Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a decisão da Justiça Federal, em primeira instância, favorável à empresa norte-americana Apple no caso do uso da marca iPhone; e outro assunto.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Indignação com a decisão da Justiça Federal, em primeira instância, favorável à empresa norte-americana Apple no caso do uso da marca iPhone; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2014 - Página 230
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, MAGISTRADO, JUSTIÇA FEDERAL, MOTIVO, DECISÃO JUDICIAL, ASSUNTO, AUTORIZAÇÃO, EMPRESA, TECNOLOGIA, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UTILIZAÇÃO, MARCA, PRODUTO, REGISTRO, INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI).

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu achei interessante essa abordagem do Senador Magno Malta, uma espécie de antecipação do meu pronunciamento.

            Magno, o debate é bom, o debate é esclarecedor, mas V. Exª me chamou a atenção para um fato ocorrido no Governo Fernando Henrique: quando eles quiseram acabar com a Petrobras, mudar o nome da empresa para Petrobrax, eles deviam ter fumado alguma coisa dessas que defendem hoje.

            O Sr. Magno Malta (Bloco União e Força/PR - ES) - Palmas para V. Exª!

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Sem dúvida alguma, estavam sob o efeito de algum cigarro estranho.

            Presidente Mozarildo, transita na internet um jocoso e-mail que traz uma triste comparação entre crianças americanas que ganham iPods, iPads e iPhones, ao passo que nossas crianças ganham aipim. A mensagem é mais ou menos a seguinte: "Cada um tem o que é seu." A informação pode ter seu lado jocoso, mas, quando o assunto é a detenção da marca, a mensagem esconde a verdade, e a verdade revela uma absurda usurpação da marca iPhone pela empresa americana Apple no âmbito de nosso território. Objetivamente falando, a marca iPhone pertence ao Brasil desde muito antes de ser supostamente lançada pela Apple em 2007.

            Verifiquemos os fatos.

            Em abril de 2000, a Gradiente concluiu que a telefonia celular, que, até então, veiculava apenas voz e mensagem de texto, caminharia para acessar a internet. Por isso, criou e pediu o registro da marca Gradiente iPhone, com o significado de internet phone. É este o significado de iPhone: internet phone. O registro foi depositado no INPI, e, na mesma ocasião, a Gradiente apresentou o primeiro produto da linha em um congresso de telecomunicações, Telexpo 2000. O fato foi registrado em uma matéria do jornal O Estado de S.Paulo.

            É importante lembrar que, naquele ano, ainda não existia qualquer dos produtos da Apple conhecidos pelo prefixo "i", iPod , iPhone, iPad. Esse produtos e suas respectivas marcas foram lançados, respectivamente, em 2002, o iPod; em 2007, o iPhone; e, em 2010, o iPad. Ou seja, em novembro de 2007 é que a Apple lançou um produto seu iPhone no mercado norte-americano. Na mesma oportunidade, o INPI terminou o exame de pedido de registro da Gradiente, concedendo-o, no Brasil, para a categoria de telefones celulares, o que foi publicado em 02/01/2008.

            De 2008 até 2012, a Gradiente passou por um processo de reestruturação financeira e de negociação com seus credores, tendo concluído a recuperação extrajudicial, num acordo amigável, com esses credores e tendo criado condições para capitalizar uma nova companhia que daria seguimento à produção dos produtos da marca Gradiente.

            Naquele mesmo ano de conclusão do processo de registro da marca iPhone pelo INPI, a Apple lançou seu iPhone no Brasil e pediu registro da marca na mesma categoria da Gradiente. Jamais procurou a Gradiente para uma negociação e simplesmente não tomou conhecimento do registro existente, certamente na esperança de que, em dificuldades financeiras, a Gradiente abandonaria a marca. Como esse não foi o caso, a Gradiente lançou um produto como seu smartphone em dezembro de 2012.

            Com a sua marca iPhone, logo a seguir, a Apple entrou na Justiça Federal com um argumento esdrúxulo. Afirmaram que iPhone não é marca e, sim, categoria, exatamente o contrário do que alegam em mais de 60 países em que possuem o registro dessa marca. Se aqui, no Brasil, ela simplesmente desprezou a marca já registrada, o mesmo não ocorreu em outros países: nos próprios Estados Unidos, ela teve de comprar da Cisco; comprou, igualmente, no Canadá. Em alguns outros países, como no México, agiu como no Brasil: simplesmente desconsiderou a lei e, hoje, mantém disputas judiciais para obter a marca, já que havia sido registrada por outras indústrias.

            Lamentável e vergonhosamente, em lugar de procurar a Gradiente para iniciar uma negociação, a Apple obteve na Justiça Federal, em primeira instância, no Rio de Janeiro, decisão em seu favor, tendo o Judiciário afirmado, ainda - pasmem! -, que o INPI deveria ter considerado fatos novos ao conceder o registro à Gradiente.

            A Gradiente recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, e o Desembargador Paulo Espírito Santo, relator da matéria, produziu um voto absurdo, baseado na notoriedade da Apple, posterior ao registro da Gradiente, fundamentando seu voto em três premissas falsas. A primeira é a de que a Gradiente fez o pedido de registro no ano 2000 e não usou a marca até dezembro de 2012. Isso é falso e se comprova com a publicação, ainda em 2000, de uma matéria no jornal O Estado de S.Paulo na qual se noticia, em 2000, o lançamento numa feira (Telexpo) do primeiro iPhone da Gradiente.

            A segunda premissa é a de que o INPI teria a obrigação de considerar a repercussão “intergaláctica” do iPhone da Apple quando nos concedeu o registro no primeiro dia útil de 2008.

Ora, esse argumento é absurdo, pois, em todo o mundo prevalece o princípio de que quem rege o direito à propriedade intelectual é a data do depósito, e não o que, à revelia do interessado, ocorreu posteriormente àquela data. Portanto, a afirmação do relator não é correta e subverte todo reconhecimento de direito de propriedade intelectual.

            Terceiro: que, ainda que por absurdo, a lei de marcas ou os tratados internacionais obrigassem o INPI a levar em conta fatos posteriores ao pedido de registro, não haveria nada para aquele instituto levar em consideração, pois não ocorreu absolutamente nada no exterior ou no Brasil naquele interregno, já que o primeiro iPhone da Apple foi colocado no mercado, apenas nos Estados Unidos, em novembro de 2007, um mês e meio antes da concessão do registro da Gradiente aqui. A repercussão "intergalática" a que se refere só veio a ocorrer nos anos seguintes. Mesmo assim, Senador Jucá, demorou de 5 a 6 anos para a Apple alcançar cerca de 20% de participação no mercado de smartphones mundial (atrás da Samsung). No Brasil, pasmem os senhores, a Apple alcançou apenas 7% de participação de mercado, e, mesmo assim, 7% só em 2013.

            O Desembargador revisor confessou que não havia lido o processo e acompanhou do relator. O terceiro Desembargador (Presidente) pediu vista e atualmente está examinando a matéria.

            O Brasil, desde 1992, é signatário da Convenção da União de Paris sobre marcas, que resguarda os direitos de uso das marcas àqueles que primeiramente requererem seu registro. Essa convenção é, inclusive, citada no próprio texto da lei brasileira de marcas e patentes (Lei nº 9.279, de 1996).

            Igualmente, nosso País é signatário do Acordo de Madri para Prevenção de Falsas Indicações Geográficas, destinado a coibir o uso ilegal de marcas já registradas.

            Não se pode conceber que, à luz das claras normas da Lei nº 9.279/96, lei brasileira, o Judiciário brasileiro se curve reverentemente perante o capital internacional e simplesmente, ao arrepio da própria Lei, imponha mais essa condenação aos nacionais, em detrimento não apenas do empresariado brasileiro, mas em detrimento dos princípios e das normas norteadores dos direitos chamados de industriais, como o são as marcas. São os direitos industriais.

            Trata-se de precedente inadmissível e que pulula como exemplo não de justiça, mas de injustiça contra o direito nacional, o direito internacional e o cidadão brasileiro.

            Precedente perigoso que abre espaço, por exemplo, para que uma empresa de aviação americana ponha seu nome de Gol ou de Tam, e, em seguida, chegue ao Brasil, querendo utilizar os mesmos nomes em suas atividades comerciais em nosso território.

            Meu receio é enorme porque, nessa leva, pode ser que alguma empresa de arbitragem americana seja constituída com o nome, por exemplo, de Justiça Federal, e se instale no Brasil, com a mesma marca, e a ela seja permitido o nome dessa marca.

            Se assim o fizer, podemos fechar o nosso Judiciário Federal.

            Espero que esse meu pronunciamento chegue ao conhecimento do juiz presidente que pediu vista na sua câmara, porque se trata de defender o interesse dos empresários nacionais, da Justiça e da legislação nacional e internacional referente a marcas e patentes industriais.

            Muito obrigado pela oportunidade de fazer esse pronunciamento na tribuna do nosso Senado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2014 - Página 230