Fala da Presidência durante a 47ª Sessão Especial, no Senado Federal

Destinada a comemorar o cinquentenário do “Comício das Reformas” realizado pelo Presidente João Goulart na Central do Brasil – Rio de Janeiro, nos termos dos Requerimentos nºs 48 e 150/2014, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues e outros Senadores.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Destinada a comemorar o cinquentenário do “Comício das Reformas” realizado pelo Presidente João Goulart na Central do Brasil – Rio de Janeiro, nos termos dos Requerimentos nºs 48 e 150/2014, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues e outros Senadores.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2014 - Página 192
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, REALIZAÇÃO, DISCURSO, AUTORIA, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, LOCAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, BRASIL.

     O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Caríssimo João Vicente, nesta tarde, o agradecimento quem tem a fazer aqui somos nós, e é um agradecimento que, tenho certeza, é do povo brasileiro.

     Cinquenta anos depois, você pode ver pelos acontecimentos desta semana e pelos acontecimentos deste ano que a memória do seu pai é vitoriosa, e os algozes dele são derrotados pela História. Eu falei aqui, Cristovam, na sessão que começou esta semana, na segunda-feira, uma poesia de Chico Buarque: O trem da História é agitado e atropela indiferente todo aquele que a negue.

     Aqueles que atropelaram o trem da História há 50 anos, 50 anos depois, são atropelados pela História e pelas gerações que se seguiram. Este evento de hoje, João Vicente, é um evento que não quer fazer, simplesmente, uma reflexão ao passado. Não é, simplesmente, aqui um evento do “se”, se não tivesse ocorrido o golpe; se as reformas do Presidente João Goulart tivessem se concretizado; se o Brasil poderia ter sido diferente.

     Este evento, João Vicente, é um evento para lembrar que o Brasil foi, um tempo, bem melhor do que aquilo que a ditadura produziu. Mais do que homenagear o passado, é um evento para apontar para o futuro, é um evento do “será”, do “pode ser bem melhor e será”. É esse o sentido desse evento. É um evento para dizer e, lembrando o discurso do Presidente João Goulart há 50 anos, destacar o Brasil que vivíamos.

     E tem, Cristovam, significado diagnóstico essa intensa semana que vivemos no Brasil e que foi muito bem lembrada aqui no plenário deste Senado.

     Esta semana começou na segunda-feira, neste plenário, nesta mesa, com uma sessão solene, presidida pelo Senador Capiberibe, em que estávamos, eu e você, em que estava aqui um ministro do governo do seu pai, Ministro Waldir Pires, que esteve nos últimos momentos no Palácio do Planalto resistindo ao golpe, que também se perpetuou aqui no Congresso Nacional - há que se destacar -, erro esse que, ainda bem, este Congresso Nacional já reparou quando, ano passado, em uma sessão, disse que aquela data, aquele momento triste, em que um representante deste Congresso Nacional e representante das forças mais reacionárias do latifúndio deste País, em 1964, quando havia declarado vaga a presidência da República, num ato inconstitucional, quando seu pai ainda estava em território nacional, ainda no ano passado, o Congresso Nacional disse que essa sessão, por direito e por legitimidade, era nula e quis muito bem o Congresso Nacional, em um ato solene, devolver a você, em nome do seu pai, o mandato presidencial que ilegitimamente foi usurpado.

     Aqui, então, neste Congresso Nacional, nesta semana, na segunda-feira, abrimos a semana que foi intensa para todo o Brasil para lembrar os 50 anos atrás. Assim como na vida pessoal, é necessário para todos nós fazermos a catarse quando passamos por traumas e procuramos um psicólogo, é preciso fazermos catarse dos traumas que passamos, é necessário, a vida nacional brasileira fazer uma profunda catarse do trauma que foram os 21 anos de tristeza, tortura, dor e morte.

     Essa catarse coletiva teve um momento muito vivo nesta semana. Aqui, no Senado da República, começamos a semana fazendo a lembrança do golpe de 50 anos atrás. É importante destacar - no Brasil nunca é demais destacar - o Brasil que tínhamos antes de 64. Nenhuma das mentiras propaladas pelo regime autoritário pode durar. Aliás, é de um representante de arbítrio uma máxima que diz: uma mentira contada várias vezes, tem que ser contada até que vire verdade.

     Portanto, as mentiras que eles contaram têm que ser sempre desmentidas.

     Não é verdade que o Brasil cresceu mais no período do arbítrio. Não é verdade. O melhor período de crescimento da economia nacional foi o período da democracia. Foi entre 1946 e 1964, no período em que o seu pai, João Vicente, foi duas vezes Vice-Presidente da República e no período em que o seu pai foi Presidente da República, que o Brasil mais cresceu.

     Naquele período, durante três vezes consecutivas, o Brasil chegou a crescer 11% ao ano. A nossa média de crescimento econômico era de 7,6% ao ano. No período seguinte da ditadura, mesmo durante um ano termos crescido 14%, o crescimento não foi, em média, superior a 6% e o período seguinte - o período em que vivemos até hoje - foi de baixo crescimento econômico, o pior.

     O crescimento econômico de 1946 até 1963 foi um período de crescimento econômico e de distribuição de renda. Distribuição parca, é verdade. E é por isso que Jango provocou e convocou o comício da Central do Brasil, para fazer a distribuição de renda com as reformas que o Brasil precisava, porque eram necessárias, em especial, aquelas reformas econômicas. O Brasil precisava fazer a distribuição de renda devida.

     O Brasil de 1963 era um Brasil, repito - nunca é demais repetir isso -, quando começou a ser medido o índice de desigualdade Gini, menos desigual. O índice, em 1963, era de 0,49. A ditadura produziu desigualdade. Nos anos 1970, o índice chegou a 0,69 e a desigualdade não foi reparada sequer hoje nos anos de democracia.

     Jango propunha naquele comício a reforma agrária e era ele que falava para nós um índice que nos assusta ainda hoje. Não é possível 15 milhões, naquela época, em 1963, trabalharem na terra e somente 2 milhões destes serem proprietários da terra. Tem significado de diagnóstico, ainda hoje, em 2014, somente 1% dos proprietários de terra serem donos de quase 46% das terras agricultáveis em todo o Brasil. A concentração de terra, a concentração fundiária ainda é uma triste realidade. A reforma dita por Jango, em 1964, ainda é necessária, urgente e indispensável no Brasil.

     Jango falou e anunciou naquele comício que estavam sendo encampadas refinarias. Disse ele em alto e bom som: “Elas são, a partir de agora, propriedade do povo brasileiro.” Nós assistimos hoje, lamentavelmente, a um melancólico discurso, Cristovam, entre qual é o melhor modelo de privatização do nosso pré-sal, e não sobre

como esse pré-sal pode ser explorado pela nossa Petrobras e como ele pode ser distribuído para a educação.

     Mais do que isso, Jango, entre as reformas que anunciou naquele dia, falava que era fundamental a reforma educacional e dizia que, dentro da reforma educacional, era indispensável a reforma universitária. Dentre essas reformas educacionais, ele falava na universalização da educação para todos, aquilo que o Cristovam insiste em falar hoje sobre federalização da educação básica, e dizia uma coisa tão atual, Cristovam, o Presidente João Goulart naquele dia: “É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis da nossa elite, que tiveram acesso à instrução superior, continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados a esta triste realidade nacional”, dizia o Presidente João Goulart.

     Propunha o Presidente João Goulart, dentre aquelas reformas, o voto do analfabeto. A ditadura teve ódio dessa palavra de ordem, tanto é que o voto do analfabeto só foi conquistado na Constituição de 1988, depois, na redemocratização. É porque o regime que se impôs depois tinha horror aos mais pobres, tinha horror à universalização dos direitos à ampla maioria do povo brasileiro.

     Falava o Presidente João Goulart que a reforma agrária não era somente reforma agrária para os mais pobres, era uma imposição progressista ao mercado interno. Ou seja, era também uma reforma econômica, significava aumentar a produção para que o povo brasileiro pudesse sobreviver, era uma reforma indispensável.

     Era, João Vicente, aquele governo um governo de jovens, um governo de jovens sonhadores. João Goulart eleito, assumindo, eleito... É errado dizer que João Goulart não chegou ao governo pelo voto.

     João Belchior Marques Goulart foi eleito Vice-Presidente da República de Juscelino Kubitschek e, depois, eleito com mais de 500 mil votos a mais do que o próprio Jânio Quadros, Vice-Presidente de Jânio Quadros. Com o voto, ao contrário, eleito Vice-Presidente com mais de 500 mil votos, eleito Vice-Presidente de Jânio Quadros, logo em seguida. Ou seja, por duas eleições, quando Vice-Presidente era eleito, João Goulart foi eleito Vice-Presidente da República.

     Assumiu com a legitimidade do voto popular. E, com a legitimidade do voto popular, assume a Presidência da República, com 41 anos de idade. Como eu estava dizendo, era um governo de jovens. João Goulart assume o governo com 41 anos de idade; convida para ser seu Ministro da Educação e, depois, Chefe da Casa Civil Darcy Ribeiro, com 29 anos e, depois, com 32 anos de idade.

     Valdir Pires, com não mais de trinta e poucos anos de idade; Paulo Freire, para conduzir um radical programa de universalização da educação; Celso Furtado, Anísio Teixeira, Santiago Dantas e tantos outros que o Senador Cristovam aqui já destacou. Eram jovens sonhadores com o Brasil, não o que poderia dar certo, mas com o Brasil que eu tinha certeza que dava certo.

     Minha querida Pastora Romi Bencke, aqui nesse discurso, o Presidente João Goulart falava e acusava o Presidente João Goulart de ser ateu e comunista. Em várias passagens do discurso, o Presidente João Goulart fala do Papa João XXIII e fala da atualidade do Concílio Vaticano II e das Encíclicas Sociais do Concílio Vaticano

II. Chama-o de comunista, autoritário e subversivo.

     Ele, num dos trechos mais bonitos desse comício, diz: “Desgraçada a democracia que depender desses democratas reacionários.” De fato, desgraçada dessa democracia, porque, se fosse depender desses democratas, o Brasil teria vivido, depois, 21 noites, 21 longos anos de trevas do arbítrio.

     Esses 21 longos anos de trevas do arbítrio deixaram a marca triste, uma chaga triste na vida brasileira. Chaga essa que nós temos que superar. Nunca é demais destacar, nunca é demais lembrar que foram mais de 6.016 famílias que tiveram integrantes de suas famílias torturadas. São 210 mortos, 146 desaparecidos, mais de 300 pessoas que morreram durante o regime de arbítrio e de tortura. Tentam dizer que temos que ver o que o outro lado fez. Houve uma prática de terrorismo de Estado já reconhecida.

     E eu quero, para concluir - nunca é demais destacar -, a Lei nº 6.683, a chamada Lei da Anistia, imposta pelo regime, não foi o resultado de um acordo nacional, não foi o resultado de um pacto pela a democracia; foi a imposição do regime autoritário. Não se faz pacto quando um lado está armado, e outro está desarmado. A Lei nº 6.683 foi imposição do regime.

     E, por isso, ao fazermos a catarse nacional, ao constituirmos, depois de 25 anos de democracia, de redemocratização, as Comissões Nacionais da Verdade, do fundo dos porões do arbítrio, surgem aqueles que torturaram e mataram durante o regime autoritário para revelar seus crimes.

     É nesse momento que surge a necessidade de que a imposição do arbítrio seja revista. É por isso que, com muita alegria, recebo a notícia, esta semana, Senador Cristovam, de que a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal me comunicou que, nessa semana, na quarta-feira, será colocado a voto nosso Projeto de

Lei nº 237, de revisão da Lei nº 6.683, a Lei de Anistia do Regime Autoritário.

     A revisão dessa Lei é uma necessidade histórica e de atualização destes 50 anos. É uma necessidade de catarse destes 50 anos. É uma necessidade de passarmos a limpo. Não é uma necessidade com o passado, mas uma necessidade de olharmos para frente.O que nós vimos hoje, nesta sessão solene, não é uma sessão do ”se”, não é um olhar para o passado, mas um olhar para a frente, é um olhar para o futuro. Não são reformas que não foram. São reformas que o Brasil precisa.

     Rever a Lei da Anistia não é olhar para o passado. É uma necessidade para que o Brasil possa, em definitivo, olhar para seu futuro.

     Era isso. Muito obrigado a todos.

     Está encerrada a sessão. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2014 - Página 192