Discurso durante a 53ª Sessão Especial, no Senado Federal

Destinada a celebrar o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2014, cujo tema é "Fraternidade e Tráfico Humano", nos termos do Requerimento nº 187/2014, de autoria do Senador Paulo Davim e outros Senadores.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, RELIGIÃO.:
  • Destinada a celebrar o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2014, cujo tema é "Fraternidade e Tráfico Humano", nos termos do Requerimento nº 187/2014, de autoria do Senador Paulo Davim e outros Senadores.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2014 - Página 23
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, RELIGIÃO.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, LANÇAMENTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, PROGRAMA, IGREJA CATOLICA, ASSUNTO, TRAFICO, PESSOAS, DEFESA, NECESSIDADE, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MULHER, FOME, CITAÇÃO, TEXTO, PAPA.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco Maioria/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmo Sr. Senador Paulo Davim, autor da iniciativa desta sessão, que, com muita honra, está presidindo; Revmo Dom Frei Leonardo, Bispo de Brasília, Secretário-Executivo da Campanha da Fraternidade; Revmo Padre Luiz Carlos Dias; senhoras e senhores.

            Diria, Frei Leonardo, que a minha passagem pela política já se estende por seis décadas. O meu tempo, desde quando fui Vereador na minha terra natal, Caxias do Sul, é o mesmo das campanhas da fraternidade. A campanha e eu somos, assim, fraternos há 60 anos, gêmeos na ação, na oração, na pregação, porque, durante todo esse mesmo tempo, a fraternidade tem sido a principal trajetória do meu caminho político. É que, para mim, a fraternidade deveria ser o outro nome da política. Deveria ser, porque não é. Aliás, fraternidade deveria ser o mesmo nome da vida humana em todos os seus aspectos - na política, na sociologia, no direito, na economia -, mas, infelizmente, não é bem assim. A vida humana e o ser humano, na sua essência, têm sido cada vez mais banalizados em nome do que eu chamaria de ter desumano, que distorce a economia, fere o direito, submete a sociologia e mancha a política.

            O meu entristecer, ao longo dessas seis décadas, é que tenho repetido que a Campanha da Fraternidade vem em boa hora. Eu repito todos os anos: vem em boa hora. Mas não consigo acrescentar. Até que hora? Até que dia? Até que tempo?

            O que me alegra é a tenacidade dos justos, dos fraternos, dos democratas, dos verdadeiros seres humanos que, apesar da aridez do deserto, onde semeiam a fraternidade entre os povos, ainda acredito na fertilidade da humanidade na sua plenitude. Daí que as campanhas que se intitulam “da fraternidade” são ainda muito mais pela fraternidade, mais do que um louvor, uma súplica.

            Cá entre nós, meu querido Secretário-Geral da CNBB, nós vivemos um verdadeiro apartheid social, falando em termos mundiais. Na Campanha da Fraternidade da 1995, essa questão foi muito claramente exposta. O tema era “A Fraternidade e os Excluídos”. São dois os mundos sobre os quais sempre se fala, mas, para um deles, pouco se faz. De um lado, aqueles dos que têm - sim, aqueles dos que têm. Do outro lado, onde, por não terem, não são considerados nem mesmo seres humanos. Para que lado desse grupo que se ergue entre nós pregamos, então, a fraternidade? Como e para quê? Para que lado desse grupo pregamos a fraternidade?

            Não tenho elementos mais concretos para afirmar, mas, nas minhas andanças pelos dois lados desse mundo deram-me uma firme sensação, querido Bispo, de que o lado excluído pela economia, pelo direito, pela política é mais fraterno, mais solidário, mais humano no verdadeiro sentido da expressão. Eu ouso dizer que quem tem menos divide mais, divide o pouco que tem com os seus irmãos.

            Então, desse lado excluído é muito mais válido realizar uma campanha da fraternidade enquanto ato de louvor. Do outro lado, o dos chamados incluídos, estamos, parece-me, ainda muito longe do louvável.

            Pratica-se a fraternidade, muitas vezes, enquanto um ato de expiação dos pecados na lavanderia das almas. Sim, lá na lavanderia das almas, uma ação interior. Doa-se o que já está ocupado, o que já está ocupando lugar excessivo nas prateleiras materiais. Portanto, para esse lado ainda se impõe uma campanha pela fraternidade, não a fraternidade compensatória, aquela do que sobra, mas a fraternidade que nos torna, todos sem exceção e sem divisão, a imagem e a semelhança de quem nos criou.

            Na homilia do notável Papa Francisco, na sua primeira viagem pontifícia a Lampedusa, lá na Itália - para mim, Lampedusa é símbolo geográfico da degradação humana, dos imigrantes africanos que deixam suas vidas e deixam suas histórias para trás, em busca de uma rota de esperança, muitos deles mortos na travessia -, ele expôs, com muita clareza, a nossa postura separatista.

            Diz o Papa Francisco - abre aspas:

A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolas de sabão: estas são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Essa cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros, antes leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença, habituamo-nos ao sofrimento do outro. Não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa. [Fecha aspas.]

            Na política, portanto, um ato como esse, que tem como tema a fraternidade, não vem somente na hora certa, ou no dia certo, ou no tempo certo, vem no lugar certo: esta Casa.

            A fraternidade, infelizmente, não tem sido o outro nome da política no nosso tempo e no nosso lugar; ao contrário. Para mim, o degrau superior da falta da fraternidade é a corrupção. Portanto, a Campanha da Fraternidade, em 1996, com o tema “Fraternidade Política”, ainda não acabou, porque na política o tempo tem sido constante de quaresma, sem liturgias e louvor à fraternidade.

            Na política, não se pode consentir o sinal de súplica. E por que na política não se suplica, se exige? Da política, não se espera uma dádiva, mas um direito. Não pode haver um muro nesses corredores, muito menos muros neste plenário.

            A má política é a fila no hospital; a má política é o analfabetismo; a má política é a falta de prática nos direitos, que leva à insegurança pessoal e à insegurança coletiva. Portanto, a má política pratica o que há de pior no tráfico humano.

            A má política não só transporta milhões de seres humanos para o outro lado do muro dos direitos fundamentais, como lhes caça o passaporte para a cidadania, mantendo-os reféns das ações compensatórias, reféns da omissão, reféns da frieza do coração.

            Vejamos um texto básico da Campanha da Fraternidade neste ano, no primeiro parágrafo da primeira parte - abre aspas:

O tráfico humano é um crime que atenta contra a dignidade da pessoa humana, já que explora o filho e a filha de Deus, limita suas liberdades, despreza sua honra, agride seu amor próprio, ameaça e subtrai sua vida, quer seja a da mulher, da criança, do adolescente, do trabalhador ou da trabalhadora. [Fecha aspas.]

            Ora, o que mais atenta contra a dignidade da pessoa humana explora os filhos e filhas de Deus, limita liberdades, despreza a honra, agride o amor próprio, ameaça subtrair vida, que a fome, a miséria, o desdém, a degradação humana, pela ausência dos direitos mais fundamentais, daqueles consagrados em leis, em códigos de nossa Constituição.

            Leis, códigos e Constituição que juramos honrar, que juramos cumprir aqui, no nosso País. Leis que foram sancionadas ou promulgadas em nome de Deus e da Pátria, portanto, não foram só lavradas nos códigos e nas Constituições, mas na nossa Constituição e na Bíblia Sagrada lá estão os direitos.

            Não teriam sido tráfico humano, por exemplo, os grandes deslocamentos de brasileiros, cidadãos sem rosto, para terras prometidas e com direitos supostamente assegurados, para a Amazônia, e que se tornaram verdadeiros escravos? Pior, deslocamentos incentivados por governos, muitas vezes escudados por leis votadas aqui, neste mesmo local onde, hoje, celebramos a importância da fraternidade?

            O que dizer do tráfico humano, ainda hoje, na degradação do trabalho e, consequentemente, da vida humana nos grandes centros, por meio de falta de salário digno e dos direitos trabalhistas mais fundamentais?

            Ora, então, esta cerimônia não se pode limitar a este dia e a esta hora. Neste momento, nós estamos louvando a Campanha da Fraternidade, ponto; mas o mais importante é que a essência desta cerimônia permaneça neste local ainda enquanto a Campanha da Fraternidade faça a sua parte.

            No dia em que pudermos louvar como devido a Campanha da Fraternidade será porque, nesse mesmo dia, já não haverá mais a necessidade da Campanha da Fraternidade, mas da campanha pela dignidade na política e na sociedade.

            Quem sabe, então, querido Secretário-Geral da CNBB, com o nosso exemplo, possamos modificar corações e mentes, no sentido de que o ser humano é mais importante que o ter humano; que o ser humano que nos rodeia, aqui ou no outro lado do mundo, é fraterno no ser, não concorrente no ter.

            Quem sabe, então, possamos louvar a erradicação do trabalho escravo, da exploração do trabalho, do trabalho degradante, do tráfico para exploração sexual, para extração de órgãos, do tráfico de crianças e adolescentes, e de todos os demais tipos de exploração do homem pelo homem, males que jamais poderíamos imaginar ainda ocorrer, no Brasil e no mundo, em pleno século 21.

            Quem sabe, também, possamos imaginar um mundo sem fome. Hoje, é mais de um bilhão de seres humanos como nós que padece da falta de alimentos, embora tanto desperdício, fruto da opulência daqueles que têm o coração anestesiado.

            Os famintos são os traficados para o lado de lá do muro da vergonha. Sem rosto, sem dignidade, sem humanidade, sem solidariedade, sem fraternidade, com "passaportes" cassados, impedidos, portanto, de adentrar à verdadeira cidadania. São os "descartados", na expressão do Papa Francisco. São os "descartados", diz o Senhor Papa Francisco

            Quem sabe, então, possamos realizar uma sessão especial como esta não pela fraternidade, mas, verdadeiramente, da fraternidade entre todos os povos, independente de credo, de raça, de gênero ou de qualquer outra natureza.

            Termino com uma oração. E nada mais apropriado que uma oração do Papa Francisco, aquele que embutiu em nós, desde a sua escolha, um olhar diferente sobre a nossa fé. A nossa esperança e a nossa certeza de que ainda é possível mudar consciências, sonhar com um mundo mais fraterno, mais solidário e mais humano.

            A minha oração é, na verdade, um pedido de perdão pela indiferença de muitos de nós frente à degradação humana de tantos. Um pedido de perdão, quem sabe em nome dos que, até aqui, não se conscientizaram de que a má política pode ser a causa do tráfico humano que escraviza tantos irmãos, semelhantes a todos nós na criação, mas tão distintos na nossa indiferença.

            Disse o Papa, e eu digo com ele:

Acompanhem-me os ainda que têm fé na boa política, aquela que poderá resgatar os reféns da nossa indiferença. [Repito] Acompanhem-me os ainda que têm fé na boa política, aquela que poderá resgatar os reféns da nossa indiferença:

"Senhor, nesta Liturgia, que é uma liturgia de penitência, pedimos perdão pela indiferença por tantos irmãos e irmãs, [por nós]; pedimos-Vos perdão, Pai, por quem se acomodou, e se fechou no seu próprio bem-estar que leva à anestesia do coração; pedimos-Vos perdão por aqueles que, com as suas decisões em nível mundial, criaram situações que conduzem a estes dramas! Perdão, Senhor!"

            Encerro, meu querido, dizendo com muito respeito a V. Exª, Frei Leonardo, que não posso deixar de aproveitar esta oportunidade para levar o meu abraço respeitoso ao Bispo Marcony. A sagração dele como Bispo Auxiliar de Brasília emocionou. Eu, que estou aqui em Brasília há 32 anos, acompanho-o desde o seu início, jovenzinho. Filho de Brasília, é o primeiro cidadão de Brasília sagrado Bispo. Começou nas cidades satélites, foi crescendo, foi desenvolvendo. Acompanhei seu trabalho, sua dedicação, seu carinho, seu afeto. E acompanhei o seu crescimento. Então, foi com muita emoção que eu vi a sua sagração. Tenho a certeza mais do que absoluta de que Dom Marcony será um marco na Igreja do Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2014 - Página 23