Pronunciamento de Ângela Portela em 09/04/2014
Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários acerca de pesquisa de opinião pública que averiguava a aceitação à tese segundo a qual “mulher que mostra o corpo merece ser atacada”.
- Autor
- Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
- Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
FEMINISMO.:
- Comentários acerca de pesquisa de opinião pública que averiguava a aceitação à tese segundo a qual “mulher que mostra o corpo merece ser atacada”.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/04/2014 - Página 466
- Assunto
- Outros > FEMINISMO.
- Indexação
-
- COMENTARIO, PESQUISA, AUTORIA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ASSUNTO, INFLUENCIA, VESTUARIO, MULHER, ESTUPRO, APREENSÃO, NUMERO, ACEITAÇÃO, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, POLITICAS PUBLICAS, BRASIL, COMBATE, ASSEDIO SEXUAL.
A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, #EuNãoMereçoSerEstuprada#. A frase impactante é o nome de uma campanha, lançada recentemente, em uma rede social, que movimentou a mídia como um todo, e que ganhou status de debate até em programas de televisão. Criada pela jornalista Nana Queirós, a campanha #EuNãoMereçoSerEstuprada#, tinha o fim de denunciar o crime de estupro sofrido por mulheres em ônibus e nas ruas das grandes metrópoles do país. E conseguiu.
Centenas de internautas - moças, mulheres e crianças -, que foram vítimas de estupros criaram coragem e revelaram suas dores, tristezas e conflitos, por terem sido violentadas física, verbal e psicologicamente, desnudando, assim, um problema de ordem social, cultural, política e psicossocial.
A jornalista decidiu criar o movimento na internet, diante dos resultados da pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que, felizmente, em função de um erro técnico mostrava que 65,1% de um total de 3.810 pessoas ouvidas, entre maio e junho de 2013, disseram concordar com a tese, segundo a qual, a mulher que mostra o corpo merece ser atacada.
Na verdade, o percentual dos que pensam assim é de 26% dos entrevistados. Ficamos sabendo disso, depois que o Instituto anunciou o erro e se retratou por meio da imprensa. Mesmo assim, estamos diante de um percentual sobre o qual cabe uma grande reflexão.
Quero, desta tribuna, declarar minha, solidariedade a todas as vítimas e estimular a reflexão acerca desse problema, emprestando minha fala para ser a voz de centenas destas pessoas que estão a participar da campanha #EuNãoMereçoSerEstuprada#. São o merece ser estuprada. Acreditam?! manifestações pessoais de mulheres de diversos níveis sociais e econômicos, idades variadas, e que, em geral, já foram vítimas desses estupradores.
Pegando as ideias centrais de discursos postados na rede mundial de computadores, reproduzo aqui, em forma de discurso individual, atemporal e impessoal, o sentimento conjunto de indignação de vítimas que foram estupradas e exploradas por homens e que, nesta condição, participam da campanha.
Assim, apresento algumas falas que nos pedem atenção:
“É pra falar das roupas das mulheres? Então vou dar aqui meu depoimento. Eu voltava pra casa no início da noite. Aos 15 anos o que eu costumava vestir era calça jeans largona e camisetão idem. A única referência feminina em mim eram os longos cabelos que eu cultivava. Bastou isso pra eu ser seguida e, com uma arma na cara, ser convencida a seguir um homem a quem ofereci minha bolsa pra me deixar voltar pra casa. Mas não era isso que ele queria. (...) Isso prova que não adianta vestir burca, os estupradores agirão da mesma forma, destruindo vidas de mulheres que não conseguem se libertar do trauma. Espero que meu depoimento seja útil de alguma forma, porque essa lembrança pra mim tem que ter utilidade”.
“Para mim, que fui violentada com 19 anos, e não tive coragem de contar para minha família, por acreditar que a culpa era minha, por usar roupas curtas e por meu jeito de ser (...) custou para eu acreditar que um dia conseguiria sair disso. (...) Hoje acredito como foi super importante para mim uma campanha dessa para dividir todo meu sofrimento com as pessoas e poder falar o que aconteceu comigo!! Hoje tendo coragem de falar sobre isso, e estou liberta para falar ao mundo que a culpa não foi minha!! Eu não merecia ser estuprada. Essa campanha é por mim, por nós e por todas as mulheres!!”.
“Nas ruas, passo raiva quase todo dia, é psiu, é gatinha, é gostosinha (...). E olha que me visto normalmente, nada chamativo! (...) O que mais me deixa revoltada, é saber que tem pessoas em pleno Século 21, que acham esse protesto não tem nexo, nem fundamento. Mas fazer o quê? Cada um tem seu nível de inteligencia!”.
“Tenho 23 anos, tive minha experiência de quase abuso com 10 anos com uma pessoa da família, aos 19 anos fui perseguida até a metade de casa por um homem que vinha me falando besteiras e que iria me estuprar, fui salva por um amigo. Aos 21 anos tive outra experiência voltando da academia o cara me perseguiu novamente e fui salva por um ex militar à paisana! Sou cadeirante, sou mulher e não mereço ser estuprada ninguém merece!”.
Esta nobres colegas, foi forma mais direta que escolhi para fazer meu protesto, utilizando-me de uma espécie de Discurso do Sujeito Coletivo; um método fundamentado na teoria da representação social, que consiste na construção de um discurso, formado por pedaços de outros discursos de sentido semelhante.
São discursos de quem já sofreu na pele a humilhação de ser estuprada pelo simples fato de existir. Isto porque, o estupro, nobres colegas, é compreendido pelos estupradores assumidos, pelo menos na internet, como algo simples, comum ao cotidiano dos homens. Para além do absurdo, este crime é entendido por eles como um direito.
Um exemplo, um dos mais aberrantes, é o de Gustavo Gustavo Rizzotto Guerra, um jovem internauta de 20 anos, que no dia 31 de março, publicou um vídeo no YouTube, em que defende a legalização do estupro no Brasil e faz apologia ao ódio contra pessoas de outras raças.
Com um comportamento carregado de preconceito contra feministas, mães solteiras e militantes de movimentos em defesa dos direitos humanos, o rapaz afirma categoricamente no vídeo: “Se a mulher, ela tá de noite, vestida como p***, provocando e sabendo dos riscos de ser estuprada, bem feito. Parabéns pro estuprador”.
Mirando-nos sobre os 26% de entrevistados do Ipea, que acham que as mulheres devem se vestir de modo mais composto, para evitarem ser estupradas, concluímos que, à primeira vista, o moço não está tão sozinho. Isso é preocupante, pois o que respalda a violência sexista, é exatamente o pensamento segundo o qual, a sociedade, o Estado, as instituições e os homens tudo podem sobre o corpo da mulher.
Vejamos que, somente entre 2009 e 2011, ocorreram mais de 50 mil mortes de mulheres por causas violentas no País, o que representa uma morte a cada uma hora e meia. Mais ainda: conforme o Anuário de Segurança Pública, em 2012 ocorreram mais de 50 mil casos de estupro, perfazendo, seis a cada hora. As mulheres negras, jovens, e com baixa escolaridade são as principais vítimas de violência doméstica ou sexual.
Para as pessoas, sejam homens ou mulheres, que, infelizmente, acreditam serem as mulheres estupradas, simplesmente pelo fato de usarem uma roupa curta, precisamos dizer que há um sério equívoco em seu pensamento. Há um reparo urgente a ser feito no processo de formação dos indivíduos. Se um dia se ensinou que aos homens tudo é possível e que às mulheres nada resta, faz-se mister dizer que não é mais assim, que esse tempo passou e que hoje a realidade do mundo moderno pede novas compreensões, novos comportamentos, novas formas de educar e de pensar. Essa missão é prioritariamente de pais, responsáveis e de professores. Mas é, também, de indivíduos do mundo da política. No caso, nós, que compomos este Parlamento, que fazemos leis e que tomamos decisões sobre a vida dos cidadãos e cidadãs.
A propósito, por oportuno, registro aqui, com tristeza a decisão do atual governador do Estado de Roraima, Chico Rodrigues, de extinguir a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, criada na semana passada, pelo ex-governador Anchieta Júnior, pouco antes de deixar o cargo. A Secretaria deveria centralizar as questões sobre a mulher, sobretudo, com relação ao combate à violência doméstica e sexual. Sua criação, vale destacar, não foi dádiva do ex-governador ou presente de fim de governo. Ao contrário, foi uma exigência do mundo político. Quer dizer, a criação secretaria para defender os direitos de cidadãs de Roraima, atendeu recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de Combate à violência contra a mulher, que atuou, aqui no Senado, no ano passado.
Esta CPMI, que esteve em nossa capital, Boa Vista, mediante convite que formulei, visitou alguns órgãos e entidades de defesa da mulher, onde pode colher depoimentos e documentos que permitiu a produção de um relatório em que revelou o grau de omissão do Poder Público, diante dos altos índices de violência por que passam centenas de mulheres em Roraima.
É, também, por determinação do governo da Presidenta Dilma Rousseff, que teremos, em Roraima, uma Casa da Mulher Brasileira, que irá juntar, a um só tempo e em um mesmo espaço, profissionais e equipamentos destinados a proteger as mulheres e coibir a violência de gênero.
Quanto a nós, parlamentares, devemos comemorar o fato de termos uma importante lei, a Lei Maria da Penha, criada neste Poder Legislativo, para proteger as vítimas da violência de gênero e punir os agressores de mulheres. Devemos comemorar o fato de termos uma nova lei, a lei número 12.015, que trata dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, e na qual gestos que causem constrangimento, como por exemplo, carícias não permitidas, podem ser enquadradas como estupro, e não mais serem apenas consideradas como um “ato libidinoso”.
Precisamos dizer, deste palanque político, que esses crimes, são passíveis de punição. E, neste caso, sendo condenado pela Justiça, o acusado pode ser punido com uma severa pena que, agora, varia de seis a dez anos de reclusão.
Aprovada pelo ex-presidente Lula, esta lei endureceu as penas para os casos de estupro, alterando, assim, o antigo artigo 213 do Código Penal Brasileiro (CPB). Na lei anterior (de 1940), essa pena oscilava entre três a oito anos para quem “constrangesse mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.
Temos que comemorar o fato de estarmos a assistir a ampliação das Delegacias de Atendimento às Mulheres, e a cobrar a criação de Secretarias Especiais nos Estados para implementar políticas públicas para as mulheres. Celebramos as parcerias quer vêm sendo feitas, entre os poderes Judiciário e Executivo para a criação de Varas e Juizados, voltados especialmente à proteção das vítimas de violência sexual, doméstica e familiar.
Portanto, aos homens que, como Gustavo Rizzoto Guerra, compreendem o estupro como algo simples, inerente a sua condição macho, comum no cotidiano onde vivem e, para além do absurdo, um direito do mundo masculino, precisamos reagir. Precisamos que temos responsabilidade social a qual não podemos dar as costas, não somente com homens, mas também com mulheres, crianças, jovens e idosos, em situação de risco de violência.
Era o que tinha a registrar hoje.