Questão de Ordem durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questão de ordem acerca do assunto de requerimento que pleiteia a instalação da CPI da Petrobrás.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Questão de Ordem
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).:
  • Questão de ordem acerca do assunto de requerimento que pleiteia a instalação da CPI da Petrobrás.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2014 - Página 117
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
Indexação
  • QUESTÃO DE ORDEM, ASSUNTO, LEGALIDADE, REQUERIMENTO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Para uma questão de ordem. Sem revisão da oradora.) - Com base nos arts. 403 e 404 do Regimento Interno do Senado Federal, combinados com o art. 145, §1º; art. 150, §2º; e art. 48, inciso XI, todos do Regimento Interno do Senado Federal; com o art. 1º e art. 5º, §1º, da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a criação e funcionamento das comissões parlamentares de inquérito, e com o art. 58, §3º, da Constituição Federal, quero formular a seguinte questão de ordem relativa ao requerimento que pleiteia instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, protocolada na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal, no dia 27 de março próximo passado.

            Faço esta questão de ordem com base em uma análise de parecer que solicitei à Consultoria do Senado sobre a possibilidade de adendar matéria a essa CPI que acaba de ser lida por V. Exª.

            Passo a ler a argumentação da questão de ordem:

            A Constituição Federal, ao dispor sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, em seu art. 58, §3º, apenas relaciona os três requisitos constitucionais que devem ser adimplidos de forma cumulativa para que a CPI possa ser validamente instalada. Não conceitua o que vem a ser fato determinado, tampouco o faz a Lei nº 1.579, de 1952.

            Esse diploma infraconstitucional reproduz em seu art. 1º a previsão do requisito constitucional da indicação do fato determinado a ser apurado, sem, contudo, conceituá-lo. Avança na regulamentação do tema ao prever que mais de um fato determinado pode ser objeto das investigações parlamentares, sem, no entanto, especificar, nessas hipóteses, se deve haver algum nexo entre os fatos determinados a serem apurados.

            É o que se depreende da leitura do caput do art. 1º e do §1º do art. 5º da citada lei.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, criadas na forma do art. 53 da Constituição Federal, terão ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação.

Art. 5º As Comissões Parlamentares de Inquérito apresentarão relatório de seus trabalhos à respectiva Câmara, concluindo por projetos de resolução.

§ 1º Se forem diversos os fatos objeto de inquérito, a comissão dirá, em separado, sobre cada um, podendo fazê-lo antes mesmo de finda a investigação dos demais.

            O Regimento Interno do Senado também não conceitua o que vem a ser fato determinado, mas admite, consoante se depreende da leitura do §2º de seu art. 150, a possibilidade de diversos fatos serem objeto do inquérito.

            O Regimento Comum do Congresso Nacional, ao tratar das CPIs, silencia sobre o (s) fato (s) determinado (s), seu conceito e o nexo entre eles.

            Por fim, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados caminha um pouco além na tentativa de fixação objetiva do marco regulatório, do poder de investigação parlamentar, ao estabelecer, no parágrafo único do seu art. 35, o conceito de fato determinado.

§1º Considera-se fato determinado o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão.

            Vimos, pois, que as normas constitucionais, legais e regimentais indicam a necessidade de haver fato determinado a ser apurado pelas CPIs, a possibilidade de existirem diversos fatos determinados e o conceito de fato determinado, como acontecimento de relevante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica e social do País.

            Nada foi dito, entretanto, sobre a relação entre os diversos fatos determinados, no caso de ser essa a hipótese a ser enfrentada pela Comissão Parlamentar de Inquérito.

            Sr. Presidente, essa dimensão é de absoluta relevância para o equacionamento da questão que trago a V. Exª, pois se ajusta totalmente ao requerimento de instalação da CPI da Petrobras, no que concerne à relação entre os quatro fatos indicados pelos autores do requerimento.

            Foi o Supremo Tribunal Federal, ao longo da década de 90, ao se deparar com as primeiras CPIs após o processo de redemocratização e após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que fixou as principais balizas a serem seguidas pelo Poder Legislativo no desempenho de sua importante prerrogativa de investigação parlamentar.

            Em síntese, afirmou o STF que as Comissões Parlamentares de Inquérito devem cingir as investigações ao fato determinado que ensejou sua criação.

            O conceito de fato determinado, ainda que não seja rígido - admite extensão para fatos outros que ao longo da investigação demonstrem a conexão com o fato determinado original -, não pode ser elastecido para abranger fatos que não possuam qualquer conexão com o fato original, sob pena de desvio e esvaziamento de finalidade e consequente ineficácia das atividades da CPI, tornando possível, nessas hipóteses, o controle jurisdicional.

            Diversas decisões levaram a essa construção hermenêutica pela Suprema Corte. Cito como exemplos, Sr. Presidente, o Mandado de Segurança nº 25.885, Relator: Ministro Cezar Peluso; o Habeas Corpus nº 71.039, Relator: Ministro Paulo Brossard; Habeas Corpus nº 71.231, Relator: Ministro Carlos Velloso; Mandado de Segurança nº 25.663, Relator: Ministro Cezar Peluso; e Mandado de Segurança nº 25.721, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, entre outros.

            Assim, para que fatos determinados previstos no requerimento original de criação de uma CPI deem ensejo à sua válida instalação há de haver conexão entre eles, sob pena de violação dos dispositivos constitucionais, legais e regimentais de regência.

            Da mesma forma, para que os fatos surgidos ao longo de uma CPI instalada possam ser validamente investigados, é curial que possuam conexão com o fato ou os fatos originariamente previstos.

            Seguindo a lógica dos argumentos desenvolvidos até aqui, Sr. Presidente, e avançando um pouco mais na análise do tema que ora se empreende, chegamos à inafastável conclusão de que o requerimento de criação da CPI da Petrobras apresenta um conjunto de fatos determinados estanques, desconexos, com apenas um único ponto em comum: a circunstância de todos se referirem à Petrobras.

            Senão vejamos:

1.     Processo de aquisição da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA);

2.     Indícios de pagamento de propina a funcionários da estatal pela companhia holandesa “SMB Offshore” para obtenção de contratos junto à Petrobras;

3.     Denúncias de que plataformas estariam sendo lançadas ao mar faltando uma série de componentes primordiais à segurança do equipamento e dos trabalhadores;

4.     Indícios de superfaturamento na construção de refinarias.

            Essa circunstância, todavia, é insuficiente para promover a intestina relação exigida constitucionalmente, sob a ótica do Supremo Tribunal Federal, para autorizar a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito.

            Os fatos apontados, analisados em seu conjunto, demonstram que o objetivo central de seus autores é promover uma investigação generalizada na atuação da Petrobras nos últimos dez anos, verdadeira devassa, que repugna o Direito, mitiga a segurança jurídica, afronta o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa e, dessa forma, afronta inexoravelmente o Texto Constitucional.

            O seguinte trecho da justificação é elucidativo deste argumento:

A Petrobras já foi considerada um dos maiores orgulhos nacionais, símbolo da iniciativa e do esforço do povo brasileiro em buscar sua independência energética. Contudo, o atual governo tem transformado este outrora símbolo em uma “fábrica” de má administração, corrupção e incompetência gerencial, vindo até mesmo a comprometer este patrimônio nacional. Tal gerência desastrosa fica evidenciada categoricamente na perda de valor em bolsa das ações da empresa. [Grifamos.]

            A determinação dos fatos isolados, analisados per se, não elide, contudo, a constatação da verdadeira intenção de promover investigação generalizada, o que, consoante jurisprudência pacificada do STF, constitui desvirtuamento dos propósitos da CPI, desvio de finalidade de atuação parlamentar e malferimento do Texto Constitucional, aptos a atraírem, inclusive, o controle jurisdicional de sua instalação.

            Na verdade, os quatro fatos determinados apontados deveriam, em respeito à Constituição Federal, à legislação infraconstitucional, às normas regimentais e à jurisprudência do STF, dar ensejo a quatro pedidos diferentes de CPI, sendo necessária a coleta de assinaturas para cada um desses requerimentos.

            Nesse sentido, Sr. Presidente, a presente questão de ordem destina-se a indagar a V. Exª se, apontados os vícios insanáveis que maculam o requerimento de instalação da chamada CPI da Petrobras, por violação ao art. 58, §3º, da Constituição Federal, e aos arts. 145, §1º, e 150, §2º, do Regimento Interno do Senado Federal, não estariam presentes os requisitos constantes do inciso XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado Federal, que asseguram ao Presidente do Senado Federal o exercício da prerrogativa de impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou ao Regimento Interno do Senado Federal e a consequente inadmissibilidade da proposição.

            Essa é a questão de ordem que, respeitosamente, submeto à decisão de V. Exª.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2014 - Página 117