, como o foi, embora com alguns tropeços no seu curso.

            Muitos detalhes do que ocorriam naqueles anos têm vindo à tona. A confissão do coronel reformado Paulo Malhães à Comissão da Verdade, na semana passada, narrando como torturava, matava e dilacerava os corpos dos chamados subversivos naquela época, sem nenhum remorso, chocou a todos.

            Nesta segunda-feira, a Folha de S.Paulo divulgou pesquisa que afirma que a maior parte da população é a favor da anulação da Lei da Anistia. Criada em 1979, a Lei anistiou todos os que haviam cometido “crimes políticos” entre 1961 e 1979, crimes que não foram cometidos unilateralmente, como alguns propagam. Razões fratricidas de lado a lado os motivaram, e a Nação, delas conhecedora, os reprova.

            Eu, particularmente, Sr. Presidente, Srs. Senadores, concordo com a Senhora Presidente Dilma Rousseff em sua manifestação recente e, no mesmo sentido, com a opinião do ex-Ministro da Justiça, José Gregori, hoje Presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, que a Lei da Anistia ocorreu numa fase complexa, permitiu o retorno de centenas de exilados políticos e foi importante, naquela circunstância histórica, para a abertura do regime e a redemocratização pacífica que se iniciou com a posse do primeiro Presidente civil após 21 anos, José Sarney, e alicerçou-se com a Carta Magna de 1988.

            O fato é que completamos agora 30 anos de democracia consolidada.

            Ao voltarmos na história, percebemos que o nosso País nunca passou por este processo de maneira tão profunda e concreta. A democracia da República Velha era, na verdade, forjada, pois calcada em carta estranha à nossa realidade, a norte-americana de 1787, e no instante de transição entre dois sistemas de Governo, do monárquico ao republicano.

            À Constituição de 1891 seguiu-se a de 1934, com algum avanço nas questões sociais e no direito do voto amplo, mas de vida efêmera, a de 1937, de gênero, número e grau ditatorial, com o Estado Novo, e a de 1946, com ares do liberalismo democrático, sempre ameaçada por convulsões políticas, resistindo até ser derrogada pela Carta autocrática de 1967, que oficializou os atos institucionais já perante o regime militar.

            Sei que a nossa democracia de 1985 ainda tem muitas arestas a aparar, mas, de longe, é a de estrutura mais estável e bases mais sólidas.

            O momento é de construção, construção nacional de uma consciência em que não valha revanchismos à época do arbítrio, como também sebastianismos pela volta dele.

            O Brasil tem que se consolidar como democracia. É tarefa de cada um de nós. O esforço para essa construção atávica não pode, como afirmou o saudoso ex-Senador Franco Montoro, ser sonho de uns poucos, pois, irmanados, todos poderemos sonhar juntos por um País solidamente democrático.

            Winston Churchill, estadista como poucos que o mundo conheceu, afirmou certa vez: “A democracia é o pior dos regimes políticos, mas ainda não surgiu um mais perfeito e melhor que ele.” Creio que o Brasil assim pense.

            Sr. Presidente, é o meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2014 - Página 25