Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de PEC que propõe a reestruturação do modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial; e outro assunto.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA. SEGURANÇA PUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Defesa de PEC que propõe a reestruturação do modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2014 - Página 420
Assunto
Outros > ATIVIDADE POLITICA. SEGURANÇA PUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • REGISTRO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, REVISÃO, LEGISLAÇÃO, ANISTIA.
  • CRITICA, ORGANIZAÇÃO, HIERARQUIA, POLICIA MILITAR, REGISTRO, REALIZAÇÃO, GREVE, LOCAL, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESTADO DO PARA (PA), DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, DESVINCULAÇÃO, FORÇAS ARMADAS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu lhe agradeço, Senador Paulo Paim, neste final de dia e de sessão que nós tivemos.

            Senador Paim, Senador Ivo Cassol, hoje, nós tivemos, na Comissão de Direitos Humanos, um debate histórico que resultou na histórica aprovação do nosso Projeto de Lei do Senado nº 237, que faz a revisão da Lei da Anistia.

            Eu diria que, hoje, nós constituímos um passo importante numa virada de página dos últimos 50 anos. Mas os 50 anos do Golpe de 64, que nós lembramos na semana passada e hoje, quando aprovamos esse projeto na Comissão de Direitos Humanos, ainda têm, lamentavelmente, Senador Paulo Paim, fortes cicatrizes na vida nacional.

            Um traço, uma marca indelével dessa cicatriz é a estrutura de polícia existente hoje no Brasil. Eu falo isso, Sr. Presidente, porque chegam notícias de que, há duas semanas, duas corporações policiais estão há quase 15 dias em greve em dois Estados da Federação: a Polícia Militar do Estado do Maranhão e a Polícia Militar do Estado do Pará.

            Nunca é demais lembrar que, ano passado, existiram pelo País greves nas corporações da Polícia Militar da Bahia e da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Nunca é demais lembrar que os agentes da Polícia Federal de todo o País têm estado em manifestação permanente há algum tempo. Nunca é demais lembrar que a corporação da Polícia Militar de todo o País tem-se levantado em virtude das suas péssimas condições de trabalho e da baixa remuneração.

            Para se ter uma ideia, Sr. Presidente, a Polícia Militar só do Maranhão conta com um efetivo de 7.443 militares, incluídos bombeiros e policiais, com uma média de um agente para cada 882 habitantes. No Estado do Pará, essa cifra chega a 14.883 agentes, com uma média de um militar para cada 535 habitantes.

            Esses dados seguem a alarmante realidade de violência vivida por estes dois Estados: o Pará amarga a terceira maior taxa de homicídios do País, com 34,6 para cada 100 mil habitantes; o Maranhão não deixa a desejar nesta seara, contabilizando um aumento do número de homicídios da ordem de 282,2%, conforme dados extraídos do Mapa da Violência 2013 - Mortes por Armas de Fogo.

            Eu poderia ilustrar esses dados também com a realidade que ocorre no meu Estado do Amapá. Essa é uma realidade nacional, que é o drama da violência em todo o País e o drama da estrutura das Polícias Militares que temos no País. O problema da violência contrastando com uma polícia que está desaparelhada para enfrentar a violência e com policiais que sofrem com baixas remunerações para enfrentar a violência; a insatisfação da categoria, em especial nesses dois Estados, que chegou à situação de os policiais, sem alternativa, terem agora, no Estado do Maranhão e no Estado do Pará, que paralisar as suas atividades.

            Esta organização de polícia, Sr. Presidente, a organização de polícias militares e hierarquizadas, provém do pior período de nossa ditadura. Nunca é demais lembrar que, antes do Ato Institucional nº 5, a estrutura de polícia que nós tínhamos era a das chamadas Forças Públicas, que ficavam aquarteladas e tinham outro tipo de função.

            A estrutura de polícias militares foi constituída após o Ato Institucional nº 5, o pior dos Atos da ditadura. E foi constituída com o fim precípuo de se transformar em aparato repressivo do Estado. Essa estrutura fortalece uma cultura oriunda dos piores anos do arbítrio e da ditadura, chancela práticas antirrepublicanas, violadoras de direitos humanos, tanto dos agentes submetidos a tratamentos e treinamentos degradantes quanto dos civis que são jurisdicionados por esse tipo de tratamento do poder coercitivo do Estado. Por isso, essa cultura tem de ser mudada. Nós não podemos ter um tipo e um padrão de polícia que não reconhece, indistintamente da classe social, aqueles que servem como cidadãos.

            Situações como Cláudias e Amarildos, que nós temos visto nos morros cariocas, repetir-se-ão tantas vezes mais nós tivermos esse padrão.

            Por isso, Sr. Presidente, é urgente e necessário nós fazermos tramitar nesta Casa a Proposta de Emenda à Constituição nº 51, de iniciativa do Senador Lindbergh Farias. Essa proposta de emenda constitucional visa constituir uma nova matriz para as nossas polícias, uma matriz ideológica de polícia desvinculada da matriz ideológica vinculada às Forças Armadas, que compreende uma polícia repressiva e judiciária; compreender uma polícia de outra forma, de outro modelo; uma polícia que tenha carreira única; uma polícia que tenha um projeto de polícia uniforme; que não seja uma polícia truculenta, que a truculência da polícia seja substituída pela inteligência. A polícia tem de passar a atuar não com a truculência, mas, sim, com a inteligência; não com a repressão, e sim com a prevenção; não com o princípio da violência, e sim com o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse princípio, a dignidade da pessoa humana, tem de ser um valor inegociável da atuação das polícias. É este o objetivo da Proposta de Emenda à Constituição nº 51, compreender, inclusive, o policial como um agente de direitos, todos os policiais, inclusive esses que, no Estado do Maranhão e no Estado do Pará, hoje, não têm o direito de se organizar, de se manifestar contra os piores salários que são pagos no País. Garantir a esses policiais o direito de se organizarem em sindicatos, de terem organizações representativas de classe, de exercerem livremente o direito de greve, de se filiarem a partidos políticos e poderem disputar eleições, dentre uma série de outras prerrogativas que os policiais têm de ter em qualquer nação civilizada do mundo, em qualquer nação democrática do mundo.

            Esta concepção de polícia militarizada é uma concepção que provém de regimes arbitrários. Essa concepção de polícia tem de ser recuperada para outra concepção. A polícia tem de ter inteligência a seu serviço e tem de ser valorizada.

            A polícia não pode ser tratada como subcategoria de trabalhadores. A polícia não pode ser alijada dos seus direitos de mobilização. Não pode o conjunto da sociedade estar de costas para as reivindicações dos direitos dos policiais. E não pode simplesmente dizer: “Não, é uma covardia greve de policiais.”

            Covardia é policial receber menos de R$2 mil, submeter-se a risco de perder sua vida e não ter o direito de se manifestar e reivindicar melhores condições de vida e de salário por isso. Isto é que é covardia. Covardia é oficiais que não concordam com o arbítrio, como está acontecendo no Maranhão, serem levados à prisão por conta disso. Isto é que é covardia.

            Por isso, essa estrutura não pode continuar.

            Essa é uma estrutura típica da ditadura, do arbítrio do pior tempo, repito, de uma página infeliz da nossa história. É um tipo de estrutura que não se repete em países que são republicanos, civilizados e onde não têm violência.

            Polícias militarizadas não existem na Europa, polícias militarizadas não existem nos Estados Unidos. E nem por isso a violência lá é maior. O direito de organização e de reivindicação lá existe, a polícia lá é unificada. Os direitos de reivindicação dos policiais devem ser respeitados e garantidos.

            Portanto, Sr. Presidente, para concluir, eu quero voltar a defender, alertar para esse movimento que está acontecendo, essas mobilizações que estão acontecendo nesses dois Estados da Federação, alertar, porque esse movimento pode começar a ocorrer em outros Estados da Federação.

            Daqui a pouco alguns vão começar a dizer, daqui a pouco é tempo de Copa do Mundo. Imaginem se daqui a pouco, em tempo de Copa do Mundo, começa a ter greve de polícias, das polícias militares, pelos Estados da Federação? Aí os agentes do Governo vão dizer: isso é covardia. Mas o que é covardia? É pagar mal? É não dar condições de trabalho? Será que é essa é a covardia?

            Enquanto um país que gasta milhões, bilhões com estádios monumentais não paga bem seus agentes de segurança, a pergunta é: onde está a verdadeira covardia? É sobre isso que este Congresso e os agentes do Governo têm que refletir.

            Quero manifestar aqui a minha solidariedade aos policiais que estão em greve nos Estados do Maranhão e do Pará e pedir a reflexão e a necessidade urgente da apreciação da Proposta de Emenda Constitucional nº 51.

            Nesses 50 anos em que o Brasil lembra o Golpe de 1964, este País tem que, em definitivo, virar essa página da história nacional. E se vira essa página da história nacional mais do que com gestos, com exemplos, exemplos como aquele que o Congresso Nacional já fez, devolvendo o mandato ao Presidente João Goulart, exemplos como aquele que fizemos hoje, na Comissão de Direitos Humanos, e espero que façamos logo no Congresso Nacional, revendo a Lei de Anistia, aprovada no ventre do Regime, exemplos como sepultar a estrutura hierarquizada e carcomida de polícias que foram constituídas no ventre do regime autoritário.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2014 - Página 420